
São a grande banda do Rock Português do nosso tempo. Rock puro, sólido, honesto, maduro e sem artifícos. Visceral e intenso, mas rico em harmoniosas melodias. Português até ao tutano, com orgulho e respeito pelo cancioneiro de um burgo com quase mil anos de história. Depois de Filomena Grita (2007), A Balada do Coiote (2012), Barba (EP, 2014), estão de volta com um novo trabalho, Sujo, que confirma o início deste parágrafo.
O Altamont sentou-se com o vocalista David Jacinto, o baixista David Santos e João Pinheiro, baterista. Em quase uma hora de conversa, mergulhámos no universo dos TV Rural, desde a adolescência aos dias de hoje e, no fim, só queremos que seja dia 8 de Maio para ir ao concerto do Musicbox.
Altamont: Estamos aqui para conhecer o novo álbum, Sujo. Chama-se Sujo por causa do “ímpeto adolescente”, de quererem fazer as coisas à antiga?
David Jacinto: Acho que se chama Sujo porque foi um processo um bocado atribulado, complicado, sujo nesse sentido.
João Pinheiro: Eu vejo-o sujo mais pela cena musical. Tem um bocado a ver com isso, do ímpeto adolescente, mas tem a ver com o facto de o EP anterior, Barba, ter sido mais maduro, uma coisa mais calma, com menos distorções e menos rock’n’roll de garagem. E este foi um disco mais de tentar voltar às canções mais a partir. Por outro lado tem a ver com o processo de composição e de arranjos, que começou por ser uma coisa em que começámos a pensar no Verão passado, com mais distorção, mais sujidade nesse aspecto da gravação propriamente dita. Depois a coisa tomou um rumo um bocado diferente e acabou por não ficar tão sujo como nós imaginávamos, porque também as músicas não permitiam esse espaço. Quando tu queres, a nível de produção sujar um bocado o som, precisas de ter espaço para isso e a maioria das músicas são sempre a cascar, então quando começas a pôr muita distorção aquilo deixa de ter leitura e como dizia o Vasco [Viana, guitarista] chegas àquele ponto em que a tua mulher, sentada no carro, diz para pôr mais baixo – esse limite não pode ser passado.
David Santos: Mas a ideia estava na origem de muitas músicas que fizémos para o disco, algumas foram compostas já a pensar no que seria o disco – ia ser uma rockalhada mais pesada, o som trabalhado para ser mais denso, distorcido. E aliás já tínhamos gravado 3 músicas antes de gravarmos o resto do disco – uma delas é o “Pedra é Pedra” – então já tínhamos alguma noção de para onde é que podíamos ir, e isso influenciou tudo, a escolha do nome, o resto do processo todo.
Acaba por ser um disco de reacção ao disco anterior, que era mais limpo. Mas este, é sujo, mas a ideia que tenho é que começa com essa tal sujidade, mas mais para o fim do disco vai limpando. Por exemplo, a “Ligeiro Ciúme” é límpida como um riacho na serra.
João Pinheiro: Sim, essa é a música mais limpa do disco. Esteve quase para sair do disco. Mas pronto, isso é a nossa incapacidade de ver as músicas que se calhar têm mais possibilidade de serem singles ou de serem mais universais. A nossa cena para este disco era aquela coisa mesmo rockeira e essa música saía um bocado do bolo, apesar de eu, pessoalmente, achar que ela sempre fez falta no disco. Mas é uma música menos densa, mais limpa, mais positiva, irónica.
David Santos: Mas por outro lado era uma música que ajudava bastante a contrabalançar o disco porque as outras, mesmo as que não são tão sujas ou tão rockeiras, nenhuma tem este ambiente de “respirar fundo”, e esta música tinha esta importância no disco. Aliás o João [Pinheiro] sempre defendeu, quando ainda estávamos a ver que músicas é que metíamos no disco, que esta música provavelmente vai ter aqui um papel muito importante, não vamos descartá-la já – porque uns de nós dizíamos que esta podia saltar fora – e o João sempre “vamos gravá-la, vamos ouvi-la, pode valer a pena”.
