A bola está parada, à espera que a empurrem para o golo. A uns cinco metros de distância, um pé que quer ser confiante começa a salivar pelo chuto. Começa a corrida: o embalo dos passos acelerados afasta as dúvidas por momentos. A hora da vitória vai ficando mais próxima com a distância que se reduz . Chegou a altura. Como um pêndulo imponente, toda a perna desloca-se para trás. Puxa-se a culatra que vai explodir no cabedal do esférico que espera por um propósito… suspense. Na hora “H”, traído pela manha da Lucy, o tiro sai perdido e Charlie Brown cai redondo no chão. Assim não vais conseguir ganhar Charlie.
Porquê citar “Peanuts”? Muitos de vocês já devem estar a perceber: You Can’t Win, Charlie Brown. Esse é o motivo.
O talentoso sexteto português explodiu em 2011 com o álbum de estreia Chromatic. Adorado não só pela crítica (nacional e internacional) mas também pelo grande público, este primeiro trabalho foi o tiro de partida para a grande carreira que na altura se adivinhava e hoje se confirma: o que de mais recente já se ouve é prova disso mesmo. Assim, na eminência de lançarem o seu novo trabalho, Diffraction / Refraction, Afonso Cabral, João Gil e Luís Costa, metade da formação, vieram conversar connosco sobre festivais, discos novos e desejos de paz no mundo. Não temos dúvidas que hoje em dia, estes rapazes, podem cair na maldade da Lucy que lhes tira a bola, mas levantam-se no mesmo instante e dão-lhe uma “belinha” na testa: Estes Charlie Brown’s não brincam. A partir de agora é só vê-los a ganhar.
Altamont: Estamos hoje a poucos dias do lançamento do vosso novo álbum Diffraction/Refraction. O que é que vos passa na cabeça por esta altura? Como é que um músico lida com este espaço de tempo imediatamente antes de mostrar aos seus fãs o seu novo trabalho?
YCWCB – Afonso: Bem, estás um bocado na expectativa ou curiosidade de saber como as pessoas reagem aquilo que fizeste. Já temos o disco pronto há uma série de meses, o disco para nós já não é uma grande novidade, e agora é ver o que o pessoal acha.
João: Acho que cada um sente a coisa um bocado à sua maneira.
É quando surgem as maiores dúvidas?
Afonso: Não, neste ponto as dúvidas já passaram porque sabes que não há nada a fazer (risos). No nosso caso, talvez estejamos mais preocupados com o concerto de dia 18, por exemplo, do que propriamente com o lançamento do disco que é poucos dias depois.
Luís: Nesta fase acho que já nem temos tempo de pensar nesse tipo de coisas. Uns estão preocupados com coisas relacionadas com a promoção e com os concertos, e tal, e não há tempo para estar a pensar se está bem feito ou não.
João: Acho que o facto de os dois primeiros singles terem sido bem recebidos deixa-nos mais descansados para aquilo que ainda aí vem.
E quais as principais diferenças que destacam entre este novo trabalho e o Chromatic?
João: Acho que mudou muita coisa. No meu caso sinto que este é o disco que eu, se calhar, já gostava de ter feito. No outro dia, por exemplo, ouvi o Chromatic e fiquei muito mais feliz com o Diffraction, senti que houve uma evolução e este disco é realmente aquilo que gostaria que fosse.
Afonso: Eu acho que mudou praticamente tudo, todo o processo e isso. Quando fizemos o Chromatic estávamos a pegar em músicas que, na sua grande maioria, já estavam feitas ou pensadas, no caso específico do Chromatic, pelo Salvador Menezes e por mim e depois houve a colaboração de todos. Aqui fizemos músicas a pensar já nos outros e no lugar de cada um, logo ai vê-se que o processo foi diferente. Há músicas a partir do João, há músicas a partir do Luís, e dá logo aí é uma diferença muito grande. E depois toda a abordagem referente à gravação mudou: já conhecíamos o estúdio onde íamos trabalhar, sabíamos com o que podíamos contar dali; já tínhamos gravado um CD por isso sabíamos melhor como funcionam todas as etapas da gravação, o que é que devia estar pronto, o que é que não queríamos estar a perder… acho que tivemos uma ideia muito mais precisa daquilo que queríamos agora do que na altura do Chromatic. Nunca chegas exatamente àquilo que imaginaste, mas aquele desvio também é bom, traz novidade ao trabalho.
