O espaço é uma matéria sem fim e musicar o espaço leva-nos a descobertas extraordinárias. Tranquil Motion é uma galáxia onde se vive muito bem.
Já não se fazem discos assim. Ou, fazendo-se, talvez já ninguém os ouça. São exigentes (exigem apenas tempo e capacidade de flutuação por parte de quem o escuta), mas também não nos deixam ficar mal, se não o ouvirmos, de rajada, até ao último segundo, uma vez que nos impregnam, desde o início, de felicidade e de sorrisos sonhadores e satisfeitos. São duas horas e vinte e quatro minutos de música, enformado digital ou CD duplo. O que aqui nos prende é um álbum que vem de muito longe, desse país continental chamado Austrália. No entanto, a sua verdadeira origem é outra. Provém de uma qualquer galáxia perdida e sem nome, instância de tempo e espaço sem materialidade que a defina. Por isso, veja-se bem o milagre que temos em mãos! Chama-se Tranquil Motion e é um trabalho dos All India Radio.
Tranquil Motion é uma compilação. Não sendo comum escrevermos sobre discos compilatórios, a este não resistimos, até por também inclui temas inéditos. Saído no final do ano passado, mais precisamente a 4 de dezembro, o álbum tem-nos feito companhia ao longo dos tempos, nunca saindo do nosso radar de estimação. A boa notícia é que um disco de originais dos All India Radio está previsto para 2025. Estaremos atentos a essas notícias.
A que nos soa, este Tranquil Motion? A muita coisa, na verdade. No entanto, e para não complicar o que poderá ser dito de forma simples e direta, a resposta poderá ser, eventualmente, assim: a Tangerine Dream com generoso topping de caramelo, melodicamente doce quanto baste para não se tornar enjoativo. Enquanto que os grandes álbuns da banda germânica, sobretudo os da chamada Pink Years, são autênticos monólitos sonoros – Electronic Meditation (1970), Alpha Centauri (1971), Zeit (1972) e Atem (1973) – e os da Virgin Years são já marcados por sequenciadores musicais, conferindo-lhes outro tipo de dinâmicas rítmicas e melódicas, como são particularmente os casos de Phaedra (1974), Rubycon (1975), Stratosfear (1976) e Cyclone (1978), o primeiro da banda a ser gravado com a utilização de letras e voz, neste Tranquil Motion nota-se a influência desse som da Escola de Berlim, embora de forma não tão fria, não tão rígida, antes mais solta e espontânea. Tranquil Motion é um bailado a céu aberto, um lençol de som que parece desdobrar-se sem ter fim à vista, com pregas de ritmo bem vincadas, embora suaves e ordeiras.
O primeiro disco encerra 5 composições, todas ambientais. Todas elas são maravilhosas e envolventes. A mais curta tem oito minutos e dez segundos (“Covidium 2”) e a mais extensa apresenta-se nos seus esplêndidos vinte e três minutos e vinte e quatro segundos (“The Shining Cosmos”), e deles não se pode perder uma gota de som, pois seria criminoso fazê-lo. Este primeiro álbum, digamos assim, intitula-se Tranquil, e percebe-se bem a razão do nome. Fosse esta a banda sonora do mundo, reveladora do que nele se passaria, a vida seria um mar de plenitude e satisfação. O outro disco, o segundo, dá pelo nome de Motion, e nele já se escutam percussões e outros sons de semelhantes ruídos. Também aqui os temas se espreguiçam no tempo, indo dos sete minutos e cinco segundos (“Distance 1”) aos dezasseis minutos e cinquenta e seis segundos de “Casio Epic”. E sim, tudo é épico em Tranquil Motion.
Terminamos como começámos, fazendo notar que este não é um disco para todas as horas e todos os instantes. No entanto, é perfeito para as ocasiões onde importa perceber e valorizar a relação mais íntima que podemos ter com a música e com os sons. Quando a noite alta chega e começamos a fechar as luzes de casa para que o conforto se estabeleça entre nós, o espaço e as suas sombras, então vale muito a pena colocar Tranquil Motion a girar, girando nós com ele numa valsa que talvez não acabe nunca.