Voltamos ao Brasil, há muitas décadas terra de delícias musicais e não só. Música brasileira é mais que as óptimas bossa nova e MPB ou que as péssimas Ivetes Sangalos e forró desta vida. Houve rock psicadélico do bom, houve Tropicália, houve pop óptimo e rock a sério nos anos 80 e 90, houve até fenómenos mundiais como os Sepultura. Hoje em dia tudo parece mais fragmentado. Bandas nascem um pouco por todo o lado naquele país do tamanho de um continente, sem que a dimensão mediática faça luz sobre os seus méritos. Talvez sempre tenha sido assim, podem dizer, mas agora o ouvido atento já não tem desculpa para não ir conhecendo o que vale a pena, mesmo que dê um pouco mais de trabalho.
Aqui, no Altamont, temos estado atentos a esse nicho. Depois de termos dado amplo destaque à micro-cena de Goiânia, num eixo virtuoso de Boogarins – Carne Doce – Luziluzia, chegou a vez de tentarmos dar a conhecer mais um tesouro escondido da música brasileira contemporânea: Bonifrate. A banda recebeu o nome do seu criador, vocalista, compositor e produtor, Pedro Bonifrate, que funciona quase como Kevin Parker para os Tame Impala. Rapaz dos seus trinta e poucos anos, Bonifrate chegou ao nosso conhecimento de uma forma completamente inesperada: os Boogarins partilharam no facebook uma canção sua, e esse tema foi a porta de entrada para um mundo rico e que promete ter ainda muito para nos dar. O som de Bonifrate é o psicadelismo, movimento cujo revivalismo já dura há algum tempo e que, para além de nos ter dado magníficos discos nos últimos anos, não parece fazer tenção de abrandar. Mas é um psicadelismo manso, no bom sentido, que se aproxima mais do folk acústico do que da electricidade, com excepções valiosas em alguns temas. Ouvimos ecos de Mutantes, algo a que não conseguimos (nem queremos) fugir quando ouvimos o psicadelismo cantado em português do Brasil; mas também de Pink Floyd na fase The Piper at the Gates of Dawn ou na obra de Syd Barrett. Mas Bonifrate conhece mais truques, e toda a sua música surge imersa num grande conhecimento pop, com ramificações que vão até ao reggae. Isto e as suas letras, que procuram a fuga para um mundo imaginário mas também versam, e muito, sobre a natureza, a floresta e o mar, denunciam a morada de Bonifrate. É Paraty, a cidade literária juntinho ao mar brasileiro. Nos últimos anos, Bonifrate lançou duas obras que funcionam como uma óptima porta de entrada para o seu mundo: Museu de Arte Moderna, do final de 2013, e o EP Toca do Cosmos, de 2014. Mais ainda, para além deste projecto em nome próprio, Bonifrate ataca em várias outras frentes, das quais se destaca o grupo Supercordas. O grupo tem mais anos do que se possa pensar: Os Anões da Villa do Magma (o tal som partilhado pelos Boogarins), de 2005, foi a chave para nós, que nunca tal tínhamos ouvido. Os Supercordas, aliás, foram a fachada que mais deu que falar no Brasil, embora sempre num campeonato relativamente underground. Bonifrate grava a solo desde 2002 e foi sempre editando discos assim, intercalando com álbuns dos Supercordas.
Nas palavras de Pedro Bonifrate ao Altamont (teremos entrevista em breve): “Também participei como guitarrista nos discos de Digital Ameríndio, que é o projeto do baterista dos Supercordas, passei também pelos Acessórios Essenciais (mas só ao vivo por um tempo), e mais recentemente produzi e toco guitarra com o Simplício Neto & Os Nefelibatas. Anões da Villa do Magma, como os outros solo, foi feito por mim, sozinho em homestudio (ou quarto). O disco Um futuro inteiro, de 2011, talvez tenha sido o que mais deu visibilidade por aí, apesar de não ter um lançamento físico como o MAM – Museu de Arte Moderna. Mas foi depois do Seres Verdes ao Redor, de 2006, dos Supercordas, que nós passamos a ter visibilidade e a tocar pelo Brasil. Esse é o disco que alguns dos caras dos Boogarins, ou do Séculos Apaixonados, essas bandas novas incríveis ouviram quando eram moleques e acabaram chegando até nós de alguma forma”.
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Esperando que tenhamos despertado a sua curiosidade e contribuído para dar a conhecer mais este tesouro do país-irmão, agora é consigo, se quiser escutar com atenção algo que promete ser recompensador. Está preparado para viajar?