O NOS Alive 2017 chegou ao fim. O último dia foi, para muitos, o que mais motivos de interesse apresentou. Nós partilhamos essa opinião, e explicamos as razões que nos levam a pensar assim.
A primeira mensagem do terceiro dia do NOS Alive chegou do norte litoral. Apenas com a guitarra posta ao ombro, Duquesa começou a mostrar credenciais citando o velho e bom clássico da música popular brasileira de nome “Trem das Onze”. Depois, seguiu caminho com a fibra do costume, a simpatia do costume, a modéstia do costume. Misturou canções em inglês com outras na nossa língua, mas com a acentuação própria de quem vem lá de cima, de Barcelos, para conquistar o coração dos mouros em Algés. Serviu-nos ice creams, o Nuno “Duquesa”. Souberam bem, apesar de servidos só com dois sabores, guitarra e voz. Já o tínhamos visto no Festival Mil, e voltámos a apreciar as suas “canções banais, melodramáticas, do quotidiano”, como o próprio as apresentou. As canções são, muitas vezes, viscerais, bem do fundo do peito ou de qualquer outro sítio humano cheio de sentimentos. É um caso sério, este rapaz do Norte Litoral. Tudo isto em apenas vinte minutos, o que foi manifestamente muito pouco. Ficou, mesmo a acabar, um pedido final do Nuno: “comprem discos em vez de bifanas”. Obviamente que sim, que concordamos.
Entretanto, uma breve nota, que só não é de rodapé porque a expressão não se adequa a este contexto, para os Plastic People, projeto do homem Loto, que tocou no palco Heineken ainda a tarde estava para durar. Faz lembrar, sobretudo na voz, uma vez que há que ter calma nas comparações, Ian Curtis, e isso é já dizer bastante. Poderiam, os Plastic People, ser uma banda dos eighties, uma vez que o som que fazem facilmente se cola a essa época já distante, mas que em muito boa parte continua a influenciar muito boa gente. Apesar de só os ouvirmos de fugida, mesmo que só de raspão, não nos pareceu nada mal, não senhor.
A tarde no palco NOS começou com The Black Mamba e a sua mistura de blues rock, soul e funk. Enquanto o sol ia ainda alto, os portugueses aqueciam para Kodaline e Imagine Dragons, bandas que fariam com que o nosso foco se virasse, sobretudo, para o palco Heineken.

Pouco tempo depois, Benjamin Booker veio para nos mostrar, sobretudo, o seu mais recente trabalho de nome Witness. São muitas as razões para gostarmos dele e daquilo que faz. Mete garra em tudo, seja na nuance mais roqueira, seja na variante blues / garage com atitude punk, seja ainda numa onda mais soul. A variedade do que produz é também um ganho a ter em conta. O Jack White de cor escura tem power de sobra para satisfazer multidões, mesmo que pequenas, que é o que quase sempre nos garante o espaço do Palco Heineken. Guitarras sempre a rasgar canções seguras e certeiras, ruído polido mas com restos da boa sujidade que o bom rock traz ao de cima, é assim Benjamin Booker! Atuacão honesta, segura, meio à pressa como às vezes o rock pede, o homem de Los Angeles deu um ótimo concerto. Também ouve espaço, no final da atuação, para a soul mais swingante, coisa que soube maravilhosamente bem para quem estava, como nós, de copo de cerveja na mão.
Num mesmo parágrafo pode caber muita coisa. Com tanto a acontecer ao fim da tarde do derradeiro dia do NOS Alive, estivemos, numa corrida, com os alentejanos Marvel Lima, banda com nome de galeria de heróis internacionais e apelido bem português. O que tocam tem swing, garra, alma, mas foram completamente abafados, em termos de público, pelo que no Palco Heineken também ia acontecendo: o concerto dos Spoon. Mas ainda em referência aos portugueses do interior alentejano, uma certeza fica: nas tardes de Beja respira-se ar mundano, fresco e cheio de vitalidade. Já com os Spoon, banda com mais de duas décadas de carreira e com álbum novo em carteira, mostraram prova de vitalidade indie, como aliás se esperava e impunha. Britt Daniel tem guts de homem de palco, sabe da poda, domina com brilhantismo a arte do rock. Quando assim é, fica tudo mais facilitado. Bom concerto, sempre em alta, sem quebras, tudo certo!
O nosso Benjamim (com m no fim, como manda a boa norma lusitana) deu-nos as bonitas “Dança com os Tubarões”, “Tarrafal” e “Auto Rádio” logo a abrir, com a competência do costume. Ontem, vieram em formato de quarteto, o que nem sempre acontece, e cedo puseram toda a gente a pedir mais e mais, apesar do tempo no Coreto by Arruada ser sempre mais curto do que gostaríamos. Enfim, critérios que questionamos, e que dificilmente se entenderão. Seguimos a bom ritmo com “Os Teus Passos” e muito nos apetecia termos ido por aí fora na companhia desse valor maior da nova música portuguesa, mesmo sabendo que, para muitos, o coração possa navegar em contramão. Nós preferimos a “Terra Firme” de Benjamim, o nosso, com a simplicidade que o caracteriza, sem apelidos faustosos que muitas vezes só atrapalham e nada acrescentam de significativo.

