Na Aula Magna, Aloe Blacc precisou de duas músicas para fazer dançar o auditório. Promovia Good Things, o primeiro disco pelo qual o Mundo deu nota, e à primeira música desfez as dúvidas – sim, é daqueles raros artistas que cantam mesmo como se ouve no disco – e à segunda confirmou que tem o manual da Motown bem estudado, para ele levantar um auditório não é, sequer, desafio.
Participou num duo de rap obscuro (Emanon), fez um disco em nome próprio (Shine Trough, 2006) e em 2010 conseguiu o primeiro sucesso internacional (Good Things, com o single “I need a Dollar”), sempre em editoras independentes e sempre com um registo entre o hip hop e o soul. Mas na Aula Magna, ao mesmo tempo que obrigava toda a plateia a uma vigorosa aula de dança, também mostrava o seu pior lado – cantou um dueto com a porto-riquenha que tinha aberto a noite e o resultado foi trágico, foleiro, a obrigar a esquecer o que se ouviu e a fazer parar o auditório. O dom é indiscutível, mas já nessa altura Blacc ameaçava revelar uma falta de critério assustadora.
Agora, lança Lift Your Spirit, o primeiro disco numa major, a Interscope Records, carimbo da gigante Universal e se o resultado não é trágico, também está longe do nível que há quatro anos me fez comprar o vinil de Good Things. Está lá a voz, o talento para nos fazer abanar, mas o rasgo foi escondido, a escola soul foi trocada por música mais orelhuda, daquela dançável, até por fãs dos Empire of the Sun dançou a pavorosa colaboração com um tal de Avicci, mestre em música de pista de carrinhos de choque.
Se até aqui cantou hip hop, soul e funk sempre com a mesma credibilidade, em Lift Your Spirit Blacc volta a mostrar o seu maior argumento – a polivalência. Faz o single que fará dançar o verão (“Wake Me Up”; façam um favor a vocês próprios ficando pelo original e fugindo a todas as variantes), lança músicas de amor com batida funky (“Love Is The Answer”), não esqueceu a consciência social (“Ticking Bomb”), mas não consegue deixar escapar um pé para as músicas que fazem prever o pior – “Here Today” e “I Wanna Be With You”, não têm, simplesmente, justificação. Mas Aloe Blacc é mesmo capaz do melhor e do pior. No mesmo disco, deixa cair “Red Velvet Seat”, do melhor soul que tem aparecido, “Soldier in the City”, discosound ao melhor nível do Stevie Wonder, e ainda pergunta, num ritmo só dele – “Can You Do This”. Poucos poderão responder afirmativamente.
O talento de Aloe Blacc não é facilmente igualável. Continua a dançar e a cantar como poucos, a conseguir saltar de género para género – arrisco que o fará num belo moonwalk – como se nunca tivesse experimentado outro registo. Seja hip hop, soul, funk ou disco, Blacc brilha. Os riscos estão na falta de critério e na aterradora facilidade com que alguém com metade do seu génio pode tomar de assalto os tops de dança ocupados por gente com mais abdominais que talento. Lift Your Spirit não é um mau disco, tem mesmo algumas das melhores músicas de dança que se ouvirão durante o ano. Mas Lift Your Spirit também não é o grande disco que eu esperava de um músico como Blacc. Tiro ao lado. Resta esperar que acerte o passo.