No texto que apresenta o disco, o David Jacinto fala numa crise de meia idade – mas em vez de comprarem um Porsche, decidiram deixar crescer o cabelo e fazer um disco de rock.
David Jacinto: Estávamos com um espírito mais anos 90, mais “garajeiro”. Estávamos cheios de vontade de fazer uma coisa com mais atitude, um rock mais displicente, em que mandas cá para fora umas guitarradas e soltas umas frases boas e tentas fazer um disco à volta disso.
João Pinheiro: Claro que depois chegas a estúdio e cobres aquilo com milhares de guitarras….
David Jacinto: Sim, mas na essência está lá, as canções não são muito complicadas neste disco, são coisas fáceis de seguir. Em termos de composição, dá-me ideia que optámos por ir por um caminho mais fácil, coisas que sejam mais reconhecíveis e que as pessoas possam rapidamente perceber o que é que se está a passar e deixar-se envolver pela música, pela canção em si.
David Santos: Sim, a maior parte são fórmulas mais simples. Se formos comparar com o Barba, tinha coisas mais complexas, de harmonia e de arranjos – aqui tens duas guitarras e o baixo bateria tudo a tocar para o mesmo lado, tudo a puxar para a frente e vamos embora.
Mas ainda assim não é um disco totalmente directo, há várias camadas e elementos que só se vão revelando com várias audições.
João Pinheiro: Sim, acaba por ser um bocado mais profundo depois.
David Santos: Tem descoberta para ser ir fazendo no disco, não é tipo “ouviste o disco e está resolvido”.
David Jacinto: Eu acho que se consegue ouvir o disco de uma ponta à outra uma, duas vezes e perceber as canções no seu geral. Mas aquilo que está lá, merece ser escutado com atenção e em boas condições, porque há várias camadas e coisas que aparecem, houve bastante cuidado de produção para haver esses pequenos “fantasmas” e coisas que fazem parte da música e da forma como deve ser escutada e, lá está, precisa de algum tempo de maturação na nossa cabeça, para nos apercebermos das coisas. Eu gosto de descobrir discos à medida que vou ouvindo cada vez mais e acho que este disco também tem isso para oferecer ao pessoal.
Precisamente, só à terceira audição é que dei conta que logo a primeira música, a “Bailarina”, tem lá umas congas.
João Pinheiro: Mas isso foi gravado quase no espírito “djambezada” na praia. Fomos todos para o estúdio, cada um agarra num instrumento – a maioria do disco foi gravada no Namouche – e decidimos ‘vamos todos lá para dentro, bater umas palmas, cantar aí nessa parte, mesmo no espírito old school, praia a tocar djembé até às tantas da manhã’. E também decidimos meter essa música no princípio um bocado para ver quem é que se aguentava ao disco, é uma música mais…vai evoluíndo e depois no fim tem aquela parte mais a partir.
David Santos: E é uma música muito TV Rural.
João Pinheiro:Sim, vai buscar um bocado coisas mais antigas que tínhamos feito.
Há uma coisa que se nota na vossa música, desde o início, que é uma certa “agressividade”, é música rija, cantada para um “Tu” quase de confronto. Essa agressividade, neste disco, faz mais sentido por causa do tal regresso à adolescência?
David Jacinto: Talvez, talvez. Eu não sinto muito essa agressividade, mas isso tem a ver com a minha forma de ser, eu se calhar sou uma granda besta [risos] e portanto dirijo-me assim a toda a gente. O “tu” aí é um “tu” universal, eu escrevo muito sobre o estado da alma e o estado em que nos sentimos e aquilo que eu sinto, como se fosse uma representação daquilo que toda a gente sente. Eu sinto-me um gajo completamente dentro da normalidade do mundo e portanto imagino que maior parte da malta tenha os mesmos problemas que eu, internos, aquelas questões. Este disco é todo muito baseado, em termos de letras, na existência de uma reacção qualquer a algo que tu não consegues controlar. Seja aquele ciúmezinho, seja a miúda gira que passa e te leva atrás, um problema físico qualquer – e é tudo à volta disso. E portanto as letras, às tantas, pode parecer que se está sempre nessa, a querer encaminhar qualquer coisa, tipo pastorzinho, “tu toma atenção, vai por aqui não vás por ali senão cais”, pode passar esse tipo de mensagem…
David Santos: Essa foi uma das primeiras ideias, conceptuais, em relação a este disco – o deixares-te levar.
