Em 2012, os Alt-J foram vítimas de um hype não-induzido com o seu álbum de estreia An Awesome Wave, vencedor do Mercury Prize, o prémio que elege o disco do ano no Reino Unido e Irlanda. Com uma sonoridade nova e fresca, conquistaram os diferentes públicos com o seu próprio mérito e, nesse mesmo ano, deram um concerto catastroficamente cheio no Vodafone Mexefest e outro mais amplo e igualmente cheio no Optimus Alive, deixando a própria NME boquiaberta com o fenómeno de devoção aos ainda caloiros Alt-J. Originários de Leeds, cidade-mãe de bandas como Kaiser Chiefs e Wild Beasts (com quem o grupo partiu em digressão), conseguiram embeiçar a crítica com o seu primeiro trabalho. Mas como responderiam eles à pressão do difícil segundo álbum?
This Is All Yours tem muitas respostas para isso. Apesar de o grupo ter sido reduzidos a três elementos com a desistência do baixista Gwil Sainsbury, que a meio caminho se apercebeu que não queria para si uma vida de banda, os Alt-J mantiveram o mesmo processo criativo e a mesma serenidade inspiradora nas suas canções. As mudanças neste disco passam por uma maturação como banda e uma expansão ainda maior a nível musical. Se até aqui o grupo já tinha conseguido fundir toda uma panóplia de géneros – indie, trip-folk, electrónica –, agora conseguiram confinar uma vasta linha de sentimentos no mesmo disco. Para além da habitual vibração positiva inerente à sua sonoridade, os Alt-J reflectem neste trabalho diferentes sensações de melancolia, solitude, ao mesmo tempo que nos mostram o calor da música e a sua empatia tranquilizadora.
As intros e os interlúdios que conhecíamos alegremente de An Awesome Wave voltaram a fazer sentido em This Is All Yours, e é assim que os ingleses dão início à segunda parte do seu repertório. Em «Intro» relembramos as doces camadas de vozes que se deixam embelezar pela química electrónica de um álbum misto em sonoridades. Mas é na segunda faixa que é apresentada a história condutora do álbum. «Arrival In Nara», «Nara» e «Leaving Nara» poderiam ter sido uma só música algo épica que acabou por se desdobrar num guia para o segundo álbum do trio. Nara é um lugar no Japão onde a larga população de veados é vista como uma bênção para a cidade, trazendo protecção no papel de animal divino. Para os Alt-J, os veados significam mais do que aquilo que apregoa o conto mitológico que lhes está associado. E, nas músicas inspiradas em Nara e nos seus veados, o grupo representa a ideia de viver a vida livremente, sem magoar ninguém com isso. De facto, quase conseguimos ouvir essa bondade e essa pureza nas músicas que constituem This Is All Yours.
Mas sobre Nara nada soubemos até ao lançamento do álbum. O primeiro single foi a vibrante e viciante «Hunger of the Pine», que não perdeu tempo a gerar polémicas devido à controversa participação de Miley Cyrus, a menina rebelde da pop que espezinhou a sua personagem da Disney. À primeira vista seria uma colaboração impensável, mas parece que a ex-Hannah Montana é fã da banda e que, apesar de não ser obrigatoriamente recíproco o sentimento, os Alt-J descobriram que a linha «She’s a female rebel» (da sua música «4X4») encaixava perfeitamente no tema. E é aqui que é desconstruída a imagem placidamente feliz do grupo. Com a mesma doçura de vozes, a linha instrumental junta-se à letra para falar de dor, a forte dor psicológica que se chega a manifestar no corpo… E daí todas as setas cuspidas no vídeo.
Mais tarde, deram a conhecer «Left Hand Free», depois de a sua editora ter achado o primeiro single fraco. Mesmo feita às três pancadas (literalmente – foi escrita em 20 minutos) e apelidada pelos próprios de «a música menos Alt-J de sempre», «Left Hand Free» surpreendeu depois de uma recepção céptica dos fãs, que se aperceberam desse destoo musical, chegando a acusar o trio de tentar soar a Black Keys. O terceiro tema a ser mostrado, «Every Other Freckle», voltou a mostrar a paixão, a sensualidade e a afabilidade dos Alt-J. Mas, curiosamente, este será provavelmente o tema mais mexido do álbum. Do princípio ao fim do disco, o grupo rende-se aos acordes suaves e às camadas de vozes melódicas compassadas pela batida electrónica, com «The Gospel of John Hurt» a servir de bom exemplo da dinâmica do álbum. «Pusher» é também um tema a ser referenciado pela sua simplicidade e pela relevância dada às vozes.
É importante dizer que este não é o An Awesome Wave, o disco de que é quase impossível não gostar. This Is All Yours é mais. É maturidade, evolução e redescoberta, é calma e nostalgia, é efervescência de sensações. É um dia de tempestade e a primavera mais bonita, tudo ao mesmo tempo. E, para o bem e para o mal, é um álbum para todos os dias. Mas é também merecedor de alguma dedicação e atenção. É ouvindo os pormenores deste disco que percebemos como é bom gostar de Alt-J.