Tern é uma espécie de gaivota do Árctico, que faz a mais longa migração do reino animal.
The Mighty Terns são uma banda cujos elementos estão separados por 56 mil quilómetros e partilham música via internet. A brincadeira começou há cerca de 2 anos e está na hora de se apresentarem ao vivo, pela primeira vez.
Em Lisboa vivem o guitarrista Pedro da Rosa, o baterista Nuno “Canina” e o teclista Nuno Lacerda. Luís Afonso, baixista, vive em Glasgow. A vocalista, Pauline, é das Filipinas e o pianista Hidekazu, vive em Osaka. Os primeiros concertos dos Mighty Terns são no dia 30 de Setembro em Lisboa (Musicbox) e 1 de Outubro no Porto (Plano B). Entre ensaios, conseguimos apanhar para uma entrevista a vocalista Pauline (que felizmente fala inglês, o meu filipino está bastante enferrujado), escoltada pelos homens das cordas, Pedro da Rosa e Luís Afonso.
ALTAMONT: Antes de mais, contem-me como se conheceram e se tornaram uma banda.
LUÍS AFONSO: Há uns anos, uma banda chamada Os Golpes [de que fizeram parte 3 dos actuais Mighty Terns] foi desafiada para participar num projecto, que junta artistas de portugal e do Sudeste Asiático, e fizemos uma música a meias com uma banda de Singapura. No lançamento do disco que resultou dessas colaborações, conhecemos a voz da Pauline. Ficámos apaixonados e tentámos repetir o processo de trabalho através da internet, com a Pauline, que é das Filipinas. Entretanto eu fui para Glasgow…
PEDRO DA ROSA: E fiquei eu e o Canina cá em Lisboa, e começámos a trabalhar com o Nuno Lacerda, que rapidamente aceitou o nosso desafio de começar a pôr uns teclados e uns sintetizadores. E então já estávamos os quatro a fazer coisas e mandávamos para as Filipinas, e o processo começou a desenvolver-se, em primeiro lugar porque havia uma prontidão da Pauline em fazer as coisas com alguma brevidade. E o processo é um “cadáver esquisito“, é um exercício de nós fazermos uma malha, enviamos para a Pauline que escreve as letras e manda de volta. Depois andamos no processo interactivo até a música estar confortável. Mais tarde a Pauline começou a enviar músicas gravadas no iPhone, e nós a musicar as canções que ela enviava. E portanto não há um método constante de fazer músicas. Há uma enorme vontade de avançar e não deixar que a distância impeça que a música seja feita. Entretanto, no meio deste processo todo, o David Valentim, que era o mentor do projecto T(h)ree, sugeriu que começássemos a trabalhar com um pianista de Osaka, que é o Hidekazu Hakabaiachi – que nós nunca vimos, vamos ver pela primeira vez agora, para os ensaios. Depois começámos a reunir, por teleconferência, todas as semanas – e tem sido uma aventura muito divertida e uma maneira nova de fazer música.
E tem resultado?
LA: Eu acho que só tem coisas boas, tirando o tempo. Demora muito mais tempo que uma banda normal, nunca nos encontramos fisicamente para fazer música ao mesmo tempo, as coisas têm de andar a passear dum lado para outro, e aí sim, à partida já sabemos que as coisas vão demorar mais. Mas esse tempo faz também com que as canções cresçam, em cada parte do mundo, e acabam por voltar com sabores novos, que doutra maneira nunca iriam acontecer. Mas no meu caso, a minha experiência anterior era sempre compôr no estúdio e as coisas iam acontecendo, íamos trocando olhares e íamos percebendo se os outros estavam a gostar do que se estava a fazer e havia uma avaliação, um feedback constante. Agora não, estou sozinho, em frente ao computador, com um interface, faço uma linha de baixo, mando – meio a medo – e depois, o resto da malta faz o que quer com essa linha. Eu sinto que o processo enriquece muito as músicas, que acabam frequentemente por dar uma volta de 180 graus – por exemplo, há uma música que começou com uma linha de piano do Hidekazu, muito aconhegante e calma e tranquila, que ele mandou para rapaziada em Lisboa, que a devolveram com uma rockalhada completamente diferente. Se estivéssemos todos na mesma sala de ensaio dificilmente iria para esse lado. Porque há o tempo, e porque esta coisa de passar a nossa contribuição, sem regras, sem restrições – a única regra que temos é que cada vez que um de nós faz “Enviar” o ficheiro, já não dele, e os outros fazem o que quiserem com esse som.
