Ao terceiro álbum, os R.E.M fazem o seu registo mais sulista e melancólico. Este lote de canções introspectivas adia a sua ascensão ao estatuto de estrelas indie mas oferece ao alternative country uma das suas principais referências.
Lisboa, 20 de Março de 2017
Querida Fables,
Sabes certamente o que as más-línguas andam a ladrar por aí, que és a patinha feia dos álbuns da I.R.S. Records, com refrões sensaborões e singles manhosos, e todas essas tretas. Não ligues, amiga; vozes de burro nunca chegaram ao céu. Para mim, serás sempre a miúda com mais personalidade dos primeiros anos dos R.E.M., uma bonita declaração de amor ao sul profundo e à sua excêntrica mitologia.
O que as pessoas não gostam em ti é a tua melancolia, não percebendo que é ela, justamente, que te torna tão especial. Quando na tua “Driver 8”, o comboio vai percorrendo triste o seu caminho-de-ferro, e uma harmónica dolente aparece, mal se ouvindo, abafada na mistura, é como se as janelas da carruagem estivessem embaciadas, e as paisagens sorumbáticas da velha Georgia aparecessem turvas aos nossos olhos. Este teu momento, caríssima, não é só pop, tampouco só música; é pura poesia, e todo um tratado sobre como nos comover tanto com tão pouco.
Se hoje há Wilco, Ryan Adams e Kurt Vile- toda uma efervescente cena alternative country e indie folk a borbulhar – há-os por causa de ti, porque nunca tiveste qualquer acanhamento em enxertares as tuas dissonâncias pós-punk com a americana mais profunda, do folk ao country, do banjo à tal harmónica macambúzia. É essa tua convivência entre tradição e modernidade, cosmopolitismo e ruralidade, que te torna tão influente.
Porque nunca vendeste a tua small town de origem por nenhum prato de lentilhas nova-iorquino, eu te saúdo e admiro.
Um beijo deste teu fã de sempre,
altamont.pt