É verdade, ele voltou. Richard David James – a.k.a. Aphex Twin –, qual D. Sebastião regressado numa manhã de nevoeiro, apareceu, após uma longa travessia do deserto, de álbum na mão e sorriso maroto chapado na cara. Treze anos após drukQs*, Aphex Twin vem por fim à seca de que a música electrónica tem vindo a padecer nos últimos anos (excepto alguns oásis que vão resistindo à tentação de ser invadidos pelas areias vizinhas), trazendo consigo não só o novo Syro, como também muito mais material que acumulou nestes anos de paragem e que, palavra do próprio, irá ser lançado ao longo de álbuns vindouros. Syro não é portanto mais um oásis, mas sim, espera-se, o início de um processo de «des-desertificação».
Em Syro perpetuam-se algumas características de trabalhos anteriores e abandonam-se outras. Por exemplo, os beats fortes continuam lá, mas não são tão crus como o eram antigamente. Os sons estridentes que apareciam do nada e que ensurdeciam quem fosse apanhado desprevenido também não têm lugar aqui. Ao contrário, os teclados melódicos, mais típicos da fase inicial da sua carreira, ganham algum destaque, algo que se tinha diluído no mar de sons e efeitos que os últimos trabalhos de Aphex Twin abarcavam. Numa análise mais imediata, parece haver uma ligeira inclinação para o seu som mais ambiente, embora sem nunca largar aqueles beats ácidos que tão bem emprega, sendo talvez a música «CIRCLONT14 [152.97]» o melhor exemplo disto. Este equilíbrio (ambient / techno) ligeiramente desequilibrado faz com que, ao ouvir Syro, tanto sejamos transportados para uma rave cheia de putos a dançar com ecstasy no sangue a fazer de combustível, como para um passeio ao luar, por ruas vazias numa noite fria.
O álbum abre com o single «minipops 67 [120.2]» e daí segue para a épica (e longa) viagem de «XMAS_EVET10 [120]». Depois vem «produk 29 [101]» (no qual é repetido vezes sem conta a expressão «fucking whore») e as viagens ácidas de «4 bit 9d api+e+6 [126.26]», «180db_ [130]» e «CIRCLONT6A [141.98]», seguidas de um interlúdio à la «Fitter Happier», «fz pseudotimestretch+e+3 [138.85]». Daí até à última música (com destaque para a fantástica «syro u473t8+e [141.98]») são mais 25 minutos de música electrónica pura e dura, que neste álbum é feita sem qualquer falha: muito bem misturada, técnica e melodicamente perfeita.
Syro é um álbum muito mais sonicamente sofisticado e cerebral que qualquer outro; este perfeccionismo quase maníaco faz com que este seja mais calmo, não tendo em si (ou tendo pouco) daquele misto de estranheza-surpresa-admiração que muitos sons, em trabalhos anteriores, provocavam a quem os ouvia. Vão fazer falta? Alguns com certeza acharão que sim. São precisos? Se calhar, não. É esse o principal ensinamento de Aphex Twin neste novo álbum: as coisas mais calmas também têm uma beleza muito própria e que merece ser explorada da mesma forma que os sons extraterrestres criados em outras alturas. O expoente máximo disto é a música de fecho do álbum, «aisatsana [102]», na qual a única coisa que existe a acompanhar um piano desprovido de qualquer efeito é o canto de um bando de pássaros no fundo, tornando-se esta música a mais bela e emocionalmente forte do álbum. É após uma hipnotizadora hora da melhor música electrónica dos últimos tempos que nos apercebemos dessa verdadeira beleza interior de Syro. E que maravilhosa descoberta é essa…
* a série de singles Analord fica fora da contagem por ter sido lançada sob o nome AFX.