David Jacinto: Pois. E as letras acho que vão todas beber aí, em diferentes aspectos da vida social.
David Santos: Eu acho que este disco tem menos de.. Acho que escreves menos sobre uma relação, uma dualidade de sujeitos que neste disco acontece menos, havia sempre aquele – não necessariamente Ele/Ela – mas havia sempre um confronto nos outros discos. Neste disco acho que está mais presente esse sujeito e essa relação com o mundo.
David Jacinto: Nas letras, nós acabamos por ter interpretações diferentes ao longo do tempo. Aquilo que agora nos faz pensar sobre um determinado assunto, mais tarde começa-se a ganhar outra visão. Eu próprio, as letras que escrevo, às vezes têm um sentido e com o passar dos anos tomam outro.
João Pinheiro: Isso é porreiro, eu acho.
David Santos: É porreiro e é poesia. As coisas desenvolvem-se.
E eu quero saber precisamente sobre isso. Não é fácil escrever bem e cantar bem em Português. De onde vem essa tua poesia?
David Jacinto: Não vem de lado nenhum em especial, acho que vem sobretudo da vontade de ser genuíno, no sentido em que assumes o que estás a escrever. Podes escrever sobre os pombos que vês na rua, tens é de assumir que estás a escrever sobre os pombos, sem problemas nenhuns. E acho que aquilo que escrevo tem muito isso, não são necessariamente frases bestiais e eu também não canto muito bem, bestialmente bem, mas quando o faço, faço com intenção e acho que isso se nota, tanto a nível da escrita como a nível da interpretação.
João Pinheiro: E há uma coisa que eu senti na maneira de o David escrever para este disco. Acho que o David fez um trabalho muito fixe, no sentido em que entrou num esquema de trabalho, que para mim é notável. Ao princípio foi um bocado difícil arrancar as primeiras letras, mas depois ele começou a bulir e nós começámos a mandar-lhe malhas que cada um tinha – que também foi uma forma diferente de compor – e o David acabou por se fechar em casa e trabalhar para aquilo, as primeiras letras começaram a sair gradualmente e depois houve uma altura em que ele as começou a mostrar em catadupa.
David Jacinto: E tem toda a bagagem por trás, há um trabalho continuado. Nós já tocamos há imensos anos, já experimentámos montes de coisas, já fizemos coisas bem feitas outras mal feitas, e hoje em dia conseguimos triar e ter a capacidade de mastigar bem as coisas antes de as lançar cá para fora, para sair um disco coeso.
Além de letras para canções, também escreves outras coisas?
David Jacinto: Não, só escrevo para canções. O resto que faço é tudo trabalhos técnicos, artigos científicos, é o meu trabalho, sou biólogo. Mas desta forma, só escrevo para canções, é a única coisa que me dá gozo fazer. Quando era mais novo escrevia uns poemas e umas coisas, mas rapidamente se tornavam canções, porque eu gosto é de fazer canções.
João Pinheiro: Também escrever poesia é diferente de escrever canções.
David Jacinto: Há diversas formas de escrever letras para canções. Eu já passei por tudo, já escrevi letras do nada, já fiz letras para encaixar em melodias.
João Pinheiro: Mas este gajo funciona muito pelo picanço, era isso que eu queria dar a entender há bocado. Se calhar andávamos um bocado parados, a ver como é que ia ser o próximo disco, e o David foi um bocado picado. Eu pelo menos, da minha parte, mandei-lhe duas malhas que estão no disco e foi das sensações mais fixes que eu tive, desde que estou nos TV Rural, que foi receber de volta aquilo que eu tinha feito, instrumental, sem ideias melódicas nem de letra – a primeira vez que eu ouvi o “Febrão”, a última música do disco, pá fiquei sem palavras, aquilo era uma base instrumental e passou a ser uma canção, o David elevou mesmo aquilo a um patamar diferente, foi lindo. E aconteceu um bocado isso com o resto das músicas, ele fez as letras todas e nós com fizemos as músicas, e aquilo tornou-se uma canção no ensaio.
