A cada álbum que lanças, crítica e público prezam-to desmesuradamente, ainda mais do que aquele que o precedeu. A cada álbum que lanças, revolucionas o teu som e, no processo, alteras o paradigma musical dito “alternativo”. A cada álbum que lanças, já há burburinho e questões sobre o seguinte, esperado e aguardado pelos teus fãs com mui pouca paciência e expectativas dubiamente saudáveis. E, para ajudar na quantidade estúpida de pressão que é em ti exercida, o último álbum que lançaste foi Merriweather Post Pavillion. Que farias tu?
A decisão dos eternamente desafiadores e experimentais Animal Collective, única banda a meu conhecimento posta nessa situação (isto porque fiz referência a Merriweather, há mais exemplos por aí), foi destruir a torre de críticas irrepreensíveis, hype tremendo e adulação quasi-religiosa onde se assentavam no topo. Ao demolirem-na com este álbum, estando os quatro ainda no cume, Centipede Hz soa ao que estes músicos tocariam se estivessem numa permanente e veloz queda, agarrando-se aos escombros em queda livre, tocando como podem, a uma cadência vertiginosa. É um álbum caótico, auto-destrutivo, pouco coeso, difícil: o oposto ao álbum mais acessível e orelhudo até à data na obra da banda.
O nono álbum da banda de Panda Bear, Avey Tare, Geologist e Deakin foi o primeiro desde Sung Tongs, de 2004, que não nos faz entrar em discussão acérrima se será melhor que o anterior – essencialmente, porque não o é. Seria uma aforismo injusto apelidar este registo como “o álbum cansado” dos Animal Collective, todavia é, de facto, ao que, num registo discográfico dos Animal Collective, soaria a semi-quasi-talvez-possivelmente-se-não-for-abusar-muito-conformismo, nos seus 55 minutos de duração. Não obstante ser infinitamente superior a muito álbum que tenta conjugar experimentalismo com acessibilidade e catarse pela pura descoberta de algo nunca antes ouvido, Centipede Hz soa claramente a uma banda com dificuldade em encontrar o próximo passo a seguir (dado que cada passo dado pela banda a cada álbum, desde 2004, foi uma ruptura focada, e total, com o anterior).
Tenho a apontar que alguma falta de edição torna algumas faixas do álbum inconsequentes, assemelhando-se este a um cão à volta da sua cauda esperando que, se a trincar, seja outra coisa que não a própria cauda: algumas canções expõem apenas um par de ideias não particularmente estimulantes ou interessantes ao longo de toda a sua duração, sendo fraca a justificação para o arrastamento prolongado das faixas.
O problema essencial de Centipede Hz passa pelas más decisões na produção: muitas destas faixas não apresentam altos e baixos, variações ou alterações substanciais em volume, ruído, harmonias ou mudanças de ritmo como já ouvimos nos anteriores discos; claro que existem, à boa maneira Collective, mas o seu poder catártico e transformativo é substancialmente inferior. Não obstante o álbum evidenciar uma qualidade enérgica e pujante que lhe assenta maravilhosamente, consequência de uma abordagem mais directa, em modo de banda ao vivo – o colectivo construiu estas canções partindo de jams, ao oposto da sua habitual troca de ficheiros e moroso processo de recolagens, reedições e regravações – o seu som incrivelmente ocupado e preenchido fica aquém do desejado quando mal produzido, o que é muitas vezes o caso: as canções não respiram, mostrando-se impenetráveis e demasiado densas para seu próprio bem, encharcadas em efeitos pueris que pouco acrescentam, servindo apenas para encobrir a falta de progressão ou motivos que assola muitas destas faixas – não é em número pequeno as composições apresentadoras de ideias que, se mais curtas e mais focadas, figurariam no cânone incontornável dos Animal Collective. O tom profundo, maturo e solene da surpreendente voz de Deakin (é para si uma estreia, sendo a primeira faixa onde canta como voz principal) em “Wide Eyed”, em confronto com júbilo drone ritmado e refulgente, seria ideal se não se prolongasse. Desejos de semelhante recorte ou espaço para os sons ganharem contornos, dimensão e/ou tempo de antena impregnam-se em pérolas-por-ser como “Applesauce” (a sagacidade pop de Tare em toda o seu esplendor, na forma como dobra e canta as letras do refrão, é aqui desaproveitada), “Mercury Man”, “Father Time”, “Monkey Riches” ou “Moonjock”. Canções sólidas, mas que se repetem desnecessariamente.
Todavia, a centelha de génio não está, de todo, perdida. “Today’s Supernatural” brilha como um dos melhores singles da banda, a sua energia e base de apoio reside na voz irrequieta e juvenil de Tare, esta que dança, hiperactiva, com ritmos africanos e uma idiossincrática ondulante linha de sintetizador, num frenesim punk de outra dimensão. “New Town Burnout” sequestra-nos por 6 minutos, em ritmos destoantes e sintetizadores espaciais uma absorção do ouvinte impossível de não ser total e absoluta – sensação que se repete no frenesim dançante, castiço e juvenil da ruidosamente caótica”Monkey Riches” (ninguém faz canções assim). “Pulleys” asfixia num ritmo drogado e linhas de guitarra docemente viciantes. “Rosie Oh” é a prova viva como Brian Wilson tem bom herdeiro em Panda Bear, a pop 60’s em filtro lunático, como que se da sucata só lixo cósmico se pudesse fazer instrumentos. “Amanita” leva-nos a bom porto no final do disco, convidando, num passo de dança alegre na bateria, a um último carnaval freak animalesco.
“Sometimes you’ve got to go get mad.”, urra Avey Tare a certa altura. Este álbum é certamente feito por quatro loucos. E como a loucura, Centipede Hz tanto resvala para o génio como para a redundância. Escute-se.