Pablo Padovani é um moço que parece ter acesso a mundos nos quais o comum dos mortais não pode entrar. Deles vai tirando bocadinhos aqui e acoli, lentamente construindo aquele que é o seu próprio mundo. A primeira degustação desse planeta maravilhoso, cheio de natureza fantástica e portais sonoros infindáveis, foi-nos dada a conhecer em forma de EP, no ano passado. Ficámos deslumbrados. Em 2014, chega-nos o seu sucessor – Le Monde Möö, o pacote completo.
Depois de um carinhoso convite à entrada na sua mente em «Les Garçons Veulent de la Magie», aceitamos. Então entramos no foguetão que nos levará à descoberta do cosmos em Moodoïd. E o primeiro lugar onde este nos leva é até à lua. «La Lune» apresenta-se não só como satélite mas também como a primeira de muitas canções incríveis do disco, podendo ser perfeitamente a banda sonora para o filme de Méliès, há 110 anos. Afinal, Padovani é conterrâneo deste último e parece ter aprendido bem a matéria. Um século volvido, voltamos a visitar – desta vez, de forma auditiva – o lado escondido e escuro da lua, que é afinal um lugar de cor e vida sem fim, que nos invade os sentidos com explosões de guitarras e de vozes que nos fazem alucinar.
Terminada a visita à primeira paragem de Möö, apercebemo-nos de que não estamos sozinhos com Moodoïd, mas sim com dezenas de outros curiosos – músicos, cosmonautas, astrónomos, navegadores, escritores, etc.. Nesta história de amor pelo fantástico, as influências parecem ser infindáveis, e vemos ao nosso lado Copérnico, Galileu, Aristóteles, Cristóvão Colombo, Júlio Verne e muitos outros que nos guiam a nós e ao francês criador de maravilhas pela estrada de vácuo fora.
Chegamos então a «Bleu Est Le Feu”, canção mágica e lugar de exploração do espaço, da terra, do mar, do fogo e do ar. Nela há mistério, há submarinos estelares, há metamorfoses impossíveis, há sistemas de planetas e galáxias em rotação, há um baixo gordo e gingão, violinos serpenteando a imensidão escura, mas ao mesmo tempo luminosa… Recebemos de tudo e tudo nos parece infindável. Azul é o fogo do nosso foguetão, que calmamente nos seduz, em conjunto com os coros hipnóticos que as musas celestiais de olhos cor-de-rosa nos vão sussurrando ao ouvido. As vozes puxam-nos, sem podemos contrariá-las. E gostamos. À entrada da bateria e do baixo somos embalados numa jornada estonteante, somos golfinhos e anéis de planetas que dançam e festejam em rodopios tontos e livres ou passageiros de um galeão sideral que nos leva p’ra outra dimensão.
Teleportemo-nos agora para um qualquer planeta – como se não o estivéssemos constantemente a fazer, de uma ponta do universo à outra. Teleportemo-nos para um mundo povoado de pássaros que, em conjunto, cantam, colorem o céu, batem asas e dançam ao som dos seus assobios. Ficamos leves, somos levados em câmara lenta. Todo o disco é aquele regarder que Pablo Padovani nos convida a fazer, no início. Um olhar de constante contemplação, paixão e maravilha. Um olhar cuidado, respeitador e, acima de tudo, que pede p’ra observar e nos deixarmos levar. Voamos, outra vez, como que deitados à tona da água de um oceano – e somos levados.
A odisseia parece não ter fim – e que bem sabe. Pasmados, deixamo-nos possuir pelos acordes finais de «Les Oiseaux», enquanto nos viramos lentamente para o lado e começamos a vislumbrar o paraíso. «Yes & You» é uma canção de amor com tudo p’ra ser dedicada à/ao nossa/o mais que tudo. Cantada em inglês, além de canção de amor, é novamente uma canção repleta de fantástico em tudo o que é canto (vocal e físico). Há novamente coros etéreos, seres mitológicos, transe, melodias descontraídas e embelezadas por reverberações cristalinas… Enfim, tudo na terra (será apenas uma?) de Möö é infinito, livre e belo.
«Les Chemins de Traverse» é por onde passaremos para chegar às etapas finais desta travessia sensorial pelo mistério da vida e do macrocosmo. Ao caminharmos por tais caminhos, facilmente nos sentimos num meio críptico e labiríntico onde nada parece ter fim e tudo é desconhecido e ilusório. Caímos num poço de psicadelismo e espirais de demência que fazem o cérebro de qualquer um derreter. Oh!, que bom que é romper com a realidade e poder existir noutros mundos.
A exploração de Möö termina com «Les Filles Font que le Temps Est Jouissif», que soa a fim, a chegada ao destino, a sucesso… E é precisamente isso que representa a canção. Chegamos, com ela, ao final duma epopeia sem precedentes, ao final dum dos discos mais épicos do ano. Pablo Padovani merece o maior dos méritos na composição, execução e produção: se no primeiro EP tinha o mestre Kevin Parker (Tame Impala) na produção, desta vez teve-o apenas na mistura.
A única coisa em falta no disco é mesmo a coesão. Quem o ouvir poderá reparar que neste texto não foram mencionadas algumas canções. Tal deve-se ao facto dessas fazerem menos sentido na linha principal de Le Monde Möö, cortando completamente o ambiente criado nas faixas principais.
Ainda assim, arriscamos a contradição. Aquela que é a maior falha do disco é talvez a melhor coisa nele e em Moodoïd: o dom e a capacidade de criar paisagens sonoras completamente distintas, com mudanças inesperadas e inacreditáveis, repletas de uma criatividade e novidade que parecem não ter fim – uma autêntica e constante metamorfose de camaleão. Estamos perante um dos músicos franceses mais imaginativos dos últimos anos, que por isso merece ser mostrado ao mundo, tal como a nós nos mostrou o(s) dele. A Moodoïd, batam-se palmas e gritem-se vivas. Celebre-se a sua música e o seu génio.
Haverá muitas mais coisas a serem ditas sobre o disco, a música e as letras – belos e surreais poemas cantados num francês sedutor e convidativo que merecem definitivamente muita atenção– Mas, melhor do que falarmos sobre essas coisas, será ouvi-las em todo o seu esplendor: