10. Wildest Dreams – Wildest Dreams
DJ Harvey, o nome pelo qual é mais conhecido o britânico Harvey W Bassett, é um nome estabelecido entre os gurus do gira-disquismo. Então como é possível que, no ano da graça de 2014, tenha largado os pratos e a música de outros, para fazer um disco absolutamente tradicional de rock com laivos de um psicadelismo de macho alfa? Terá sido, diga-se, o efeito de se ter mudado de vez para Los Angeles, ganhando o tempo e a tranquilidade para três coisas: voltar a tocar instrumentos a sério, compor música original e dar longos passeios na sua potente mota, debaixo do sol californiano. Destes três elementos nasceu este Wildest Dreams, uma magnífica surpresa desta recta final de 2014, pela mão de um tipo que parece um actor porno reformado. São 10 temas que se complementam e se ouvem quase como uma única música. A base é um rock psicadélico a lembrar os momentos mais acelerados de Jonathan Wilson; junte-se a isto uns floreados muito bem doseados de The Doors fase LA Woman; uns pozinhos de surf music; uma pujança rock de uns Deep Purple e uma liberdade de interpretação que dá a todo o disco um ar relaxado, embora nunca desleixado. A diferença para o rock psicadélico dos dias de hoje é que Wildest Dreams transpira testosterona por todos os poros. Enquanto outros discos do psych da colheita actual cheirarão a flores, este cheira a gasolina e a pó da estrada.
Chegou 2014 e com ele, o muito esperado álbum de estreia da banda de rock psicadélica britânica, os Temples. Sun Structures sabe a acordar de um sonho de dois dias com a cama desfeita e sem uma meia, o que não significa necessariamente que o estado pós-audição se assemelhe ao estado pós-sonho: embora algo enevoada, a memória, pelo menos da aura fantasmagórica e psicadélica do álbum não se desprende tão rapidamente de quem o ouve. Ao longo de doze faixas, os Temples erguem uma poderosa muralha de som que tanto pode pertencer ao século seguinte como ao século passado. Não é um álbum perfeito. Está longe de se conseguir desprender completamente das suas influências, às quais muitas vezes pode parecer agarrar-se de mais. No entanto, tem a quantidade arrebatadora de carisma embrenhado numa nostalgia de tempos melhores necessária para mostrar que 2014 foi um bom ano para os Temples.
Dizer que Morning Phase é um disco muito próximo de Sea Change parece uma coisa tão óbvia, que nem deveria ter escrito a frase que acabou de ler. São disco gémeos, num certo sentido. Talvez gémeos falsos. No entanto, sendo tudo isso verdade, é precária e redutora a ideia que mais se vê exposta em tudo o que se tem escrito sobre o novíssimo longa duração de Beck. Para aqueles que estavam à espera que Beck Hansen regressasse mostrando uma vertente mais crua, mais lo-fi, mais indie, então é bom continuarem esperando. Para os outros, que gostaram tanto da elegância sóbria do disco de 2002, então chegou o tempo de nos mostrarmos satisfeitos, uma vez que o músico americano há muito que não nos oferecia um trabalho digno desse quilate.Eem Morning Phase há uma clara aposta numa certa monotonia composicional (alguns temas parecem demasiadamente semelhantes, e por isso pouco autónomos), nota-se um mesmo tipo de permanência estética nos arranjos, nas cordas, até mesmo na colocação da voz de Beck, ao abordar as canções. Estas circunstâncias não pareceram tão sublinhadas em Sea Change. Daí que, com um certo sentido de paródia, se possa dizer que Morning Phase é ainda mais Sea Change do que o próprio Sea Change é.
7. Damon Albarn – Everyday Robots
Por vezes acontece, e no presente caso essa ideia confirma-se: a capa de um disco diz muito sobre o seu interior. Não é apenas a tonalidade marcante da imagem, os sombreados nostálgicos, mas também, e sobretudo, a postura curva de Albarn que parece levar às costas todo o peso do mundo. Este é um trabalho mais melancólico, sem grandes exaltações rítmicas, muito menos experimental do que aquele que foi a sua primeira tentativa de gravar em nome próprio (Democrazy é mais uma brincadeira do que um disco para ser levado a sério), e mais mainstream do que o interessantíssimo Dr. Dee, de 2012. É ainda evidente que emEveryday Robots há espaço para a criatividade pessoalíssima de Damon Albarn. Everyday Robots parece ser um disco construído no sentido de revelar alguma da paz interior recentemente adquirida por Albarn. Depois de tantas crises, de tantas peripécias, angústias existênciais, batalhas histéricas de repercussão mundial, Damon Albarn encontrou (mais) um percurso alternativo aos anteriores. Está menos exuberante, é certo. Mas, e simultaneamente, mais capaz de nos mostrar a chama frágil e subtil dos grandes génios, que à curta distância de um vento mais forte ou de um sopro mais destemido, pode extinguir-se por tempo indeterminado.
