Não é comum ouvir, nas rádios nacionais, rock alentejano. Mas os Marvel Lima estão cá para combater a tendência actual, em que 80% daquilo que chega aos ouvidos do público vem de Lisboa ou Porto. Este quinteto vem de Beja, capital do Baixo Alentejo, e apresenta-nos um rock muito próprio. A banda já existe há vários anos, esteve a preparar a sua música em lume brando, e lançou agora o álbum de estreia. O disco, homónimo, foi gravado em Lisboa, é certo, isso pode ter urbanecido um pouco o trabalho, mas a raiz alentejana está bem entranhada. Conversámos com o vocalista e guitarrista José Penacho e o teclista Diogo Vargas, que nos explicaram que o nome da banda nada tem a ver com banda desenhada, que cantar em espanhol é fixe e que o ritmo é a base de toda esta música.
Falem-me da vossa história. São de Beja, foi lá que formaram a banda, ainda lá vivem?
José: De momento não, mas passámos grande parte da nossa vida lá, conhecemo-nos lá, a plataforma foi Beja.
E que tipo de influência teve a cidade na vossa banda?
José: Houve influência pesada, o facto de sermos de Beja e do Alentejo, acho que esta cena de tocarmos um rock latino-groovado, com influência hispânica, vem um bocado por aí. Também da influência espanhola na região, cada vez maior, a industrialização agrícola da zona, está tudo relacionado. E também a paisagem contou bastante, a paisagem árida.
Diogo: Eu acho que influenciou mas nós nunca tivemos essa percepção.
E que tal é o panorama musical da zona, como é formar uma banda em Beja?
Diogo: Não há assim um movimento, se calhar há 4 ou 5 anos havia mais pessoal que tinha o mesmo tipo de gostos e juntávamo-nos todos, mas acho que isso morreu um bocado. E nunca houve uma “cena” em Beja, as bandas que havia eram coisas completamente diferentes. Virgem Suta, depois o pessoal do metal.
José: Aqueles circuitos como há aqui em Lisboa, não existia. Também não havia público.
Diogo: O público acaba por ser sempre o mesmo para todas as bandas (risos).
O vosso primeiro single, “Mi Vida”, saiu há dois anos, mas o álbum só sai agora. Porquê tanto tempo entre um e outro?
José: A nossa banda foi sempre uma base de amigos, passámos a nossa infância toda juntos, e nós tínhamos um baterista que nos começou a meter um bocado de parte – e é grande amigo nosso – mas a nível musical tivemos algumas diferenças, e isso acabou por atrasar o processo.
Diogo: Mas o single foi, primeiro que tudo, uma experiência, e para abrir portas para tocarmos ao vivo.
José: Nós também não estávamos ainda com o uma ideia fixa do projecto, a nível de conceito, e utilizámos o single também para explorar isso.
Diogo: Foi um bocado uma cena motivacional.
José: E o álbum supostamente ia sair nos meses seguintes, mas acabou por atrasar.
Portanto esse single foi o ponto de partida. O resto do álbum foi construído à volta dessa música?
José: Não, o single era tipo um medley de Marvel Lima, tinha um bocado de tudo o que nós fazíamos, o single é um bocado geral, tem uma grande influência prog, e é uma mescla de estilos. Mas era mais radiofónica que muitas das outras. Depois mais tarde lançámos o “Fever”, que já era mais um só estilo sonoro.
Uma das primeiras coisas que me chamou a atenção foi o facto de este disco ser trilingue – cantado em português, inglês e espanhol – às vezes dentro de uma só música.
Diogo: O espanhol era uma música que encaixava na parte instrumental que estávamos a pensar fazer.
José: E essa parte influenciou um bocado. Já que queríamos uma estética baseada nisso, aproveitámos e começámos a aprender espanhol, para cantar.
E há diferenças, a nível de som, para encaixar o espanhol?
Diogo: Permite algumas diferenças.
José: Dá alguma liberdade fonética, que encaixa melhor em algumas coisas. Mas também é difícil de encaixar noutras, por isso é que também usamos o português e o inglês.
Diogo: Nós no início tínhamos uma ideia mesmo de cantar em espanhol, mas depois acabámos por ir abandonando e misturando. O Zé acabou por fazer uma letra em português, que era em espanhol mas ficou melhor em português, e acho que a língua não deve ser um elemento castrador.