E o processo foi esse para todas as músicas?
David Jacinto: Neste disco foram todas assim. Este disco foi muito fixe de fazer e planear e preparar tudo, porque toda a gente fez canções para este disco, pela primeira vez.
David Santos: Fez canções, quer dizer, ideias que vieram a dar canções, porque as canções são sempre feitas por toda a gente, no ensaio, é tudo fechado por todos.
David Jacinto: É precisamente isso, estava tudo muito entusiasmado a fazer as bases musicais, e depois foram-me mandando e o processo de escrita que eu tenho utilizado nos últimos tempos é mais baseado nas malhas que eles me mandam. Eu vou ouvindo as canções e vou pensando “será que hoje me apetece fazer alguma coisa com isto ou não?” Eu para este disco já tinha mais ou menos uma ideia que queria escrever à volta daquilo que já tínhamos falado – sobre aquele que se deixa levar, por alguma coisa – e portanto fui procurando canções que me permitissem puxar por isso, em termos de letras, e eles foram-me mandando e foi muita giro.

Uma das coisas que reparei foi no número de canções, 13, hoje em dia os discos têm 9, 10 canções.
David Santos: Achámos que todas faziam falta no disco.
João Pinheiro: Sim, por um lado sim, por outro lado também houve aquela coisa de “pá, isto é uma banda assumidamente democrática”. Não há uma liderança clara de algum de nós, o que tem a suas vantagens e as suas desvantagens, mas houve ali um momento em que pensámos “epá, vamos estar aqui a tirar músicas e a sentir que aquela ou a outra devia ter entrado?” Mesmo assim ainda houve uma ou duas que ficaram entaladas. Mas quando já temos as 13 gravadas no estúdio, estar a tirar algumas era doloroso, então olha, que se lixe, o que nós queremos é ouvi-las.
David Santos: E também não temos compromissos comerciais, em que o nosso disco tenha de obedecer ao que quer que seja, o nosso disco tem de obedecer àquilo que nós quisermos.
João Pinheiro: Sim, e então para quê estar a tirar músicas, se ia fazer mais pessoas insatisfeitas?
E o disco não se torna maçudo, eu chego ao fim das 13 músicas e quero ouvir mais.
David Jacinto: Pois, mas tu se calhar tens gosto e disponibilidade para isso, vamos ver é se o público em geral também tem. Mas pronto, o importante é que aquilo esteja lá e possa ser ouvido quando se quer, é como ter um livro técnico, vais pegando de vez em quando e ouves, vais aos capítulos que queres [risos].
João Pinheiro: Quer dizer, quem conseguir ouvir de uma ponta a outra, óptimo.
Mas é assim que os discos devem ser ouvidos, não ir só aos singles.
João Pinheiro: Sim, e nesse aspecto acho que nós nos mantemos bastante clássicos. O pessoal novo hoje em dia, praticamente já não funciona nos discos, funciona é nos singles. Este é um disco clássico, mas também não temos lá músicas gigantes, o disco acaba por ter 40 minutos, não é tão extenso assim, talvez mais extenso do que se faz hoje em dia.
David Jacinto: Mas pensámos bastante nisso, se havia de ser uma coisa mais curta ou não, mas optámos por isto, porque ainda faz sentido assim. Eventualmente no futuro, em vez de gravarmos estes conjuntos grandes de canções em simultâneo, trabalhamos à base de 2 ou 3 canções de cada vez, também se pode fazer isso. E hoje em dia se calhar é o mais “correcto”, porque tu hoje em dia queres é ter um constante “feed” de notícias e tens que alimentar sempre qualquer coisa, em termos de divulgação.
João Pinheiro: Não, mas este disco se for bem aproveitado pode dar mais tempo para as pessoas descobrirem.