A espera foi longa mas, volvidos seis anos da última visita a Portugal e ao Alive, os Fleet Foxes triunfaram e cumpriram todas as expectativas. A abrir, “Arroyo Seco” e “Cassius”, do recente Crack-Up. De seguida, e depois de “Grown Ocean”, o grupo norte-americano impulsionou os coros adormecidos no início com “Ragged Wood” e uma pastoral “Your Protector” – palavras não faltariam para falar sobre aquela flauta mágica. Seguiram-se “The Cascades”, “Mearcstapa”, “On Another Ocean” e “Fool’s Errand”, antes do público se fazer coro angelical em “He Doesn’t Know Why”, canção do primeiro disco. Depois de “Battery Kinzie”, o palco Heineken delirou com “Mykonos” e voltou a transformar-se em culto religioso para a bela “White Winter Hymnal”, música na qual o vocalista Robin Pecknold não resistiu em sorrir o tempo todo – e que sorriso. “Third of May” chegou fortíssima, imediatamente antes de uma “Blue Ridge Mountains” bastante fiel ao disco. Por fim, vieram os arrepios em “Helplessness Blues”, num concerto que provou que os Fleet Foxes ainda não perderam a força, sendo que talvez lhes falte apurar melhor as canções novas. Quanto às mais antigas, não falharam uma única vez em trazer de volta a emoção que sentimos em 2008 e 2011, anos em que ouvimos os dois primeiros discos de um dos melhores grupos de folk americana do tempo corrente, sendo totalmente fiéis às obras gravadas em estúdio e transportando-as de forma exímia para um local tão ingrato quanto é um palco de festival.
Os Depeche Mode são uma instituição musical de referência de muito mérito. São autênticos dinossauros que sobreviveram a enormes holocaustos pessoais e ainda por cá estão para as curvas. O milagre humano que dá pelo nome Dave Gahan que o diga. Na verdade, esta Global Spirit Tour é bem a prova disso, assim como o mais recente longa duração da banda, uma espécie de back to form como há muito não se via na sua discografia. Por isso, pelo passado e pelo recheio desse mesmo tempo, é preciso mostrar um enorme respeito por estes senhores que já cá andam há muito, e que há muito nos vão dando boas razões para sorrir. Repetentes no NOS Alive, os Depeche Mode não vieram passear os seus múltiplos encantos em terras lusas. São uma banda de combate, séria, e isso nota-se à distância. Nem sequer precisam de estar permanentemente a fazer contas com o passado, exibindo-o até à exaustão, tour atrás de tour. Por isso, a maior fatia do bolo foi para mostrar o recheio do novo Spirit. Os fãs indefectíveis lá estiveram, e foram milhares na noite de ontem. Aqueles que esperavam avidamente pelo best of costumeiro em muitas outras bandas com passado semelhante a estes meninos, ficaram menos satisfeitos. Paciência. Tivessem feito o trabalho de casa, e percebessem que os Depeche Mode passaram, mais uma vez, com distinção ao exame do tempo.

Enquanto os Depeche Mode tocavam as últimas notas nos teclados e David Gahan gastava as últimas baterias (se é possível que as gaste), entravam no palco Heineken os Cage The Elephant para o concerto que mais fez vibrar o chão e os tímpanos – até fazerem ruído – do festival inteiro. Com o rock mais forte que se ouviu no NOS Alive deste ano, em palco e fora dele fez-se de tudo. O vocalista Matt Shultz não parou quieto um único segundo, enquanto os seus colegas de banda faziam cada um a sua parte em puxar pelo público sedento de histeria, gritando todas as letras de uma ponta à outra. Aquecendo para os dois últimos concertos da noite nesse palco – The Avalanches e Peaches -, os Cage The Elephant ofereceram um concerto inesquecível para a maioria dos que lá estiveram – “o melhor concerto do Alive!”, ouvimos inclusive várias vezes dizer – , seja pela euforia ou pelo zumbido que certamente ficará nos ouvidos durante uns bons dias.
Antes de Peaches chegar para fechar o palco Heineken, houve festão no concerto esperado de The Avalanches. Com a banda Discotexas (Moullinex, Xinobi, Da Chick e amigos) a instaurar o pandemónio dançante no palco Clubbing com “Take My Pain Away”, a banda veterana australiana subiu a palco para uma fusão imparável de hip-hop, electrónica e rock. A festa chegava até onde a vista alcançava na apresentação do recente Wildflower: Todo o Alive dançou naquele sample contagiante de “Frankie Sinatra” e tantos outros clássicos instantâneos que se ouviram noite dentro. Oxalá tivessem tido os outros dias e palcos do festival a força e qualidade do palco Heineken no terceiro dia.
Texto: Carlos Vila Maior Lopes e Francisco Marujo || Fotografia: Francisco Pereira e Luís Flôres