Com mais de 20 anos de carreira, os Tindersticks preparam-se para lançar novo disco, já esta sexta-feira. Há algumas semanas, o vocalista Stuart Staples, dono das patilhas mais emblemáticas da música moderna, visitou Lisboa e sentou-se para dois dedos de conversa sobre o novo disco, as curtas metragens que acompanham cada música e a estranha ligação entre a banda e o público português.
Altamont: Comecemos pelo título, The Waiting Room. É como uma sala de espera, de um hospital por exemplo, em que estamos à espera que alguém, um médico, nos venha trazer notícias?
Stuart Staples: Eu acho que uma sala de espera é um espaço antes de alguma coisa acontecer, é uma espécie de limbo, como estar em nenhures até essa coisa acontecer e estás lá por uma razão específica, é sobre “pontos de mudança”.
E é por estar à espera que algo aconteça que o disco é tão tenso? Eu divido o disco em duas partes, a inicial em que estamos nessa tensão da espera, a final mais pacífica.
Eu acho que o disco tem uma energia nervosa, e no fundo as canções formaram-se pela experimentação, nós usámos aquilo que sabemos, mas não fizémos como sabemos fazer. E há uma tensão nisso, nessa exploração, mas acho que a canção “The Waiting Room” é a mais calma do disco, mas para mim é também a canção mais violenta. Portanto acho que é enganador.
A que eu achei mais violenta foi “How He Entered”.
Isso tem muito a ver com o ritmo dessa canção, é tensa. Finge não ser mas acho que tem algo muito profundo nela que realmente dá vida à história. É estranho. Como a canção a seguir a “The Waiting Room” [“Planting Holes”], tem um acorde errado. Não se percebe porque é tocado com convicção, mas há um momento em que lá no fundo é muito dolorosa.
Na minha divisão do disco, a segunda metade é mais pacífica, como se já tivéssemos recebido as tais notícias que aguardávamos. Isto tem a ver com alguma experiência pessoal?
Eu acho que todos os álbuns, não direi que são um diário, mas são experiências, sentimentos que entram em ti e querem sair. E para mim, na música, nas canções, acho que… Não é fácil ser um tipo de 50 anos neste mundo [risos] e acho que é mais ou menos isso o cerne da questão. Não é fácil, há muita coisa com que lidar, e quer seja pessoal ou tenha mais a ver com estar alerta, mais conectado com o mundo… É um sítio duro para estar, e não à superfície, mas ter um conhecimento de como as coisas são. Mas não quero fugir a isso, não quero fazer algo que finge que estes tempos não são como são.
Então decidiste enfrentar isso, quase para afastar fantasmas?
Há uma canção no fim do disco, “We Are Dreamers”, que tem a Jehnny Beth das Savages a cantar comigo. E quando eu a convidei para cantar disse-lhe que não era um dueto, não é “backing vocals”, é como outra pessoa a erguer-se e recusar-se a parar de sonhar. Porque tu tens de sonhar, tens de continuar a sonhar, e fazer música – quando lidas com matérias que te são muito próximas – tem de ser lúdico, tem de ser aventura, descoberta, sempre. E acho que tens de estar num estado de espírito em que continuas a sonhar, tentas fazer algo positivo, algo… Ia dizer belo, mas não tem de ser belo, tem é de ter intenção e integridade.
No disco também há outra convidada, Lhasa de Sela em “Hey Lucinda“, mas aqui é mais um diálogo.
Com a Lhasa é um dueto, escrito como dueto, e depois arranjámos tempo para estar juntos e para interpretar essa escrita. Com a Jehnny foi muito mais sobre partilhar um sentimento, partilhar o declínio. Neste momento é importante levantar e dizer não a viver numa certa realidade, e acho que isso tem sido… Tenho falado muito nisso nos últimos tempos, depois do que vimos em Paris [13 de Novembro]. Ninguém quer ver fotografias explícitas, estes sentimentos, esta espécie de revolta, quando entra em ti tem de sair de uma forma realmente positiva. Toda a gente sente isto, mas algo tem de ser feito a partir destes sentimentos e tem de ser positivo.
Daí que a parte final do disco soe mais optimista, como se as notícias que aguardávamos fossem afinal boas notícias?
Não sei. O disco termina com uma pergunta, e não podia ser uma conclusão. Sinto que no final há uma aceitação, mas não são necessariamente boas notícias. Há aceitação de uma situação, um momento de calma, mas é uma pergunta, tipo “para onde vamos, a partir de agora?”
Mesmo não sendo boas notícias, pelo menos há esperança?
