Em 2012, os Men Eater despediram-se dos palcos e avançaram para outros caminhos. Dois anos depois, aceitaram inesperadamente um convite da Rock Monster para actuar no Musicbox, e decidiram reunir a formação original para concretizar a imortalidade de Hellstone, o primeiro álbum da banda.
No fim-de-semana que antecedeu o concerto, no festival Reverence Valada, encontrámos o baterista Carlos BB (que por lá andava com os seus Keep Razors Sharp), e acabámos por acertar esta entrevista. E foi sobre o efeito do apoteótico concerto de regresso que tinha acabado de acontecer naquele Musicbox lotado que os Men Eater trocaram algumas sinceras palavras com o Altamont. Com entrevistados e entrevistadores ainda dopados em adrenalina do concerto, Carlos BB e Mike Ghost falaram sobre o futuro e o passado dos Men Eater.
Altamont: Antes de mais, como é que correu este concerto de regresso?
Mike Correia: Correu espetacularmente bem. Houve ali umas partes que um gajo fica assim um bocadinho ai Jesus, ai meu Deus, mas, no geral, acho que correu muito bem. Acho que se viu nos nossos sorrisos.
Carlos BB: Acho que acima de tudo foi bom porque estivemos novamente os quatro juntos em palco, já não estávamos há muitos anos. Para mim, um ano já é muito ano e foi bom estar de volta aos concertos, ter uma sala cheia, ter pessoas à espera para ver a banda. É bom ver que mesmo com o passar dos anos há coisas que não morrem, que ficam vivas para sempre. Acho que o Hellstone ficou vivo para sempre e, apesar de nós estarmos parados, a banda continua viva no coração das pessoas.
MC: Uma cena bué engraçada que eu vi foi público jovem há frente do palco. Se calhar na altura que o disco saiu não tinham acesso à banda ou não conheciam, mas agora tiveram acesso e à frente era só malta jovem. Foi fixe, foi giro.
E porquê que, dos três álbuns de estúdio, escolheram o Hellstone para tocar na íntegra?
MC: Porque foi o álbum que fez a banda, foi o álbum que cuspiu a banda cá para fora. Foi o primeiro, foi apadrinhado da maneira que foi e achámos que se era para fazer isto desta maneira e com a formação que era, era para tocar o primeiro disco. Foi o disco que fez a banda encher a sala hoje, foi o Hellstone que fez isto.
BB: Foi o disco que nos fez juntar aos quatro e acho que fazia todo o sentido tocar esse disco. Não é por ter sido o disco que bateu mais ou menos, é por ter sido o primeiro disco da banda e acho que o primeiro disco de qualquer banda é um disco muito marcante, tanto para nós como para qualquer outra banda. Queríamos dar essa prenda às pessoas também, acho que toda a gente fala do Hellstone como um álbum marcante. Na altura, aparecemos no momento certo, na altura certa e não havia muita gente a fazer isto aqui. Aparecemos numa altura em que não se misturavam uma série de coisas e nós resolvemos tentar misturar uma série de coisas e a coisa correu bem. Viu-se pela reacção da sala que as pessoas continuam a gostar do álbum, continuam a gostar da banda e nós continuamos a gostar de tocar aquelas canções.
E como é que aconteceu este reencontro?
MC: Este reencontro foi a partir de uma pessoa que trabalha no Musicbox (a quem desde já agradecemos), que é amigo mais chegado aqui do BB e que mandou a proposta para o ar. O BB falou comigo, decidimos que sim, mas só se fosse isto que aconteceu aqui hoje. Só se fosse com a formação original e a tocar este disco. Conseguimos que os quatro estivessem juntos para ensaiar e que estivessem disponíveis nesta data. Fazia sentido assim. Se era para ser… Nós já não tocávamos há não sei quantos anos e muito menos com esta formação, por isso se é um concerto único e, de certo modo…
BB: Especial.
MC: Sim, especial. A gente não vai continuar a tocar, a gente vai tocar se nos apetecer. E será sempre, a partir de agora, com esta formação. Se é para fazer isto e se é para tocar assim e agora, que seja especial acima de tudo para nós. Depois de ver a sala como estava, um gajo fica feliz, enche o coração. Arrisquei a não cantar a Lisboa, à espera que toda a gente cantasse e saiu bem. Tinha de ser uma cena especial, não podia ser só um concerto.
E vão acontecer mais coisas destas?
MC: Não dá.
