Lembro-me ainda muito bem do dia em que ouvi Andrew Bird pela primeira vez. E lembro-me sobretudo porque desde esse momento, e durante dois ou três meses, dificilmente ouvi outra coisa a não ser esse maravilhoso Andrew Bird & The Mysterious Production Of Eggs (2005), cujo título me faz sempre pensar na capa, e apenas na capa, de outro enorme disco intitulado Whatevershebringswesing, do meu adorado Kevin Ayers. As ligações são tão óbvias, que não perderei tempo em vos dar as minhas razões sobre esse meu input de memória. É verdade que já passaram muitos anos desde que o mundo passou a conhecer canções como “Sovay” ou “A Nervous Tic Motion Of The Head To The Left”, e Andrew Bird foi continuando o seu caminho,embora nem sempre com passos tão seguros como aquele que foi dado no referido disco de 2005. Até que, para contentamento de muitos, nos chegou Are You Serious, título questionante do novo álbum do violinista assobiador. Andrew Bird casou e foi pai, e esses são períodos que marcam sempre qualquer um, e por isso é bem provável encontrarmos neste seu novo disco algumas marcas desses episódios de vida. Na capa, à boa maneira de Bird (refiro apenas o apelido do músico pela razão simples do seu significado) está um papagaio, e seria interessante ponderar sobre a animalia que povoa os trabalhos do músico de Chicago, embora este não seja o momento mais oportuno. Fica, para já, a ideia, e apenas isso.
Are You Serious é um disco sério, e a pergunta, se a entendermos como feita por um ouvinte qua acaba de escutar este novo trabalho de Andrew Bird, só poderá ser entendida de forma algo irónica. Sim, é um disco bastante sério (embora bem humorado), não no sentido da gravidade muitas vezes implícita na expressão em causa, mas pelo caráter íntegro e honesto do que aqui se ouve. Há já algum tempo que Andrew Bird não nos oferecia um trabalho assim tão sólido, tão coeso, tão cheio de boas canções. Ouça-se, por exemplo, a portentosa “Roma Fade”, potencial hit à escala reduzida do conhecimento que o mundo tem deste artista, obviamente. Ou “Capsized”, que abre o disco. Ambas são as canções mais soalheiras, mais festivas, e que por isso contrastam com as outras, mais íntimas, de maior recolhimento. Nesse campo, três ou quatro canções merecem maior destaque. Desde logo “Left Hand Kisses”, que conta com a participação da poderosa voz de Fiona Apple. É uma bonita canção a duas vozes, sem dúvida. Mas há mais: “Truth Lies Low”, cujo ritmo da guitarra inicial faz lembrar bossa nova, é uma das melhores de todo o álbum, sobretudo pela suas maravilhosas ideias instrumentais. Assim como “The New Saint Jude”, quase a terminar o disco, que por momentos se parece com uma qualquer canção que Paul Simon poderia ter escrito para Andrew Bird na época de The Rhythm of the Saints (1990), e que por via dessa semelhança é mesmo a minha favorita do lote das onze que fazem de Are You Serious aquilo que é: um dos mais interessantes e belos discos desta primeira metade de 2016!
Andrew Bird já nos deu alguns excelentes momentos na sua vasta e prolífica carreira, é bem verdade. E, repito, o seu opus magno continua a ser, na minha opinião, o inicialmente mencionado Andrew Bird & The Mysterious Production Of Eggs, mas este Are You Serious tem bons e crescentes predicados. É um daqueles discos que se vai revelando melhor sempre que o metemos a girar. Tenho, garanto-vos, feito preciosas descobertas a cada nova audição, o que não é de estranhar, uma vez que Bird sempre foi meticuloso no seu trabalho, espécie de ourives na arte de compor boas canções. E bons discos também, como é o caso presente.