Foi há pouco mais de um ano que estivemos a conversar com Gui Amabis, no Jardim da Estrela, em Lisboa. Na altura, Gui estava a meio do processo deste novo disco – numa altura em que nós, aqui em Portugal, ainda estávamos a começar a maravilhar-nos com o recente Trabalhos Carnívoros. Depois houve o concerto lindo na Casa Independente, só com a guitarra.
Agora já está cá fora o seu terceiro disco, e quisemos saber tudo sobre isso. Mas antes, queremos pegar de onde deixámos…
Altamont: Nessa entrevista falavas em ir a Trás-os-Montes, conhecer as tuas raízes. Já chegaste a ir? Se sim, que tal foi? (Se não, ora aí está um pretexto para um regresso em breve a Portugal)
Gui Amabis: Não fui visitar a terra dos meus avós. Me peguei preso a Lisboa, na feitura do disco.
Ainda sobre terras lusas, queria saber quanto de Lisboa está no teu novo disco. Quanto foi escrito aqui, quanto foi inspirado na cidade?
Muito, grande parte dos arranjos e letras foram escritos em Lisboa. A cidade me colocou num lugar interessante. Estava só e tinha praticamente só a música. Andei e cantei muito, bebi, sonhei…Foi muito bom
Também gravaste cá coisas, com músicos portugueses, certo? Quem escolheste? Por que escolheste esses? Já os conhecias ou foram-te sugeridos?
Conheci Ana Cláudia Serrão, Nelson Carvalho e João Pedreira nas gravações de Life is a Second of Love (Rita Redshoes), gostei muito deles e resolvi chamá-los para contribuir no meu disco. Ela trouxe mais três instrumentistas, Ana Pereira, Ana Filipa Serrão e Joana Cipriano. No fim da estadia conheci Fred Pinto e Bernardo Barata, do estúdio Aí, acabei gravando algumas vozes do disco com Diogo Rodrigues por lá.
E como foi essa tua estadia em Portugal? Estiveste cá bastante tempo, não foi? Que tal te parece Lisboa, para quem está habituado a São Paulo, que tem mais do dobro dos habitantes de Portugal inteiro?
Fiquei uns quatro meses, me pareceu pouco. Fui muito bem recebido pelas pessoas que conheci, foi muito familiar. Sou de São Paulo mas não sou urbano, tenho dificuldades aqui. Lisboa tem um tamanho ideal de cidade grande, São Paulo é uma aberração.
E nesse período que passaste cá, sentiste-te como um estrangeiro em Lisboa, ou as tuas raízes Luso-Africanas contribuíram para te sentires mais “em casa”?
Eu não me sinto estrangeiro em canto algum, acho que algumas pessoas me vêem como em algumas situações. Tento não pensar nisso, mesmo sendo um tema importante.
Passando agora para o novo disco – Ruivo em Sangue – de onde vem o título?
Vem de uma imagem, um ser voltando de uma batalha, todo banhado.
Este disco confirma a tua identidade musical, muito vincada, muito própria – basta ouvir um excerto de uma canção para perceber que é Gui Amabis. Sentes que neste álbum aprofundaste ainda mais esse teu universo, muito marcado pela tua ligação às bandas sonoras?
Acho que tenho formado uma assinatura musical, mesmo sem querer. Acho que minha limitação me fez criar um estilo. Venho trabalhando dessa forma torta faz anos. Penso se devo ir pra outros lugares, vamos ver se consigo.
A ideia que tenho é que, em comparação com o disco anterior, este é mais ‘aberto’ – pelo menos em termos sónicos, parece-me ter arranjos mais expansivos. Concordas, ou estou errado e tenho de ir ouvir o disco com mais atenção?
Concordo, explorámos mais as melodias e instrumentos. Sinto que as letras ficaram mais densas e os arranjos mais leves. Achei que se fosse para o mesmo caminho melódico que o anterior o disco ficaria muito pesado, foi uma escolha.
Mas a verdade é que me parece que, onde o Trabalhos Carnívoros soava a doce melancolia hipnótica, este novo disco é, em parte, mais soalheiro. Novamente, concordas? (No fundo, o que sinto é que o anterior era mais introspectivo e este é mais “virado para fora”)
As melodias são soalheiras mas as letras não, é quase uma contraposição.
No anterior, os trabalhos carnívoros tinham uma inspiração mais biológica. Este é ‘Ruivo em Sangue’, na capa aparece uma navalha.. parece-me que pegas em temas mais pesados.. De que fala este disco, as letras das canções? A biologia e evolução do planeta, ainda são tema nas tuas canções?
Sempre serão, pois aprendi a ver vida por essa perspectiva. Se aparecer uma melhor posso mudar sem stress. O disco não tem um tema, cada música fala de uma história.
Nas tuas redes sociais, mostras frequentemente preocupação com a actual situação política, e social, do Brasil. De que forma é que isso entra, ou não, na tua música?
Isso não entra na minha música, não é um assunto que me inspira artisticamente. Me preocupo porque quero viver numa cidade boa de se viver. Mas acho que está melhorando, estamos vivendo um momento de transição, os que fazem parte do velho poder estão com medo, acho bom.
Este é o teu terceiro disco autoral. Do primeiro para o segundo assumiste mais o teu cantar – e neste novo disco parece que já estás plenamente à vontade com isso. Sentes-te cada vez mais um cantor? Ou essa parte é um “mal necessário” para dar corpo às tuas composições? Sentes que este é o teu disco mais completo?
Gosto muito dele. Não sei se é mais completo, acho mais elaborado, o que não significa melhor…
E continuas a criar bandas sonoras? Ou estás a dar mais destaque à tua música pessoal?
Continuo, amo trabalhar com cinema, nunca vou parar.
Vejo também que vais prestando atenção à música portuguesa (recentemente partilhaste uma canção do Senhor Vulcão[excelente escolha]). Que mais coisas portuguesas gostas/ouves?
Gosto dos Dead Combo, Sérgio Godinho, Rita Redshoes, Antonio Variações, Banda do Mar, Noiserv…
E para quando um regresso a Portugal? Seja para tocar ao vivo, para gravar, ou simplesmente para passear…
Espero que consiga ir com a banda em 2016, mas precisamos atingir um público maior para que seja viável.
*Tomámos a liberdade de deixar as expressões originais em português do Brasil