
Em Março passado, aproveitámos a vinda das americanas Warpaint a Lisboa para lhes fazermos uma mão-cheia de perguntas que pairavam nas nossas cabeças, sobre os discos que traziam na bagagem para a capital portuguesa. O resumo dessa conversa, com Emily Kokal e Theresa Wayman está aqui, em jeito de antecipação do seu próximo concerto, sexta-feira no Nos Primavera Sound:
Altamont: Quem eram vocês, antes de serem as Warpaint?
Emily Kokal: A Theresa e eu conhecemo-nos quando tínhamos 11 anos e crescemos na mesma cidade, em Oregon. Ambas adorávamos música e arte e os nossos pais estavam ligados a esse mundo. Então, quando fizemos 18 anos e acabámos o secundário, decidimos mudar-nos para Nova Iorque. Viajámos imenso por todo o lado e acabámos em Los Angeles. Ambas andávamos a tocar, a experimentar coisas diferentes. Conhecíamos a Jenn e a irmã dela e decidimos tentar fazer música todas juntas, porque toda a gente fazia isso em paralelo.
E juntaram-se em 2004…
EK: Sim. Eu conheci a Jenn em 2000, por isso já éramos amigas antes.

O que andaram a fazer entre o início da banda e o lançamento do primeiro EP, em 2008?
Theresa Wayman: Muita coisa (risos). Escrevemos o nosso primeiro lote de canções, fizemos uns concertos e depois separámo-nos, por um ano.
E.K: A Theresa teve um filho, nesse espaço de tempo…
T.W: Mas não foi por isso que nos separámos, houve varias razões. Depois voltámos a juntar-nos e recompusemos as coisas que já tínhamos escrito. Decidimos começar a gravar o EP e a seguir a Jenn saiu da banda outra vez. Depois disso tivemos outros dois bateristas a tocar connosco – portanto, há dois bateristas diferentes a tocar no EP. Basicamente, tivemos de reconfigurar a nossa banda até acertarmos.
E.K: Durante algum tempo, fomos só três. A Theresa tocava bateria, a Jenn e eu fazíamos a nossa “cena” normal e foi aí que escrevemos “Beetles”, do nosso primeiro EP, “Set Your Arms Down”, “Warpaint”…”Jubilee”, que é só uma demo. Escrevemos imensa música, as três.
Como é que se lembraram do nome “Warpaint”?
E.K: Tínhamos só um sentimento forte quanto a ele. Há tantos nomes de banda, podes escolher qualquer coisa. Podes mesmo chamar qualquer coisa a uma banda. Por exemplo, “lightbulb” [lâmpada], pode ser uma banda.
T.W: Radiohead…
E.K: Sim, “doorknob” [maçaneta], o que for. “Warpaint” parecia simplesmente mais intenso e entusiasmante. Só ter a palavra “war” [guerra] no nome, torna-o mais intenso. Parecia meio tribal…
T.W: Traz à cabeça imagens fortes.
E.K: Sim, sentimos que era certo, na medida em que as pessoas não estariam necessariamente à espera mas, de certa forma, algo que entendemos de cada uma de nós está contido nele.
T.W: Sim, tipo “raparigas extra-fortes”! (risos)
Exquisite Corpse, além de ser o vosso EP, é uma técnica de arte surrealista que consiste na colaboração de várias pessoas numa só composição, escrita ou desenhada.
T.W: Conheces o jogo em que se dobra um papel em quatro (quando são quatro pessoas) e uma pessoa desenha, tapa o que fez, deixando à vista só as últimas linhas e a seguinte tem de continuar o desenho?…
E.K: Há uns exemplos espectaculares em alguns museus que foram feitos pelos próprios surrealistas como Marcel Duchamp, Luis Buñuel e todas essas pessoas do tempo do Dadaísmo. Também podes fazer isso com palavras.