David Jacinto: Sim. Eu tenho a esperança que as pessoas consigam pegar nisto e que se sentem e que ouçam do princípio ao fim e que vão conhecendo. Eu gosto dessa ideia, de que a [nossa] música pode ser importante para alguém.
A Balada do Coiote parece-me ser um disco mais nocturno, mais escuro, trovas da noite. Este disco parece-me ter mais cor, é mais diurno.
João Pinheiro: Sim, também acho.
Isso foi propositado?
João Pinheiro: Foi porque aconteceu. A parte musical, não me parece que tenha sido propositado ser uma coisa menos nocturna. A nível de letras, não sei se pensaste nalguma coisa que contrabalançasse isso, David.
David Jacinto: A Balada do Coiote tinha muito disso porque também fazia parte da imagem, da temática geral da coisa. Aqui não havia essa imposição.
David Santos: Mas eu acho que a Balada tinha muito um lado de falares contigo próprio, do que pensavas à noite. Aqui há muito aquele lado do “tu” e da relação com outros, e isso se calhar é uma coisa mais diurna, um gajo se calhar em casa fecha-se mais à noite, durante o dia tens mais esse relacionamento com as pessoas, e acho que este disco tem esse lado, eu pelo menos vou mais por aí, por esse relacionamento com o meio que está à tua volta.
João Pinheiro: E na prática – isto pode soar um bocado básico – mas a nossa vida antigamente era mais baseada na noite, um gajo saía mais à noite e apanhava mais bezanas. Hoje em dia, pelo menos a minha vida, é muito mais baseada no dia, eu tenho filhos, quatro de nós temos filhos, a nossa vida é muito mais acordar de manhã e à noite estamos mais cansados.
Mesmo sendo “sujo” e pujante, acho que tem imensa cor e é um disco que entra bem nos ouvidos.
João Pinheiro: A nossa música não é fácil, fácil. Nunca pretendemos que fosse fácil.
David Jacinto: Ou difícil.
João Pinheiro: Ou difícil, não pretendemos que seja nem uma coisa nem outra, mas temos noção que não é uma música que se vai gastar num instante. Mas de facto, estares a dizer que tem mais cor, para mim faz sentido. Por um lado, não fizemos uma coisa só com duas guitarras, houve “overdubs” e outras coisas por cima, mas é um disco mais despido. Na Balada do Coiote tínhamos muitos convidados, aqui decidimos fazer tudo por nós. Não sei que ligação é que isto tem ao que estávamos a falar [risos], mas de qualquer maneira é um disco mais nosso, foi uma decisão isso de não pôr ninguém de fora, está tudo cá dentro do nosso seio.
David Santos: Este disco, mais que os outros, foi todo feito por nós, desde o início até à capa.
João Pinheiro: E isso foi claramente uma coisa decidida. E sempre que pensávamos convidar alguém, recuámos, este disco somos nós e é isto que vamos conseguir fazer. E acho que o próximo passo é fazer isto, ainda mais despido. E estão a aparecer músicas, nunca compusemos tanto como agora, o que é uma coisa meio irónica, porque se calhar quando éramos mais novos é que tínhamos mais tempo para fazer isto, mas agora é que está a aparecer mais material para compor.
David Jacinto: Antes que se esgote [risos].
João Pinheiro: Mas olha que não me está a dar muito essa ideia, cada vez parece que se esgota menos, há mais ideias a aparecer e menos coisas a ficar para trás.
David Santos: Mas acho que isso tem a ver com o nosso lento processo de maturação. Nós temos 15 anos de existência e gravámos o primeiro disco quando já tínhamos 7 anos de banda. Já tínhamos tido várias maquetes antes disso, e mesmo o primeiro disco foi buscar coisas antigas. E cada vez mais o que estamos a fazer é actual e tem a ver com o que estamos a pensar no momento, há mais produção. E cada vez mais, aquilo que nós fazemos tem um rumo definido, antes as coisas eram mais dispersas, uma música daqui, outra dali. Agora não, há material e trabalhamos com objectivos.
João Pinheiro: A identidade que sempre tivemos, acho que conseguimos neste disco apurá-la mais do que nunca.
