Joan Wasser, a eterna namorada do saudoso Jeff Buckley, tem disco novo. Chama-se The Classic, e marca o regresso à boa forma de Joan As Police Woman, nome artístico da senhora que passou pelos Dambuilders, Those Bastard Souls e Mind Science Of The Mind, até se afirmar a solo, depois de ter feito companhia em palco a Lou Reed, Antony & The Johnsons ou Rufus Wainwright. Cartão de visita não lhe falta, como se vê. Aliás, não lhe falta nada para ser uma diva no mundo da música. Pode ser que com este novo trabalho aconteça tornar-se estrela maior de um universo que cruza pop com funk, r&b e indie rock, tudo com a pitada certa de soul, sem se fixar, no entanto, em nenhum desses lugares. Na verdade, o percurso que Joan trilhou até agora dá-nos a possibilidade de perceber tratar-se de uma artista acima de etiquetas fáceis e de definições conclusivas, passe a (eventual) redundância. Depois de um brilhantíssimo kick off (Real Life, 2006), e de um segundo trabalho ainda superlativo (To Survive, 2008), Joan As Police Woman deu-nos Cover (um disco de covers, como o nome indica), e The Deep Field, álbuns de 2009 e 2011, respetivamente. Em nenhum deles, na minha modesta opinião, atingiu o plano dos primeiros dois trabalhos. Assim, depois de uma espera de 3 anos, The Classic surge para colocar Joan As Police Woman de novo na linha da frente, o que muito me satisfaz, uma vez que desde o instante em que a ouvi pela primeira vez (num já distante concerto de Rufus Wainwright no Coliseu da nossa capital, em que fez a primeira parte), a sua voz e o seu talento ficaram tatuados na minha mente. Depois disso, as várias vezes que a vi ao vivo apenas confirmaram as impressões iniciais. You can’t go wrong with Joan!
Mas vamos diretos ao assunto. The Classic chegou-me às mãos há dias (comprei-o em Bruxelas, temendo que surgisse tardiamente em Portugal), e nas várias audições integrais a que já o sujeitei, não tenho a mínima dúvida do que afirmo: fará parte dos meus discos de 2014. É já um clássico da sua ainda curta discografia. O título do disco pode parecer presunçoso, mas de enganador nada tem. The Classic é, de facto, um clássico! Vale ouro, e talvez por isso a artista apareça na capa do álbum toda banhada na cor desse precioso metal, qual Shirley Eaton em Goldfinger. O disco abre a dar tudo: “Witness” “Holy City” e “The Classic” mostram a razão que me leva a considerar ser Joan As Police Woman a artista branca mais negra da América. Repletas de um retro soul a la Aretha Franklin (a faixa a cappella é um doo-wop delirante, e conta com a participação de Reggie Watts, o multifacetado artista norte americano), as 3 faixas iniciais marcam o tom central de todo o disco, embora algumas nuances sejam facilmente detetadas. “Get Direct”, por exemplo, no seu tom intimista, afasta-se das canções anteriores, e é, para mim, o melhor momento do álbum. Que tremenda canção! Intensa, cheia de corpo, sedutora! Um verdadeiro achado. Depois surge “What Would You Do”, interessante letra onde se pergunta o que alguém faria se visse outro alguém morrer, logo seguida de “New Year’s Day”, que se vai revelando, aos poucos, sem pressas, outro enorme momento do disco. “Shame” volta ao soul-funk das primeiras canções do álbum, e em “Stay” apagam-se as luzes, e pode-se dançar de olhos fechados, corpo colado a outro corpo em total sedução (ao estilo slow de garagem dos anos 80, onde corpos e mãos se misturavam até se perderem em carnes vizinhas). Depois desse assomo de volúpia, o disco termina com um (quase) soft reggae, com a canção “Ask Me”.
Depois de ouvido várias vezes, The Classic apresenta-se, na minha cabeça, como uma espécie de homenagem ao soul dos anos 70, e por alguns dos poros do disco há vestígios de Stevie Wonder, de Marvin Gaye, bem como da já referida Aretha Franklin. Há, ainda, sons de órgãos que fazem lembrar os The Doors, mas talvez isso aconteça apenas na minha cabeça. E eu que não sou, nem nunca fui um amante do estilo de música de todos esses artistas, delicio-me com ele(s), embora por interposta pessoa. No fundo, estou subjugado a esta ideia: a senhora Wasser pode fazer o que quiser, que terá sempre em mim um fiel e atento seguidor das suas artes sonoras, rendido e preso aos encantos de Joan, essa magnífica Police Woman.