Luís: Para além disso acho que como já tocamos juntos há tanto tempo, torna-se mais fácil percebermos o que é que pode resultar ali, o que é que cada um, pessoalmente, consegue contribuir… O outro álbum teve uma componente maior de “experiência”, tentarmos perceber o que resulta, o que encaixa… Já sabemos minimamente o que funciona ou não e isso simplifica um bocado o processo.
E agora em tom de curiosidade… Perspetiva-se alguma edição em vinil do Diffraction//Refraction?
Afonso: Epá para já nada… que saibamos. Era uma coisa que todos gostaríamos muito de ter mas para já não há nada no programa.
Entre o primeiro álbum e este segundo que vai sair houve um espaço de tempo considerável… o que andaram a fazer nesses três anos?
Afonso: O Chromatic saiu no verão de 2011, andamos a tocá-lo até o final de 2012. No final de 2012 surgiu-nos o convite do Pedro Ramos da Radar para tocarmos o disco dos Velvet Underground, nessa altura já estávamos no processo de composição e de arranjos daquilo que é hoje o Diffraction/Reffraction e por isso nessa altura estivemos sempre ocupados. A experiência dos Velvet atrasou-nos um bocado, de certa forma, mas no bom sentido, porque deu-nos um prazer enorme em fazer. Depois em 2013 foi para acabar os arranjos, gravar o disco, etc.
Luís: O facto de sermos seis e cada um ter as suas coisas também atrasa um bocadinho as coisas…
Afonso: Sim claro, temos empregos e não sei quê… não dá para dedicarmos o nosso dia-a-dia a isto… não dá.
E sentem que nesse espaço de tempo a música portuguesa mudou?
Afonso: A música portuguesa tal como toda a outra música está sempre a mudar, agora não acho que tenha havido uma mudança gigantesca entre 2011 e hoje.
Luís: Acho que na altura ela já estava muito bem, com bandas muito, muito boas…
E concordam que está a evoluir?
Afonso e Luís: Acho que sim, acho que sim…
Afonso: Basta ver os discos que estão para sair agora este ano para perceber isso… Este mês sai também o dos Capitão Fausto que também me desperta imensa curiosidade, temos PAUS,… Muita coisa boa a ser feita.
Luís: Evolução, como disse o Afonso, há sempre, mas não acho que seja só a portuguesa…
Afonso: Mas há um movimento, estão sempre coisas a acontecer, e isso é positivo.
E o South by SouthWest de 2012…como foi tocar lá?
João:… foi fixe (risos) vimos uns 500 concertos, bons
Luís: com umas 100.000 pessoas cada um (risos)
João: Ei, tantas também não (risos)
Afonso: Aquilo é um mundo completamente diferente, uma prova de fogo mesmo. Estão a acontecer centenas de concertos ao mesmo tempo e tu tens de te safar em todas as condições possíveis e imaginárias, com montes de equipamento às costas, a andar que nem uns malucos de um lado para o outro. Mas é uma experiência muito enriquecedora. Se conseguimos tocar aqui com estas condições, com estes obstáculos, conseguimos tocar em qualquer lado.
A reação que tivemos foi muito positiva: demos dois concertos, um num bar de música ao vivo, tinha umas 100 pessoas e , pelo que outros portugueses que já lá foram nos disseram, não era um número mesmo nada mau. Demos também outro completamente diferente, no lounge do Hotel Sheraton, que era fixe porque era onde toda a gente estava hospedada, portanto estávamos a tocar e chegava o Tom Morello e via-nos um bocado… foi muito bom.
Lembro-me que tivemos mais tarde outra proposta para tocar lá mas não deu…
João: Aquilo obriga a um grande esforço a nível de dinheiro, de tempo e numa certa fase é um bocado problemático… talvez se tiveres numa major, com muito dinheiro e que te veja como um produto…
Afonso: Majors? Isso já não existe! (risos)
João: Nós é que não queremos fazer parte de uma coisa dessas, porque se não era muito mais fácil. Não há forma de pagar viagens de mil e tal dólares por cabeça… mas foi uma lição gigante, sem dúvida.
Nesta altura gerou-se também toda aquela onda de apoio para vos tentar ajudar a ir ao festival. Estavam à espera dessa resposta das pessoas?
Afonso: Epá não, os primeiros dois dias foram uma cena surreal…
Luís: avassaladora mesmo…
João: A quantidade de pessoas que ajudaram deixou-me completamente esmagado por aquilo tudo..
Afonso: E toda aquela experiência, como a cena do concerto no São Jorge que fizemos para isso foi tão ou mais importante que a viagem em si.