E não sentem que há o risco de a música ficar algo “partida” ou fragmentada?
PdR: Há esse risco. Mas há esta premissa: quando as coisas nos chegam, nós temos a noção que é o melhor que alguém, no seu ponto do mundo, conseguiu fazer. E até esgotarmos por completo uma narrativa onde aquilo encaixe, ou até desenvolvermos uma narrativa a partir disso e uma canção que tenha pés e cabeça e soe a canção e não a retalhos de riffs ou bocados de voz, não conseguimos descartar o que vem. Já aconteceu descartar, mas esgotámos, demos o nosso melhor para tentar desenvolver o que foi enviado. E há um esforço muito grande de produção para construir essa narrativa. A meu ver, fica uma coisa sempre coesa, muito abstracta, mas é a própria natureza da coisa, não estamos ali a forçar uma canção só porque sim. Tentamos sempre construir uma narrativa e o disco está bastante… A voz da Pauline é a linha que cose tudo e fica um fio condutor duma ponta à outra e acho que o disco está bem ligado.
LA: Queria só acrescentar que os Nunos (Lacerda e Canina) vão fazendo um trabalho semanal de ir juntando e preparando umas misturas, que depois voltam a mandar para toda a gente. Há um trabalho de produção, eles recebem o material que toda a gente manda, tentam cozinhar, misturar e gerir a matéria prima que o resto da banda envia.
Queria agora saber da participação da Pauline – como foi para ti entrar nesta banda e fazer música desta forma?
PAULINE: Acho que não é muito diferente do que o que estamos aqui a fazer agora, que é falar. Hoje em dia, com a internet, a velocidade com que transmitimos e partilhamos música e arte é quase imediata, e isso é fantástico. E os Mighty Terns nasceram com esse objectivo de transmitir, e fico muito feliz por fazer parte do grupo.
E és tu que escreves as letras – em que te baseias?
PAULINE: Em tudo…em todo o lado. Adoro viajar e isso inspira-me bastante. Acho que a nossa música é muito boa para ouvir no carro durante viagens longas. Eu fui recentemente à Serra da Estrela, e fui a ouvir a nossa música e aconselho a toda a gente.
E sobre os concertos. Esta será a primeira vez que vão estar todos juntos em cima do palco. Que tal vai a preparação?
PdR: Não tenho expectativas. Percebi isto nos ensaios – só funciona se estivermos mesmo a divertir-nos. Temos de decorar as estruturas, que é uma coisa cerebral – o resto deixa de ser cerebral e passa muito por a música acontecer, e quem está em cima do palco tem de dançar com ela. Cada vez que tento reproduzir exactamente o que gravei começo a encalhar, começamos todos a encalhar – mas quando largamos isso e começamos a olhar uns para os outros e a comunicar.. se calhar é usar um pouco aquilo que a internet não nos permite, que é comunicar com a música em directo, e eu tenho tido muito gozo a fazer isso nos ensaios.
Então pode ser que ao vivo seja uma coisa bastante diferente do que está gravado, até pela energia em palco?
PdR: Eu sinto é que quando tento fazer tal e qual como gravei, não me divirto tanto.
LA: Há uma pressão gigante para estes concertos, porque podem ser os únicos em que conseguimos juntar-nos os seis. E sinto que vai ser uma coisa única, para mim vai ser uma grande festa, onde vamos poder mostrar as nossas melhores músicas. Estamos desde Novembro de 2013 a sonhar com isto, estamos há 2 anos a fazer músicas, para nos juntarmos uma vez, por isso é especial.