Os Swans chegaram a 2014 e atiraram-nos para o colo To Be Kind, álbum duplo, mais de 120 minutos, um exercício difícil que nos empurra para o limite do desconforto, mas que é, a espaços, apaziguador dessa sensação. Falar de To Be Kind como um trabalho regular é diminuí-lo, analisá-lo faixa a faixa seria tratá-lo injustamente. Ainda assim, salientamos «Bring the Sun / Toussaint L’ouverture», onde somos arrastados aos tombos sem misericórdia, qual Heitor arrastado por Aquiles, com as devidas diferenças entre vida e morte. Tudo neste trabalho se conjuga de forma cuidada e brilhante, a presença de convidadas como Little Annie ou St. Vincent equilibra-se na perfeição com as deambulações de Gira, que, a bem da verdade, tem uma presença xamânica, hipnotizando tudo o que respira por onde passa. Mas há mais além da música em To Be Kind. Estamos perante uma obra que passa a fronteira dos álbuns que ouvimos e que se consagra como mais que isso. O que os Swans conceberam foi um exercício de performance duro, em momentos violento até, uma enorme corrida de resistência, e quando pensamos que estamos a superar a prova, os Swans esticam mais a corda, mexem com a nossa cabeça, mexem com o nosso estômago, mexem com os nossos limites.
5. Bruno Pernadas – How Can We Be Joyful In A World Full Of Knowledge
Quem espera deste disco canções pop penteadinhas verso-refrão-verso-outra-vez, desengane-se: How Can We Be Joyful In A World Full Of Knowledge é um álbum arrojado e experimental, em cujo processo criativo Bruno Pernadas sabia muito bem por onde começar mas não fazia a mínima ideia onde iria acabar. O disco é muito ancorado num género com pouca tradição em Portugal, o lounge, que pretende acima de tudo criar atmosferas quase cinematográficas, remetendo a melodia para um papel secundário. Sendo Bruno Pernadas um consumidor compulsivo de discos, vai-se servindo com naturalidade dos mais variados estilos (minimalismo, afrobeat, bossa nova, world music, neo-soul, indie folk) consoante a ambiência que pretende criar. A tonalidade quente e orgânica que prevalece, ao mesmo tempo sofisticada e melancólica, traça a pinceladas grossas o ambiente de cidade tropical desencantada que percorre todo o álbum. A nossa imaginação faz o resto. A ausência de interrupções entre as faixas, como se todo o álbum fosse uma só grande música, ajuda a criar o efeito de banda-sonora de um filme mental. Os loops contínuos que ouvimos em repeatsão pausas na fita, momentos importantes em que rebobinamos a cena e a vemos de novo. Por fim, a questão filosófica colocada pelo próprio título do disco: qual a melhor forma de sermos felizes num mundo atafulhado de conhecimento? Creio que a resposta só pode ser uma: consumirmos radicalmente menos coisas, saboreando devagar apenas o melhor da vida. Como este disco.
Ty Segall é um dos mais prolíficos músicos modernos. Desde 2008 a quantidade de bandas em que se encontra, e com que colaborou, e a quantidade de discos lançados em nome próprio são muito numerosas. Manipulator, lançado este ano, tem sido considerado (ainda que de forma não-unânime) o seu melhor disco. E se toda a sua discografia desde Melted (2010) é muito relevante, este disco parece, de facto, ser a sua obra-prima e um dos melhores discos do ano. Ty Segall voltou este ano aos discos abrasivos, fervilhantes e com o volume bem alto. Manipulator não é blues eléctrico, não é stoner rock, não é garage rock, não é psych rock ou heavy psych nem é glam rock: é tudo isto cozinhado no caldeirão do rock de Ty Segall.
