Um tributo a António Variações foi a primeira desculpa para levar os Linda Martini ao Rock in Rio, mas eles também ficavam bem no Palco Vodafone. Por isso, Roberta Medina convidou-os a tocar a 1 de Junho, dia em que a pop do festival não prometia um público muito aficcionado a Linda Martini. Ainda assim, deram um bom concerto, como sempre dão. Antes disso, estivemos à conversa com a baixista Cláudia Guerreiro e o vocalista e guitarrista André Henriques.
Como foi crescer dentro dos Linda Martini?
Cláudia: Foi bom.
André: Foi. Dez anos. Já estávamos crescidos na altura, agora estamos somos um bocadinho mais. Há um crescimento se calhar mais no sentido a musical – antes dos Linda Martini havia outras coisas, outros projectos – mas se calhar encontrámos aquilo que gostamos mesmo de fazer e encontrámos uma identidade comum com esta banda. E de alguma forma aquilo deu resultado e dez anos depois continuamos a tocar. Mas foi bom, éramos amigos na altura e acho que agora somos mais ainda.
Mas também não deve ser fácil estar numa banda durante dez anos.
Cláudia: É tão fácil como teres – isto é um bocado um lugar-comum mas é verdade – é como cresceres numa relação, que é o que aquilo é, em vez de ser a dois é uma relação a quatro. E as coisas são um bocado cíclicas: há uma altura que te dás mais com um, outra altura em que te dás mais com outro, e isso também vai equilibrando um bocadinho o sistema todo, não é? Se estás a embirrar com um na altura é bom que tenhas alguém com quem possas relaxar um bocadinho. E acho que a coisa foi sendo equilibrada.
André: Até é fixe. Numa relação monogâmica aquilo acaba logo, aqui tens quatro gajos e vais distribuindo a atenção.
Agora sobre esta ocasião, como é estar pela primeira vez e em dose dupla no rock in rio?
André: O Rock in Rio é um festival de sentimento misto para nós, porque ao mesmo tempo que se calhar um festival com mais público, pela própria dimensão do espaço, pelos patrocinadores que entram no barco e que levam isto a um nível de promoção, uma máquina de promoção, que os outros festivais não têm, e isso para uma banda, qualquer banda, é bom porque te expõe a mais público. Mas também – e isto atenção que isto não é uma crítica, é o que é, os festivais são feitos a pensar em determinados públicos – sentimos às vezes que parece que somos um bocadinho peixe fora de água, porque este acaba por ser um festival onde um grande grosso das pessoas que estão aqui não são pessoas que vão habitualmente aos festivais, não são pessoas que vejas em Paredes de Coura ou Alive, é um ambiente muito mais familiar, muito mais abrangente, mesmo o próprio público tem interesses e expectativas diferentes do público para que estamos habituados a tocar. Estou a fazer uma generalização, atenção, claro que aqui, no meio de desta massa toda, também há pessoas que gostam de nós e que nos acompanham.
Como foi interpretar Variações?
Cláudia: Foi bom e acho que é um bom artista para nós, Linda Martini, pegarmos e fazermos alguma coisa. Estava a dizer ontem que há tempos tivemos de fazer uma versão de uma música de Zeca Afonso e que foi muito mais complicado. É um outro tipo de música, é música revolucionária, tem outro esquema. Isto era mais experimental e acho tem mais espaço para nós também sermos mais experimentais. E nesse sentido foi bom, foi muito bom fazermos colaborações com outros músicos… É uma coisa que não costumamos fazer muito e isto obrigou-nos um bocadinho a fazer isso e a descobrir que isso também pode funcionar bem.
André: Este ano está a ser muito bom para nós nesse sentido. Tínhamos feito aquilo com a Gisela, que até se repetiu, tivemos este concerto, fizemos o concerto do 25 de Abril com a Xana e o Flak dos Radio Macau… Um ano que nos deu essas experiências todas e que nos vai enriquecer seguramente. A busca de interpretar um outro músico leva-nos sempre para outro sítio a que não chegaríamos por nós, pelo nosso pé. E isso de certeza que vai ter reflexos na nossa música. Não sei de que forma, não sei se é uma coisa explícita, mas influencia sempre de alguma forma. E para nós têm sido muito interessantes estas participações.
Vai abrir portas para novas colaborações?
