Os Yo La Tengo enfeitiçaram o Capitólio com um set que agradou tanto aos fãs estreantes como aos de longa data.
Um concerto de Yo La Tengo é sempre um evento. Entre estes três multi-instrumentistas (poucos foram os instrumentos que não foram tocados pelos três), gera-se uma alquimia que poucas bandas conseguem igualar. E o concerto que deram na quarta-feira passada no Cineteatro Capitólio não foi diferente.
Pouco depois do grupo ter entrado e dos aplausos terem esmorecido, os loops de drones de guitarra anunciavam a entrada para outra dimensão. “You Are Here”, a faixa de abertura do último disco There’s a Riot Going On, foi uma escolha perfeita para definir a atmosfera da primeira parte do concerto, mais contemplativa e dedicada a canções mais delicadas, a maior parte delas tocadas na guitarra acústica com acompanhamento de contrabaixo e, ocasionalmente, teclado. Desde os vocais doo-wop na subaquática “Forever” aos versos confessionais de “Pablo and Andrea” as vozes do grupo nunca se elevaram acima de um sussurro, numa tradução perfeita da intimidade transportada dos discos para os palcos. E o público lisboeta esteve à altura, guardando as demonstrações de entusiasmo apenas para o final de cada canção.
Depois de revisitarem “Deeper into Movies” numa versão mais lenta do que a que ouvimos em I Can Hear the Heart Beating as One o grupo anunciou um breve intervalo que, efetivamente, dividiu o concerto entre uma primeira parte mais etérea e uma segunda mais pesada e barulhenta. Depois da introdução pantanosa e sonhadora de “Dream Dream Away” voltámos a ouvir a voz doce e grave de Georgia Hubley em “Before We Run” de Fade, num arranjo mais minimalista, que enfatizou a melodia de algodão doce da canção. Com uma discografia da dimensão da dos Yo La Tengo, a possibilidade de sermos surpreendidos com uma canção antiga apresenta-se a cada instante. E, em parte, foi o que aconteceu na segunda metade do concerto. Fomos brindados com versões destrutivas de “Stockholm Syndrome” na qual os vocais delicados de James McNew lutaram com a guitarra estridente de Ira Kaplan e “Sudden Organ” que contou com uma batalha entre um baixo distorcido e um teclado estridente. Houve ainda tempo para ressuscitar “Drug Test” do já velhinho President Yo La Tengo de 1989 e “Tom Courtenay” do seminal Electr-O-Pura, como se nesta altura do campeonato ainda precisássemos de ser lembrados da importância dos Yo La Tengo na história do rock alternativo.
Para finalizar o set, a banda escolheu “I Heard You Looking” um clássico do igualmente clássico Painful, e com ela o Capitólio assistiu a um autêntico exorcismo, com Kaplan a desafinar as cordas da sua guitarra e a fazê-la gritar pela sua vida, enquanto o resto da banda o acompanhava insistentemente, não fosse a música descarrilar no meio do caos. Os covers foram guardados para o encore. Depois de um fã ter pedido que a banda tocasse a “Autumn Sweater”, o grupo, com um grande sentido de oportunidade, tocou “Prisoners of Rock ‘n’ Roll”, uma canção “que Neil Young escreveu para nós” segundo Kaplan, sem conseguir esconder um sorriso sarcástico. Por fim, já com os ouvidos a zumbir, fomos embalados com uma canção dos Cosmic Rays, “Somebody’s in Love”, que já tinha figurado no disco de covers Stuff Like That There. Entre delicados ornatos acústicos e harmonias preguiçosas (com James McNew a encarregar-se dos agudos, como sempre), os Yo La Tengo acabaram a cerimónia mas garantiram-nos que voltaríamos para casa enfeitiçados e com os corações a transbordar.
Setlist: You Are Here Forever, Pablo and Andrea, She May, She Might, Ashes, Song for Mahila, I’ll Be Around, Deeper into Movies, Dream Dream Away, Before We Run, Stockholm Syndrome, I Should’ve Known Better, For You Too, Shades of Blue, Sudden Organ, Drug Test, Tom Courtenay, I Heard You Looking
Encore: Prisoners of Rock ‘n’ Roll (cover de Neil Young), Somebody’s in Love (cover de The Cosmic Rays)