Depois de caloroso e bem recebido segundo disco (2), Mac Demarco chega com um maturado Salad Days. Aproveitando o sucesso que teve o novo psicadelismo do seu primeiro LP, Mac parte para uma paragem nova: apesar da sua personalidade brincalhona e aluada, o seu som está mais adulto, menos difuso que o anterior. A guitarra continua a mesma (e ainda bem), se bem que com mais espaço para brilhar – valentes solos que vão aparecendo por entre «Goodbye Weekend» ou «Treat Her Better» – e está mais bem utilizada, mantendo a simplicidade de antigamente mas adicionando-lhe uns pozinhos extra. Os teclados também lá estão de novo, bem psicadélicos, como se quer, e a linha de bateria, subtil, lá no fundo marca passo. A nível vocal, pouco ou nada há para apontar, o seu estilo relaxado e sem grandes invenções não foge ao que nos habituou. Até os falsetes, se bem que mais contidos, continuam lá. Podemos acabar por dizer que Salad Days é um disco de Mac Demarco dos pés à cabeça. Apesar de ainda só ser apenas o teu terceiro disco de originais, conseguiu criar um estilo singular, onde o revivalismo daquilo que de melhor os 60’s e 70’s tiveram, ganha um novo rosto, é reinventado com grande pinta. Descobre-se o “Big Mac” a milhas, bastando ouvir os acordes iniciais de cada música.
2. Sun Kil Moon – Benji
Benji traz-nos 11 histórias simples e memoráveis. A impressionante forma como Kozelek, o homem responsável por esta obra de arte, consegue falar de morte enquanto passa uma sensação de paz e tranquilidade, é notável. Não só é notável como é absolutamente genial. As letras dos 11 temas de Benji são dignas de um livro de Luis Sepúlveda. Um sem número de pequenos prazeres de escrita, uma constante humanização de pessoas que fazem parte do nosso dia-a-dia, da nossa família e até de objectos sem vida. Existe um padrão de referências e influências no trabalho de Kozelek, mas o tom pessoal da voz e das suas letras deixa para trás qualquer critica.
1. The War On Drugs – Lost In The Dream
Já em 2011, com o álbum Slave Ambient, os The War on Drugs tinham dado sinais de terem pela frente um futuro promissor. E o que é que o futuro fez? Recompensou o trabalho de Adam Granduciel: Lost in the Dream ultrapassa quaisquer expectativas deixadas pelo aclamado segundo álbum. O novo registo da banda de Filadélfia é um álbum que nos enche as medidas, que mostra uma evolução na sonoridade da banda. Aquilo que primeiro parecia uma banda a fazer um rock de estrutura mais clássica floresceu numa paisagem composta de muitos elementos, contando-se entre eles o rock mais espacial dos Spacemen 3, com um toque do indie pop dos anos 80, passando pela textura do shoegazede Kevin Shields e batidas motorik. Misturando-se nisto tudo, surge uma mais clássica americana, com influências claras de Bob Dylan ou Bruce Springsteen, numa espécie de “faço o que quero não esquecendo as minhas raízes”.
Parabéns ao altamont por tudo. Site excepcional feito por melomanos para melomános. Hoje em dia faz-se música com grande qualidade, mas nunca esta foi tão efémera e perene. Já se sabe que os meios de audição permitem a massificação, que as novas gerações ouvens músicas e não albúns, e mesmo as músicas raramente de príncipio ao fim. Trintão entradote, sou de outro tempo, e vejo a música como arte e não imagino outro conceito que não seja o de albúm. Doq ue ouvo que consta nessa lista: Fico contente pela consagração do MArk Kozelec. O tipo é uma besta, deprimido, bipolar e depressivo, mas é um músico excepcional. Fã hardcore dos Red House Painters nunca percebi na altura porque é o homem não era celebrado como um dos maiores génios do universo. Com outras encarnações vejo-o finalmente a obter o reconhecimento que a sua prolífica e brilhante carreira justifica. O Benji é um disco fabuloso, não pelas melodias mas pelo story-telling crú e despejado de atificios. Pelas histórias pessoas retratadas com uma frieza tão frontal, sem barreiras, sem sofismas. Obra de arte que perdurará. O War on Drugs é engraçado, mas não percebo o hype. Soa-me a Mike Scott a solo requentado. A FKA tem aparecido em muitas listas. A míuda canta bem, vê-se que há marketing sério a insuflar a coisa, mas não me convence. Comparaçãoes com Portishead então…. Os albuns do Beck e do Albarn são óptimos e estão a anos luz do pastiche indie do DeMArco. O Run the Jweels para mim não é bem música. O melhor albúm que ouvi este ano foi dos Twilight Sad que em Portugal não parecem existir, assim como o Nick Talbot dos GranvenHusrt que faleceu sem que ninguém tivesse dado por isso. Foi um ano morno musicalmente falando, mau se contarmos que os U2 lançaram um vírus. Bom 2015. Continuem!
um reparo: o “2” não é o álbum de estreia do Mac deMarco, mas sim o “Rock And Roll Nightclub”. De resto, bom top! (embora Capitão Fausto devesse estar no top 3 :D)