Quanto ao nome da banda, de onde vem e o que significa Marvel Lima?
José: Quando nós estávamos a pensar em nomes, surgiram vários nomes. Nós queríamos sugerir algo dentro do psicadélico, assim mais sugestivo. O Lima veio da nossa primeira sala sala de ensaios, que tinha um chroma verde lima pintado na parede, e aquilo era aberrante e nós em todos os ensaios tínhamos que levar com aquilo, e acho que a palavra vem daí. O Marvel vem de “marvellous”, a sugestão psicadélica. E acho que soa bem. Mas não tem nada a ver com a Marvel da banda desenhada.
No vosso facebook definem a vossa música como rítmica-mediterrânica-desactualizada. O ritmo é de facto fortíssimo nas vossas canções. É a partir daí que constroem as músicas?
José: O que nós pensámos, das primeiras ideias quando nos formámos, foi que isto tem de ter groove, a parte rítmica tem de ser fundamental aqui.
Diogo: Mas não é necessariamente a parte rítmica a primeira a ser feita. Quando construímos as músicas, pensamos sempre nisso, quando alguém leva um riff, estamos sempre a pensar no que é que se poderá pôr a nível rítmico. É fundamental, mas não é necessariamente a primeira coisa que fazemos.
E não é só ritmo, também é bastante melódica.
José: Sim, eu acho que é um bocado por aí. Eu quando faço um riff, penso sempre como é que vou encaixar isso a nível rítmico. O Vargas se calhar tem uma visão um bocado diferente, no entanto é isso que faz com que a coisa funcione, há partes que são excessivamente rítmicas, outras mais melódicas, e há ali um balançar.
Diogo: Normalmente o que acontece é que, das melodias, acaba por se tirar coisas para dar mais espaço à secção rítmica. Por exemplo, fazes um riff e podes pôr lá dez mil notas, mas se calhar não precisam de estar essas todas.
José: E temos de dar também louvor ao nosso percussionista, que ritmicamente é muito bom e deu-nos imensas ideias, foi uma mais-valia na nossa banda e acho que isso também influenciou bastante. Depois, quando fizemos as malhas estavam muito em bruto, tivemos que tirar, e nunca tirámos no ritmo, tirámos sempre na parte melódica.
Depois de ouvir o disco, com linhas de baixo e de guitarras serpenteantes, olhamos para a capa do álbum e é uma cobra. Foi de propósito?
José: Não sei. Os rapazes que nos fizeram a capa conhecem-nos bastante bem, percebem a nossa onda e acho que foi intuitivo, deram várias sugestões e essa foi a que mais nos atraiu, mesmo por isso, por ser o amarelo torrado, aquele amarelo árido do Alentejo, depois o cor-de-rosa se calhar é a parte mais psicadélica.
Na vossa música, também dá a sensação de estar sempre muita coisa a acontecer, como se cada um dos músicos estivesse constantemente a fazer solos.
José: Isso tem a ver um bocado com a nossa “escola”, nós antes desta tocámos noutra banda que era bastante math-rock, prog, e ainda estamos lentamente a descolar-nos disto, que nos influenciou bastante.
Diogo: Nós gostamos de carregar as músicas. O Zé já me disse para eu cortar coisas, como eu lhe disse a ele, porque às vezes abusamos (risos).
José: E dentro da banda, há várias “escolas”, o [Luís] Estanque é mais punk, eu ouço um bocado de tudo, o Vargas é mais a favor da melodia, o Romão é do jazz. E está tudo ali. Por isso acho que este primeiro disco ainda está assim um bocado em estado bruto, agora vamos limando o diamante ao longo dos próximos. Agora estamos a mostrar-nos, como foram estes longos anos de influências e como é que chegámos a este trabalho. É um bocado um medley de Marvel Lima.
A ideia será então reduzir o espectro, em próximos discos?
José: Sim, sim. Temos já algumas ideias e estamos a ver se as desenvolvemos e se lançamos alguma coisa para o ano. E o nosso objectivo é limar algumas pontas, mantendo a identidade. O segundo disco é sempre um desafio.
Diogo: Mas esperamos não demorar tanto tempo a lançar um novo disco.