BB: Na altura, quando fizemos o Hellstone, eramos mais novos e tínhamos muito mais tempo e muito mais vida para dar a estas coisas. Entretanto o Miguel está numa série de coisas, eu estou numa série de projectos, o Jotinha e o Azeitona não estão a tocar e a vida profissional deles deu uma volta completamente diferente. Quando começámos a banda, eles tinham vinte e poucos. Nessa altura estamos um bocadinho à procura do que queremos fazer da vida. Eu e o Miguel resolvemos continuar a seguir o caminho da música, eles seguiram outro caminho. Não digo que não voltaremos a tocar aí em mais situações espontâneas e que nós achamos que vai ser bom para a banda e, principalmente, bom para nós. Neste momento, a nossa principal preocupação é divertirmo-nos. Acho que o que levas daqui, esta série de sorrisos e de pessoas a bater palmas, é o que dá vontade para tocar mais uma vez. Quando falo de Men Eater falo também de outras bandas. É isso que faz as pessoas mexerem-se, nem é tanto o dinheiro. Há aquelas pessoas que fazem isto para ganhar dinheiro, mas o tipo de música que nós fazemos nunca deu dinheiro em Portugal, nem nunca vai dar. Por isso, se não nos divertirmos a fazer isto, não estamos a fazer nada. Aliás, Men Eater acabou por causa disso mesmo. Já estávamos um bocado fartos de remar contra a corrente.
MC: Vamos crescendo como adultos e chega uma altura da vida em que tens de tomar decisões. Nós tomámos a mesma decisão. Esta banda acaba, mas a gente não vai desistir disto. Mas com Men Eater já não dava. Se nós não tivéssemos parado, isto hoje não estava assim. Andávamos a tocar e tinhas mais oportunidades de ver a banda. Jamais o Musicbox esgotaria outra vez. Quando nos der na gana, se houver uma proposta qualquer que a gente sinta que vale a pena, a gente vai. Mas tem de bater certo para os quatro.
BB: Mas não fiques triste.
Desde que aconteça outra vez.
BB: Há-de acontecer.
MC: Nós temos mil e uma propostas, de festivais para o ano. Toda a gente começou a entrar em contacto connosco, mas somos adultos e não nos podemos comprometer com ninguém. Imagina que marcamos uma data com Men Eater, OK tudo bem. Basta Keep Razors Sharp marcar um concerto que o BB não vai dizer que não. Basta More Than a Thousand ter qualquer coisa que eu não posso dizer que não a isso.
BB: Neste momento são prioridades, porque são bandas que estão vivas. E é verdade, Men Eater não está morto mas…
MC: Hibernou. Não é por nós não querermos, é mesmo porque… pá, o meu primeiro concerto foi aos doze anos, ao BB foi exactamente a mesma coisa. Chega uma altura na vida em que tens de tomar decisões. Podes continuar a lutar pelo teu sonho, mas vais ter de decidir isso. É uma decisão que vais ter de tomar. Tomar as decisões é a coisa mais fácil, o problema são as consequências.
BB: Acho que é importante as pessoas sonharem muito. Mas é importante também não entrares em frustração. Segue os teus sonhos, mas não adianta morreres pelos teus sonhos. Foi o que aconteceu connosco. Já estávamos frustrados de tocar sempre nos mesmos sítios, para as mesmas pessoas…
MC: E sem condições. O público enche-nos as medidas, não há dúvida. Mas para montares um espectáculo tens de ter dinheiro para as despesas, e não existia qualquer plafond para subir ao Porto e não meter dinheiro do nosso bolso. Nós não tínhamos sequer condições para chegar ao Porto, o cachê não nos dava para lá chegar. Chegávamos ao Porto e já tínhamos perdido o dinheiro todo que íamos receber. É a realidade. Achámos que, pronto, somos amigos, portanto vamos parar agora. Antes que isto dê mesmo confusão. Já havia bué batalhas pessoais, psicológicas.
BB: No fundo, a realidade é fodida. O sonho é bué fixe, mas a realidade é fodida.
MC: Nós já falámos de gravar mais músicas, fazer um disco. Mas mesmo que isso aconteça, vai ser sempre para os quatro a acabarem aquilo e a desatarem-se a rir. Ganda malha, fixe, bora, vamos jantar, xau aí. Mas não queremos…
BB: Renascer a banda.
MC: Sim, pelo menos não dessa maneira. Não dá, é impossível. É impossível. Mas isto hoje foi lindo, pá. Vocês estiveram lá e viram. Graças a Deus os nossos fãs continuam a gostar de nós. Foi mesmo pôr os putos na avó e ir tocar.
BB: As pessoas mereciam. Fizemos isto por nós e pelas pessoas que gostam de nós. É a mais pura das verdades. Se fosse apenas para nós, fazíamos. Mas não era a mesma coisa.
MC: É o nosso bebé.
BB: É o nosso bebé de barba e cabelo comprido.
Fotos: Francisco Fidalgo
ganda gaja… comia!