T.W: É uma boa metáfora para aquilo que estamos a fazer, apesar de conseguirmos ouvir o que a outra está a acrescentar à peça em que todas estamos a trabalhar. Explica a colaboração que vem de cada uma de nós, individualmente, sem saber onde é que a outra pessoa está a querer chegar. Tem definitivamente a ver com isso, o nome. Uma amiga nossa tinha falecido pouco tempo antes, por isso é também uma espécie de tributo.
Billie Holiday: um modelo para vocês ou só uma canção?
T.W: Uma canção. Quer dizer, ela é um modelo, de certa maneira.
E.K: As letras do nome dela encaixam na letra.
T.W: Ela é uma mulher incrível a quem prestar homenagem.
E.K: Queres saber um pequeno segredo, que ninguém sabe? Na mistura da canção, quando se diz “H”, o John Frusciante [que misturou o EP] fez ecoar o “H” porque ela era viciada em heroína. H…h…h…h…
T.W: Ele sabe tudo sobre isso (risos).
Acham que existe uma diferença significativa na música feita por mulheres em relação à música feita por homens?
E.K: Há uma grande diferença na música feita por qualquer pessoa. Serem autênticos com eles próprios… Há muita música que soa igual a tudo o resto que é normalmente feita por quem copia ou “continua o ciclo”, mas os músicos verdadeiros não podem ser postos numa categoria só de homens ou mulheres.
T.W: Tenho andado a ver episódios de Twin Peaks, que são todos realizados por diferentes pessoas, e há um realizado pela Diane Keaton que é notavelmente diferente de todos os outros, na maioria realizados por homens. É realmente sensual, com planos muito lentos e artísticos, onde não tinham de o ser porque os outros só tentam contar a história, directos ao ponto. Senti que havia um toque gentil, talvez sensual que as mulheres têm – mesmo se alguns homens que tocam música também têm. É desafiante ser único, descobrir o caminho criativo pelo teu próprio método, em oposição a aprender técnicas e copiá-las, que acho ser uma atitude masculina comum. Isto são generalizações muito grandes mas acho que há alguma verdade nelas.

Como passaram do anonimato para uma banda conhecida no mundo dito “alternativo”?
T.W: Não sei, não tenho muito essa noção. Muitas pessoas perguntam “Então, o que é que fazes”? e eu respondo “Tenho uma banda” e depois perguntam “Que banda?” e eu respondo “Warpaint” e perguntam “A sério?! Eu adoro essa banda!” e eu digo “Fixe, estou nessa banda (que obviamente não conheces)” (risos).
E.K: Ou isso ou “Tenho uma banda”, “A sério? Que banda?”, “Warpaint”, “Ah…vou ouvir”.
T.W: Ou ainda “Ah! Estás nessa…banda?! Quem diria…”
Como é a experiência de estar ao lado de grandes nomes da música, em festivais com o Primavera Sound? Conhecem os artistas que sempre quiseram conhecer?
E.K: Oh, essa é a melhor parte. O Primavera é o grande exemplo disso. (risos) A Theresa começou uma relação com um artista que conheceu lá [James Blake], ficámos também boas amigas do Kurt Vile. Uma das melhores coisas de se estar no mundo criativo é ter a oportunidade de conhecer outras pessoas criativas. Começar amizades nesse mundo…é mesmo bom.
Quem é The Fool?
E.K: De certa forma, a exploração sem ser julgada… A libertação. Uma expressão completamente não-filtrada.
Mudou alguma coisa no vosso método de composição entre a gravação de The Fool e o novo disco? O último demorou mais a sair e está mais negro que o anterior.
T.W: Até demorou menos a sair.
E.K: The Fool era feito de coisas que iam desde 2004 até à data em que saiu. Muitas dessas canções foram cozinhadas durante esse período. Algumas foram feitas próximas do lançamento do disco, mas a primeira canção na qual começámos a trabalhar como banda, em 2004, foi a “Lissie’s Heart Murmur”, que é a última do álbum. Este último foi mais sair da tour, ir para um sítio, escrever o álbum, fazê-lo. O primeiro é mais como uma fotografia do que somos e de tudo o que aconteceu desde o início, enquanto que o novo é uma peça mais focada no tempo.
