Cave Story são um trio das Caldas da Rainha que se juntaram em 2013 para praticarem um rock pouco meloso, agressivo, cheio de personalidade e aleatório. Gonçalo Formiga está na voz e na guitarra, Ricardo Mendes está na bateria e Pedro Zina no baixo. O inicio foi turbulento e não lhes deu descanso: fizeram umas demos que lhes deu alguma notoriedade internacional, homenagearam Jonathan Richman com o single “Richman”, ganharam o Vodafone Band Scouting, tocaram no Reverence, no Vodafone Mexefest e tiveram o Jowe Head a questionar se a versão que os Cave Story fizeram da “Helicopter Spies” dos Swell Maps não seria um bootleg esquecido no qual ele estaria a tocar. Lançaram no final de 2014 o EP Spider Tracks e apresentaram o disco pelo país, culminando com o concerto no Lux ao fazerem a primeira parte da homenagem ao Syd Barrett com os Capitão Fausto. O Altamont foi conversar com a banda caldense sobre preocupações, linhas de coca, rendas, sotaques e possíveis emigrações, descobrindo várias facetas, como side projects de stoner azeiteiro e de vaporwave.
Estão contentes com o resultados destas faixas do Spider Track?
Gonçalo: Acho que o mais importante foi estarmos satisfeitos assim que o acabámos de masterizar, ou pelo menos de misturar. Já ai nos tínhamos dado por satisfeitos com o caminho que queríamos tomar. Daqui para a frente tudo o que vier é bom. Se as pessoas gostarem, boa. se resultar ao vivo melhor ainda. Mas estamos contentes com o que fizemos.
Têm tido um bom feedback?
Ricardo: Sim, no geral temos tido algum feedback positivo, temos estado contentes com isso.
Lançaram as demos em 2013 e tudo aconteceu muito repentinamente. Como é que vocês têm sentido esta evolução? Tiveram alguns pontos altos do vosso percurso, a vitória no Vodafone Band Scouting, a vossa presença no Reverence, no Barreiro Rocks…
Pedro: Tem sido diferente. No Reverence ainda estávamos numa altura muito prévia ao que estamos agora. Ainda não tinhamos o EP, ainda não tocávamos muitas das músicas que tocamos agora, ainda tinhamos outros membro…
O membro do mellotron.
Gonçalo: Sim! É um amigo nosso que neste EP até gravou uma guitarra. Mas ele foi-se embora, ficámos só os três e estamos contentes a tocar juntos. Tivemos um final de ano fixe, o Reverence, o Barreiro, foi um bocado de repente realmente. Devemos a exposição maior ao Band Scouting. Para nós foi mais progressivo do que parece, se calhar. Porque no final de 2013 conseguimos uns concertos porreiro. O Cartaxo Sessions foi logo em Fevereiro, ai surgiu a ideia de ir ao Reverence. Acabámos por ir mesmo, e foi assim o primeiro festival em que tocámos. Depois seguiu-se o Mexefest… mas o Barreiro Rocks então foi uma coisa impressionante.
O que mais gostaram foi o Barreiro Rocks?
Gonçalo: Sim, acho que sim. Tocar debaixo de uma ponte, com aquele frio. Era um sitio giro para tocar. E depois é o ambiente e as pessoas estavam ali só pela música. Ninguém estava lá a passear. Toda a gente queria ir aos concertos.
Apesar de lançarem este EP, já tinham demos antes. Como é que este projeto começou?
Pedro: Primeiro a bateria e a guitarra juntaram-se. Estavam a experimentar o som. Precisaram de um baixo e falaram comigo. E foi ai que começou a coisa mais a sério.
Gonçalo: A coisa ficou mais séria quando fizemos a “Crystal Surf”. Foi assim a primeira música que fizemos. Percebemos que tinhamos qualquer coisa! Quisemos continuar… gostámos. Exploramos a três, não ouvimos música juntos mas partilhamos uns com os outros. Identificamo-nos e continuamos a tocar.
Ricardo: Há medida que começámos a tocar, mesmo na altura das demos, aí já queríamos ver no que é que dava. Quando estes concertos aparecem ficámos sem dúvidas.
Gonçalo: Agora estamos tramados. Queremos tocar mais e ir a mais sítios.
Estar nas Caldas da Rainha ajuda?
Ricardo: A coisa que mais ajuda é termos um local de ensaio, familiar, tranquilo,
Gonçalo: Sem rendas.
Pedro: É mesmo muito bom. é uma casa para nós e permite-nos produzir muito mais do que estarmos numa coisa com horários.
Ricardo: Há menos ambulâncias, nem cães. (risos)
Pedro: Não há distracções. E temos um relvadozinho para dar uns toques e descontrair.
