O folk é, por tradição, um género muito sensível, introspectivo. Seja folk novo ou antigo, americano ou sueco, a linha suave, acolhedora que o caracteriza é transversal. Tocado a solo ou em banda, o seu efeito “aquecedor” da alma é uma realidade sólida. No panorama musical de hoje, no nosso país, este género têm-se tornado mais contido, modesto, com nomes novos (e de qualidade) a surgirem cada vez menos… mas Diogo Alves Pinto está decidido em mudar isso.
Conhecido como Gobi Bear, este jovem vimaranense, de pedais e loop stations na ponta dos pés e guitarra bem presa entre os braços, começou a sua carreira há pouco tempo, mas tudo indica que longevidade e sucesso não lhe hão-de faltar. Entre EP’s e álbuns, conta já com seis trabalhos concluídos, sendo Inorganic Heartbeats & Bad Decisions o mais recente. Foi de alma leve, alegre e tranquila, como a sua música, que lhe fizemos umas perguntas para tentar perceber melhor esta nova vanguarda do folk português.
Altamont: Antes de mais nada… Gobi Bear? Porquê?
Gobi Bear: Quando comecei a fazer música, a ideia era eu ficar a cargo da parte instrumental e ter alguém comigo a cantar. Mesmo depois de decidir manter o formato singer/songwriter nunca excluí a possibilidade de tocar com mais elementos, então nunca quis usar o meu nome. Por volta dessa altura conheci a história dos ursos do deserto Gobi que estão em vias de extinção por uma série de factores, aprendi imenso e a história deles chamou-me a atenção. Gosto do nome, então ficou.
Há pouco tempo foste descrito como a versão portuguesa dos Iron and Wine. Não sendo muito apologista de comparações, não consigo não perguntar: concordas?
Também não sou muito apologista de comparações. E esta pergunta é especialmente complicada porque eu conheço muito pouco de Iron and Wine…
És one-man-band desde o início: nunca questionaste até que ponto poderias abraçar todo um ensemble mais completo?
Neste meu último álbum contei com a participação de amigos nos coros e do André Abrantes no baixo. A ideia sempre foi a de progredir no sentido de eventualmente tocar com banda, mas para já, tocar sozinho continua a fazer mais sentido para mim. Gosto muito de explorar as diferentes dinâmicas que se criam entre as músicas no álbum e as músicas num concerto. Como ao vivo tenho menos recursos, a maior parte das músicas vai ter arranjos diferentes, então o concerto e o disco tornam-se experiências diferentes.
Achas que, se algum dia formares banda, a tua música ficará muito diferente daquilo que é hoje?
Acho que a minha música é sempre susceptível a alterações. Por ser só eu a decidir que rumo tomo, a minha música pode ficar completamente diferente mantendo o formato one-man-band e pode manter-se semelhante se eu formar banda, tanto quanto sei. É terreno a explorar e não penso nele para já.
Como começaram estas andanças pelo mundo da música?
Começaram precisamente com o Urso. Tinha tocado algumas vezes com amigos no secundário quando estava a aprender a tocar guitarra, mas só comecei a fazer músicas no meu primeiro ano de faculdade. Estava em Lisboa, não conhecia ninguém e tinha uma guitarra acústica que me acompanhava. Nunca tive aulas de música, então comecei a tocar sozinho melodias que tinha na cabeça. Daí surgiram os EPs, daí os concertos e daí o longa-duração.
É preciso coragem para deixar os estudos e entrar na música de cabeça? Como se deu essa transição?
É temporário, conto ingressar em mestrado já em Setembro. Mas havia uma série de projetos não-académicos que queria desenvolver e também fazer algumas viagens mais confortavelmente. Este ano está a servir para isso. E bem!
Arrependes-te de o ter feito?
Nada!
Sendo tu um jovem ainda, concordas que, cada vez mais, e dada a situação não só da música mas do próprio país, os jovens são obrigados a ganhar uma coragem muito grande para poderem ir atrás daquilo que ambicionam?
Falando por mim e pelos exemplos dos que me rodeiam, havendo força de vontade e esforço consegue-se. A grande questão agora é se se consegue o que se quer e ao mesmo tempo ficar em Portugal. Se ficar em Portugal é um objectivo pessoal, não é uma altura fácil para muita gente. Neste caso, não me revejo.
A música portuguesa, aparentemente, parece sorrir, alegre, perante a juventude de hoje. Com novas bandas a surgirem cada vez mais, muitas delas com idades médias abaixo dos 25 anos, achas que a música se está a tornar num futuro mais promissor?
Viver de concertos e discos vendidos em Portugal está cada vez mais difícil com os cortes na cultura e com a crise. Mas que há mais bandas, há. E acho que isso só é positivo!
E sobre o Inorganic Heartbeats? Como o caracterizas?
A temática do disco é a mensagem (e o rascunho). As músicas são mensagens ou compostas por excertos de mensagens ou contam histórias de mensagens. A nível instrumental reflecte melhor aquilo que eu faço ao vivo que os antigos EPs e ao mesmo tempo tem também mais electrónica e mais percussões do que aquilo a que eu estava habituado, o que o torna também mais denso.
Achas que ele é muito diferente daquilo que tens feito?
Acho que é diferente o suficiente. Foram 4 álbuns em 2 anos, então todos estão ligados de alguma forma. Cada um me ajudou a pensar no seguinte e assim sucessivamente. Este último é um acumular de experiência.
Acabaste há pouco tempo a tua primeira tour internacional: como correu?
Foi uma experiência diferente em praticamente todos os aspectos. A maior diferença para mim foram as pequenas coisas. Nunca tinha feito viagens até concertos numa carrinha com mais músicos. Foram viagens mais divertidas do que as que estou habituado a fazer por cá, maioritariamente sozinho.
Como é sentir dezenas de pessoas, que provavelmente nem conheces, a cantar coisas tão pessoais como as músicas que tu escreves?
É surreal. É muito difícil de explicar, mas é muito por causa disso que eu gosto de tratar da minha distribuição e não tenho discos à venda em lojas. Precisamente por serem composições tão pessoais, gosto de conhecer estas pessoas que sabem ou querem ter a minha música.
Onde gostarias de estar daqui a uns dez anos?
Não tenho uma resposta para essa pergunta. Espero continuar a fazer música. Espero ter dado muitos concertos e continuar a dar concertos, se ainda me fizer feliz.
Planos, já certos, para um futuro próximo? Alguma coisa em mente?
Já é certa edição de um próximo EP nos próximos meses. Talvez outro ainda este ano… E entretanto, concertos!