Cláudia:Pelo menos abre-nos as nossas portas. Abre-nos um bocadinho a cabeça para perceber que podemos ir por muitos mais caminhos do que aqueles por que temos ido. Ensinou-nos algumas coisas. Ensinou-nos a sabermos lidar com outras pessoas e a compor com outras pessoas. Costumamos dizer que somos um bocadinho fechados em nós, há muitas bandas que fazem muitas colaborações, nós não temos esse hábito, porque estamos muito habituados a funcionar os quatro e acho que esta pressão… porque isto é sempre com pressão, não houve muito tempo para fazer estas coisas, foi tudo um bocado a ferros, mas funciona. Quando tem de sair, sai, e o que sai nós gostamos, porque também se não íamos apresentar uma coisa de que não gostássemos. E esta experiência toda ensinou-nos que nós somos capazes de fazer isso e de ficar felizes com o resultado.
Preferem os palcos pequenos? Sempre associei os vossos concertos a sítios pequenos, cheios de gente…
Cláudia: É muito melhor sentir que esse caos está a acontecer! Ali não há esse espaço para o caos. E tocar de dia também é esquisito. Nós o ano passado tocámos no Alive e para mim foi um concerto muito esquisito. Não sei porquê, mas não senti o espaço. E ontem não, não tive nada esse feeling, não me fez diferença estar a tocar àquela hora, até acho que fez bastante sentido, hoje estivemos aqui a fazer som, este palco é bem mais pequeno, mas também estava a gostar de estar ali de dia. Não sei, se calhar é do espaço à volta. É diferente de estares num sítio cimentado, festival tipo o Primavera Sound de Barcelona. Horrível. É tipo alcatrão, um palco gigante…
André: E tem demasiadas bandas. Ainda no outro dia estava a falar nisso. Por acaso o Rock in Rio nisso não é um festival sobrelotado de coisas a acontecer como no Primavera de Barcelona. São coisas a mais, tu ficas esgotado. Mesmo para um fã de música que queira ver várias coisas – não é só aquela coisa de haver duas coisas a acontecer em simultâneo e tu queres-te desdobrar – mas depois acabas de ver um concerto e gostas de ir para casa pensar naquilo e gerir aquilo que te proporcionou e aquilo é demasiada informação.
Cláudia: É um centro comercial.
André: É esgotante. Parece uma feira. Não é um espetáculo. Com todas as bandas, e particularmente uma banda como nós, que começou por ser uma banda muito mais de clubes -só que claro que a dimensão do mercado cá em Portugal e os espaços para os concertos serem tão pequenos, que num curto espaço de tempo demos por nós a tocar para públicos maiores, queimas das fitas, festivais de verão – tu vais adaptando o teu espectáculo. Claro que se estivermos a tocar à noite, num clube fechado, com as pessoas ali a olharem para nós, tem um sentimento diferente, mas aqui também se podem proporcionar concertos interessantes, com outra química.
E aproveitaram para ver alguma banda?
Cláudia: Eu queria ter visto Arcade Fire, mas depois fiquei tão cansada…Sabes aquela ideia de ires para o meio da multidão…? Não sabia o truque.
André: Nem toda a gente ficou, a Cláudia foi embora e eu também estava naquela ‘vou não vou’, porque também estava muito cansado, mas depois os Deolinda é que nos avisaram do truque…
Cláudia: Não sei se podes divulgar o truque! (risos)
André: Nem toda a gente tem o passe! Quem tem acesso ao backstage pode passar mesmo por baixo do palco e vais dar ao fosso dos jornalistas, e podes ver daquele buraco da régie, e vimos ali e foi engraçado, eles têm aquelas coisas cénicas que sobem lá ao meio, e estávamos ali muito próximos. Eu gostei muito, já é para aí a terceira vez que os vejo e gostei muito, são uma grande máquina. O que mais impressiona é que acabas o concerto e tu sais do palco e vês seis camiões TIR já prontos, ligados, já os gajos estão a descarregar o material. Eles trazem tudo às costas. Os gajos gravam o som na noite anterior e acertam a cena toda e pronto, está feito. São uma grande máquina, são uma grande banda e conseguiram-se reinventar mais uma vez com este disco. E em termos de bandas contemporâneas, se calhar a par dos Radiohead, não há muito mais bandas que tenham conseguido fazer isso sem perder o público que já tinham e conquistar outros e eles nisto são exímios, é de se lhe tirar o chapéu.
(Fotos: Francisco Fidalgo)