Ricardo: Também há bolachas e café de vez em quando.
Vocês têm muitas facetas. Tanto têm uma música a puxar pelo noise rock, como o “Buzzfeed”, ou outras mais ligeiras como o “Southern Hype”. Como é que vocês descreveriam Cave Story? É verdade que do EP para as demos houve uns saltos. A vossa música mudou, só mesmo a atitude e os riffs permaneceram…
Gonçalo: Fizemos um esforço para conseguirmos encontrar qualquer coisa agridoce na música, do que propriamente um azedo. Não ser pesado no sentido de só darmos a entender coisas negativas, e ir buscar aquilo que realmente temos: gostamos de tocar uns com os outros. Estamos contentes e divertimo-nos. Por exemplo, mesmo a “Crystal Surf”, que pode parecer mais negra no geral – “Surf’s up but we’re down” – a canção é cómica e irónica. E nós gostamos disso no geral, esse cómico satírico. Não somos de expor o que estamos a sentir no momento, procuramos sempre o mais ambíguo.
Pedro: E depois, em termos mais concretos, nós gostamos de canções. Não só estar a explorar sons e texturas, coisas mais hipnóticas, também gostamos de canções. E é entusiasmante não saber qual é o próximo passo, a próxima sonoridade. Podemos tocar noise como algo completamente diferente.
Sinto que vocês são minimalistas, tanto nas letras como na sonoridade. Vocês pretendem ser diretos, simples e crus no que pretendem transmitir? Porque é que vocês não põem as letras completas no Bandcamp e só põem uma parte pequenina?
Gonçalo: Só metemos um excerto da letra porque o resto da letra anda todo à volta da mesma ideia. E essa ideia está numa frase ou duas. Como a essência não está directamente na letra inteira, achámos que fazia mais sentido apontar logo a noção geral. Além do título, também é esta a ideia da música. Porque às vezes podem-me perguntar do que é que a letra fala toda, não é propriamente uma narrativa: tens uma ideia e depois exploras à volta da ideia.
É quase como uma chave de ouro de um soneto.
Gonçalo: Sim! Isso é o principal para nós. E depois acaba por se misturar com os a ambiência e os sons. A mistura da letra com o som atinge o feeling que queremos apresentar. E daí aquilo que tavas a dizer das últimas músicas têm sido mais animadas – às vezes nem é bem por ai. Aquilo que parece mais leve pode sustentar algo muito pesado, pelo menos em termos emocionais. A “Fantasy Footbal” ou a “Martin Stellar” são exemplo disso.
Já agora, excelente sotaque, amigo. (risos)
Gonçalo: (risos) Não é nada fake! Às vezes, mais do que a letra toda, tentamos é explorar uma ideia ou um feeling qualquer de uma frase. A “Richman” por exemplo, também não tem muita letra. É a ideia da brincadeira do “Richman is God”, e vai nos salvar a todos. A ideia do Richman ser deus é irónico porque, no fundo, ele não é deus – é uma pessoa normal. E isso é o que acaba por ser o mais especial dele.
O Jonathan Richman é mesmo uma grande influencia vossa.
Gonçalo: Sim.
Ok. Há uma pergunta que gosto sempre de fazer quando há discos recentes. Vocês têm o hábito de, de vez em quando, voltarem a ouvir as vossas demos, agora que vocês têm a Spider Tracks? Ou já enjoaram um pouco?
Gonçalo: Eu não ouço muito.
Ricardo: Pessoalmente, gosto muito da “Crystal Surf”. (risos) é uma música que acho que está sempre presente.
Gonçalo: Se eu encontrar na rádio ou assim, eu não mudo. Mas é sempre na perspectiva de produtor – “hmm.. como é que isto está a soar na rádio.”
Gonçalo, és tu que fazes a produção, certo?
Gonçalo: Sim, somos nós. Eu, especialmente na mistura e masterização. Mas sim, fico curioso. Não aproveito a música como um ouvinte normal iria aproveitar.
E é estranho ouvir na rádio?
Gonçalo: Por acaso, ainda ontem calhou.
Pedro: Pensámos “olha, está a soar bem!”.
Ricardo: E eu estava a fazer uma manobra e deixei de prestar atenção ao carro e tudo!
Jonathan Richman já sabemos que é uma influencia. E outras? Noto um pouco de Pavement, às vezes um travo a Strokes quando o Casablanca estava na coca…
Gonçalo: Apesar de existirem bandas que gostamos muito, como os Pavement é claro, é estranho começarem a falarem sempre das mesmas bandas. Os Pavement são uma forma de tentar fazer aquilo que queremos fazer. Toda a vida os Pavement foram comparados aos The Fall e não percebo essa comparação. Quer dizer, percebo e não percebo. Acredito que é uma coisa mais ideológica do que propriamente sonora. E connosco talvez vá acontecer a mesma coisa. Às vezes não tem assim tanto a ver – há pessoas que vão comparar com qualquer coisa que nós não sabemos o que é.