João: Para mim foi mais importante. Aquele concerto do São Jorge foi a coisa mais importante em toda a história da viagem aos Estados Unidos. Foi um concerto único, posso dizer que nunca tinha sentido tanta energia a vir das pessoas, sabes? Senti que estavam mesmo a fazer aquilo de coração e aquele concerto era tão ou mais importante para elas como era para nós.
Luís: Acho que foi importante para nós também, enquanto banda, porque obrigou-nos a trabalhar juntos de uma maneira como nunca tínhamos trabalhado, a nível da organização, conseguir por aquilo tudo a funcionar e acho que foi um sucesso nesse aspecto também.
E acham que atuar no SXSW foi uma experiência muito diferente daquela por que passaram na final do Festival Termómetro?
Afonso: Epá… Epá sim, a final do Festival Termómetro foi mesmo nos primórdios da coisa, não tem nada a ver. Nem sei se posso chamar àquilo um concerto! Tocámos umas três músicas ou assim… Mas aí ainda estávamos a tentar descobrir quem éramos, nem tínhamos a formação que temos agora sequer. Na altura sim, foi um concerto importante.
Luís: Mas na altura eu lembro-me, foi importantíssimo. A melhor coisa que nos podia ter acontecido. Até à altura tínhamos dado uns 5 concertos… (risos) Mas agora olho para trás e já não parece o mesmo que parecia, como é natural.
Numa descrição que o Rodrigo Nogueira fez de vocês, já há uns anos, caracteriza o Charlie Brown, a personagem da BD “Peanuts” e parte do vosso nome como banda, como “o puto que acredita, apesar das inseguranças e dúvidas, e acaba sempre por se desiludir.” Esta descrição, hoje, já não se relaciona muito com vocês, não?
Afonso: Já não estamos tão desiludidos como estávamos antes, claro (risos), mas agora também já vamos tarde demais para mudar o nome da banda por isso não há nada a fazer.
João: Agora temos de mudar de personagem!
Luís: Não pá, basta deixarmos cair o “t” do “can’t” e está feito! (risos)
E tocar Velvet Underground no Lux? Como foi a sensação?
Luís: Depois do São Jorge foi das coisas que mais prazer e trabalho nos deu ao mesmo tempo.
Afonso: Já só o processo de rever o disco foi espetacular. Fizemos tudo de uma forma diferente da maneira habitual. Acho até que isso faz parte da maneira como fazemos as coisas onde tentamos sempre ir mudando um bocadinho o processo o que vai logo mudar o resultado final. Com isso dos Velvet foi assim. Lembro-me que começamos por ensaiar como uma banda normal, ou seja, os seis numa sala a tocar as músicas…parecíamos uma banda de casamentos horrível (risos). O primeiro ensaio foi assustador! A Sunday Morning toda certinha parecia sei lá o quê! (risos). Nós aí pensámos: “Espera aí que temos que fazer isto de outra maneira.”. E Foi muito giro. É um exercício muito divertido pegares em músicas que, para já são excelentes, e depois poderes brincar com elas. O desafio maior é tornar aquilo teu mas mantendo o respeito pelo original e acho que conseguimos fazer isso bem.
Então e se agora pudessem fazer, não digo um álbum inteiro, mas uma música pelo menos, com qualquer músico, atual ou já desaparecido, quem escolhiam?
Afonso: Sabes, acho que depende dos dias, depende do que tiveste a ouvir naquela semana ou naqueles dias. Eu digo sempre que curtia fazer qualquer coisa com o Tom Waits, por exemplo. Gostava de fazer qualquer coisa com os Flaming Lips também… deve ser a loucura. E depois não sei, arranco por aí e não acabo!
Por falar em outros músicos, vocês são muitas vezes associados aos Grizzly Bear, o que vos parece a comparação?
João: É verdade, já ouvimos isso uma série de vezes. Eu gosto deles até mas pessoalmente não acho que sejamos semelhantes.
Afonso: Toda a gente tem sempre de comparar uma coisa com outra, e nós deixamos andar porque na verdade estamo-nos um bocado nas tintas. É-nos mesmo indiferente essas comparações.
Luís: Nós percebemos porque é que as pessoas fazem esse género de associações e no geral, quase todos gostamos deles por isso… antes assim. Podia ser muito pior!
E em relação ao Ano Novo? Quais são os vossos desejos/metas?
Afonso: Um Feliz Ano Novo para toda a gente, Paz no mundo, amor e o fim da fome. Depois disso que tenhamos concertos e… mais paz no mundo (risos)
Luís: Paz na banda também, às vezes (risos)…
Afonso: Agora mais a sério, queremos tocar o disco onde pudermos e onde nos deixarem, quanto mais melhor e começar a pensar no próximo!