Este é o álbum mais TV Rural?
David Jacinto: Sem dúvida.
João Pinheiro: Sem dúvida. Junta algumas reminiscências do que nós já fomos, mas também as apaga claramente quando é preciso apagar, e cria as referências do que nós somos agora. E mais do que nos outros, isso está expresso neste disco.
E não deixa de ser curioso que é agora, com 15 anos de carreira, que estão a sentir mais criatividade.
João Pinheiro: Sim, claramente. Apesar de os processos terem mudado. Se calhar até é por causa disso que isto acontece. Há coisas que se perderam da adolescência, quando tínhamos 20 anos e formámos a banda, havia toda uma mística e uma magia, se calhar isso perdeu-se um bocado, essa maneira adolescente de ver o mundo e conquistar, é tudo nosso. Pá, agora assentámos e isso permite-nos fazer as coisas com outra ponderação, que eu acho que este disco reflecte. Apesar de juntar as duas coisas, fomos buscar esse espírito adolescente, ainda está cá dentro, mas já não somos só isso.
David Santos: Eu acho que há sempre uma certa adolescência na nossa música porque não há compromissos com ninguém e fazemos aquilo que queremos, e na música isso reflecte-se.
João Pinheiro: E em palco vai-se reflectir ainda mais.
Pois, no dia 8 há concerto no Musicbox, vai ser celebração do novo álbum?
João Pinheiro: Para já, a nossa ideia é tocar o disco todo, estamos a tocar as músicas todas nos ensaios, ver quais é que estão a resultar melhor ao vivo. Mas vai ser baseado neste álbum e sendo um disco mais rock, vai ter esse lado. Mas essa é a vantagem de já ter mais discos para trás, podemos fazer uma espécie de um sortido rico do que nós já fizemos. Vai dar para ter uma parte para abrandar, tocar se calhar algumas músicas do Barba.
David Jacinto: Mas acima de tudo vai ser baseado neste novo disco porque a maior parte das canções nunca as tocámos ao vivo, há que experimentá-las e muito do que foi feito para este disco foi a pensar no resultado ao vivo, na forma como podíamos renovar o nosso alinhamento, há muitos anos que andamos a tocar o mesmo conjunto de canções, mas é preciso mudar um bocado a coisa, até para nos dar outra pica.
João Pinheiro: O Vasco [Viana], que foi um dos que fez mais músicas para este disco, e uma das coisas que o Vasco queria nas músicas dele é que servissem os concertos, que fossem músicas feitas para tocar ao vivo, coisa que o Barba não tinha exactamente. Eu diria que 90% do disco foi pensado para os concertos.
E a partir de agora, se tocarem músicas do Barba, vão como as gravaram, ou vão mais rock?
David Jacinto: Ainda não chegámos aí. Mas de qualquer forma, qualquer canção pode ser tocada de maneiras diferentes, dependendo do contexto. As canções do Barba são canções simples, que podem servir bem a meio de um concerto de rock, como um momento de repouso, mais intimista. E consegue-se fazer, mesmo com um estaminé mais baseado no eléctrico.
João Pinheiro: Mas também acho que nós chegámos a um ponto em que olhamos para os concertos como uma coisa que não tem que ser sempre a partir do princípio ao fim, porque isso pode agradar a algumas pessoas, mas também pode espantar quem não esteja para levar com distorção e baterias aos berros o concerto inteiro. Já temos três discos e dá para fazer um concerto mais dinâmico, que vá crescendo. Obviamente vai ser baseado neste novo disco, mas vai dar para fazermos um concerto mais dinâmico e menos cansativo para nós, porque há músicas que já estamos fartos de as tocar ao vivo.
David Jacinto: Eu acho que a malta que gosta de ir aos nossos concertos também gosta de ouvir coisas novas, e com este novo disco vamos conseguir dar isso. E para nós vai dar um granda gozo, sem dúvida, primeiro porque ainda não dominamos as canções e ainda não sentimos o que é que é tocar muita bem ou tocar muita mal a canção, e vai ser fixe.