Sim, claro. Eu ia dizer – digo sempre que nunca escrevi música que não contenha esperança. Mas se calhar há momentos neste disco que são desolados, estão rodeados de esperança, mas há certas partes que não têm esperança. Acho que é a primeira vez que posso dizer isso sobre música que fiz.
Porquê? Concluíste que há coisas que não valem a pena?
Eu acho que as canções são momentos, ao longo de um álbum há colecções de momentos – as músicas vêm em momentos, momentos de sentir, de compreensão, de criatividade. E há alguns desses que não contém esperança, mas o disco como um todo, contém esperança e há esperança no final, mas não sempre, nem é esse o tema principal do disco. Mas há momentos de desencanto, o que é um pouco estranho na minha escrita.
Então não vou ouvir esses momentos.
Mas são os melhores!
Este álbum vem acompanhado de uma colecção de curtas metragens. Mas neste caso ao contrário do que os Tindersticks fazem habitualmente, já compuseram muita música para cinema, mas compõem com base nas imagens. Agora foi diferente, depois de terem a música convidaram realizadores para criar mini-filmes para as canções.
Sim, mais ou menos. Essa foi uma das partes emocionantes, virar a coisa ao contrário, encontrar realizadores que fossem entusiasmantes para fazer parelha com cada canção. Os realizadores gostaram das canções que receberam e foi um grande momento quando isso ganhou vida. Mas foi uma conversa gradual, convidámos os realizadores a fornecer um espaço visual onde as canções pudessem viver, e não uma narrativa, não estar a descrever a música. Simplesmente tentar encontrar um lugar que seja um contraponto, um equilíbrio, uma coexistência, uma interpretação. Uma das primeiras que recebemos foi a do Gabriel Sanna, para “We Are Dreamers“, e quando chegou foi excitante e percebi que ia correr bem, esta ideia ia funcionar.
Estes filmes servem para alargar a experiência de cada música.
Sim. E são uma coisa nova, uma forma estimulante de explorar ideias, encontrar colaborações, é um processo que nos enriquece.
O disco está prestes a sair. Vão em digressão? Passam por Portugal?
Ainda não está decidido mas acredito que sim. Não me imagino a não tocar estas canções em Lisboa, em Portugal, foi sempre um lugar especial para nós. Quando fizemos o primeiro álbum recebi um telefonema a dizer que, por alguma razão, tínhamos vendido imensas cópias em Portugal, quando mais ninguém estava a comprar o nosso álbum. Desde o primeiro momento houve um elo de ligação, é muito estranho. E quando cá viemos pela primeira vez foi tão diferente de todos os sítios onde tínhamos tocado. Há uma estranha afinidade. Quando pensamos nisso… A Claire Denis – 20 anos mais velha que eu, criada em França e depois em África – uma vez, numa entrevista conjunta, ela disse qualquer coisa como “este tipo, nascido em Nottingham, fez isto e aquilo, mas chegamos a uma altura em que conhecemos alguém e sentimos as coisas da mesma maneira, temos o mesmo ponto de vista, e não sabemos porquê”. E também quando eu estava a pensar convidar a Jehnny [Beth] e estava a pensar por que raio alguém como ela haveria de querer cantar no nosso disco. Pensei sobre isso e percebi que há um sentimento, e eu aceito esse sentimento, e soube que ia ser algo que ia correr bem e que ia ligar-me a ela de imediato. E esse tipo de ligações transcendem todas as barreiras.
É a empatia, que não sabemos explicar.
Sim. E quando olho para trás, nós ficámos muito surpreendidos, mas senti que o público português foi capaz de aceitar algo que nós pomos na nossa música.
Talvez tenha uma ligação com o Fado, cheio de melancolia.
Mas muita gente faz música melancólica. Eu não procuro música triste, procuro música que equilibre a criatividade com a integridade de emoções. Quando encontro isso posso realmente acreditar no que alguém me está a contar, mas ao mesmo tempo sinto desprendimento pela criatividade, pelas ideias. Há uma certa duplicidade, preciso de algo em que possa confiar, emocionalmente, dentro da música, mas também preciso de me libertar das ideias que estão à volta disso, que se relacionam com a minha cabeça e o meu coração.
Talvez a energia que colocas na música que fazes tem uma conexão directa com a forma como o público português escuta.
Mas eu acho que tem mais a ver com ser sensível a emoções. Parece muito fácil de dizer, mas muitas sociedades reprimem as emoções. E não é só tristeza ou melancolia, mas emoções extremas. Senti que o público português conseguiu relacionar-se com isso de uma forma diferente, de maneira bastante sincera.