Pedro: Cada um ouve aquilo que quer ouvir. É o que temos notado cada vez mais.
Gonçalo: Houve uma pessoa que se calhar falou em Pavement e para nós não faz mal, desde que não falem em bandas que não gostamos. (risos)
Que bandas é que vocês não gostam? (risos)
(risos)
E como surgiu o interesse da Fat Cat Records?
Gonçalo: O interesse foi relativo – não quiseram editar-nos, nem nada – é só uma coisa que eles têm, um grupo no soundcloud onde podemos deixar a demo e depois eles escolhem as que gostam mais e, durante uma semana, fazem a feature das canções que gostam mais. Nós submetemos a demo da “Ghost Steps” e foi uma das escolhidas.
Ricardo: E tem piada porque queríamos ter enviado a “Crystal Surf”.
Gonçalo: Sim! Já tentámos enviar mais mas nunca mais nos escolheram.
Fat Cat Records é potente. Growlers, Twilight Sad, Mùm.
Gonçalo: Agora os Growlers, e mais duas ou três que nós gostamos muito, mas no início do milénio eles eram incríveis, lançaram os primeiros dos Animal Collective, por exemplo.
Lançarem-se no estrangeiro, têm interesse?
Gonçalo: Sim, nunca tocámos lá, mas queremos muito.
Pedro: Acho que às vezes falta um bocado de ambição..
Gonçalo: Não é uma questão de ambição… é uma questão de perceberes que é fácil. Há lá um bar nas Caldas que é o Demodé, que é um barzinho que nós vamos sempre. Estamos a beber um copo e, uma vez estávamos a falar e reparámos que qualquer banda vinha tocar a este bar. Basta marcar o concerto e qualquer banda vinha aqui. Agora pensa: deve haver um Demodé na Suécia. E é isto que estamos a tentar fazer – encontrar os Demodés do mundo. Esse é um plano para o futuro próximo. Não faz sentido a ideia que se perpetua de ter que ser enorme para sair do país. Para mim, se alguém gosta de ti em Portugal, também vão gostar de ti lá fora. Somos pessoas. Tens que chegar pelo menos a 30 pessoas para encher um Demodé.
Lançaram o vosso disco num dia dos namorados. Qual é o melhor acompanhamento para se ouvir as vossas canções? Ou pelo menos, como é que vocês iriam ouvir as vossas músicas? Um copo de vinho? Um cachimbo? Uma salada de búzios? Uma linha de coca?
Gonçalo: (risos) Isso não fazemos. Por acaso gostava de fazer essa pergunta a outras pessoas. “Se gostas de ouvir, como é que ouves?”
Pedro: Nós já ouvimos de todas as maneiras. Em pé, sentado e cansado de ouvir o mesmo riff montes de vezes.
Ricardo: Sim! Antes de dormir…
Gonçalo: A tocar, a solar, a gravar canções com phones, fartos de ouvir o mesmo bocado horas e horas seguidas, a misturar com dores de costas… para nós é mais essa a nossa experiência com a nossa própria música. Ainda não tivemos aquela experiência do parar para ver aquilo que fiz enquanto bebo um copo de vinho. Gostava mais que outras pessoas fizessem isso e nos contassem a sua experiência.
O que se pode esperar de um concerto vosso?
Gonçalo: Costumamos dizer que somos uma banda de rock profissional das Caldas da Rainha, portanto…
Ricardo: Profissionalismo acima de tudo.
Gonçalo: E, acima de tudo, convívio. Não interessa se estiverem 50 ou 60 pessoas a aplaudir, basta uma pessoa vir falar connosco depois do concerto e ganhamos a noite.
Vocês já jogaram o jogo que dá nome à vossa banda?
Gonçalo: Aliás, jogámos antes de dar nome à nossa banda. Foi isso que deu o nome. Na altura até fizemos uma competição que quem acabasse o jogo primeiro ganhava uma t-shirt. Mas acho que ninguém passou o boss final… acabámos por desistir.
Ricardo: Até acabamos por nos cansar rápido.
Gonçalo: Já estive perto mas perdi mesmo no último segundo. Já tinha mandado o míssil ou o que é que era e acertaram-me antes daquilo atingir o boss final. Não ganhei a t-shirt.
Ricardo: Por acaso já não jogo há imenso tempo.
Gonçalo: Houve uma altura que estávamos preocupados com direitos de autor e mandamos uma mail ao japonês. E o Pixel respondeu e disse num inglês macarrónico “i don’t know legal stuff well but i don’t mind”- portanto estamos safos.