Noutra entrevista, disseram que o hip-hop influenciou o novo disco. Algum artista em particular?
E.K: Isso foi mais uma citação errada do que outra coisa. Nós todas sempre ouvimos hip-hop, R’n’B e a música hoje em dia tem muitos mais beats. A música pop tem ganho também elementos mais negros de hip-hop, de dubstep…
Há também muito trip-hop, no álbum.
E.K: Sim, isso está tudo no nosso sangue, está no nosso ADN.
T.W: Todas nós gravitámos em relação a esse tipo de música e sinto que provavelmente esse é o fio de ligação mais forte que temos, porque todas o partilhamos.
E.K: Eu diria que isso de sermos influenciadas pelo hip-hop, que é uma citação da [revista] NME, deve dever-se ao facto de, quando andávamos no secundário, que é uma altura que nos define muito, ouvir-se muito trip-hop, era o mais popular nesse tempo. Depois, hip-hop melódico como o dos Outkast, Pharcyde, Wu-Tang… São coisas que já são mais parte de nós do que as coisas mais recentes.
T.W: Está sempre lá. Foram as coisas que nos levaram a querer fazer música, em primeiro lugar.
E.K: Faremos o nosso álbum de rap a seguir.
T.W: Definitivamente, eu ouço imenso hip-hop. Isso mostra-se na nossa música na medida em que o álbum é muito conduzido por bateria e baixo pesados. Depois, o resto constrói-se por cima, mas tem muito a ver com o ritmo.
Há uma canção, “Disco//Very”, que se insere nessa categoria. É muito energética e sempre que a ouço faz-me imaginar quatro raparigas vestidas de cabedal e saltos altos, a andar pelas cidades à conquista do mundo.
E.K: Isso soa o máximo.
T.W: Isso é de doidos, na verdade.
Como chegaram a essa canção?
T.W: Espera, depois vais perceber porque é que é de doidos… Ou nós dizemos-te. (risos)
E.K: Isso é a premissa do vídeo que estamos quase a fazer [já saiu entretanto e pode ser visto em baixo]. Saltos altos? Não sei, mas sim (risos). Como é que chegámos a essa canção? Foi uma jam, em Joshua Tree. Foi uma das últimas coisas que fizemos e não era obrigatório escrevermos uma canção, estávamos só a tocar por tocar. Depois esquecemo-nos dela e mais tarde a Stella encontrou a demo. Eram imensas horas connosco a tocar, mas nada de concreto. A Stella reparou nessa jam em particular, enviou-nos e eu fiquei obcecada com ela. Quisemos desenvolvê-la. Formatámo-la de várias maneiras diferentes, a Jenn tomou a liderança vocalmente e cada uma de nós ficou com um verso, um pouco como numa canção de hip-hop em que os versos são divididos entre cada um dos intérpretes.
E “Drive”? Está de alguma forma relacionada com o filme homónimo?
E.K: Exactamente.
Porque soa a isso.
E.K: Não, na verdade não está (risos). De facto até foi difícil de manter o nome da canção por causa do filme, só que nenhum outro nome surgiu. Mas não, não tem nenhuma relação.
Theresa: e James Blake contribuiu de alguma forma para a música das Warpaint?
T.W: Sim… quer dizer, ele teve de contribuir.
E.K: Influência… (risos)
T.W: Sim, passamos muito tempo a ouvir música, a falar sobre música, a mostrar um ao outro o que estamos a escrever, a fazer arranjos e a ter ideias. Por isso sim, há uma grande influência. Além disso, a música que ele faz definitivamente abriu os meus olhos para outras ideias e acho que a mesma coisa aconteceu para ele. Ganhámos visões diferentes, de como cada um aborda a sua música. Ele não o pode fazer como eu porque nós somos quatro e ele é um, mas ainda tira algumas ideias.
As Warpaint actuam no dia 6 de Junho (sexta-feira) no festival Nos Primavera Sound, no Porto.