A sexta noite do EDP Cool Jazz de 2022 apresentou vários motivos de interesse. Os três concertos foram, de facto, interessantes e, à sua maneira, cada um dos artistas foi agradavelmente cool.
Nem sempre assim acontece, mas as escolhas para a noite de 28 de julho foram plenas de jazz (o cabeça de cartaz nem tanto, curiosamente) e de sentimentos bem cool. Afinal, o nome do festival terá de ter alguma razão de ser, não é verdade? Assim sendo, uma primeira e obrigatória referência ao virtuoso da guitarra do novo jazz nacional, João Espadinha. As composições que foi tocando ao cair da tarde soaram magnífica e extraordinariamente bem. Uma aura de nostalgia invadiu o espaço relvado onde atuou, e quem o ouviu e viu percebeu haver no músico um tremendo potencial. Nada de novo, uma vez que esta fácil observação não é de agora. Um valor mais do que seguro, este João Espadinha. A noite de concertos, como se percebe, começava bem. Depois dele, outros dois concertos alinhados, como sempre. O primeiro, que começou por volta das 21 horas, foi o de Moses Boyd, baterista de jazz britânico, mas também produtor e apresentador de rádio. Tem dois álbuns em carteira e ainda alguns eps em nome próprio, embora o seu nome já apareça noutros trabalhos de colaboração. E, finalmente, a estrela da noite, o australiano Jordan Rakei, que se prestou a apresentar o recente What We Call Life. Em 2018 já tinha pisado o palco deste mesmo festival. Foi um regresso, portanto.
Mas puxemos o filme atrás, até ao início. O trio liderado por João Espadinha deu um bonito concerto. Acompanhado por Guilherme Melo (bateria) e Ricardo Marques (contrabaixo), foram tocando algumas composições do novo trabalho de Espadinha, que merece uma escuta atenta, pelo que ontem ouvimos. Chama-se Em Terra Alheia Sei Onde Ficar. Os últimos três temas tiveram a presença da excelente voz de Marta Garrett, que tantas vezes acompanha estes e outros músicos da nova geração ligada ao jazz. Belo aquecimento para Moses Boyd, portanto.
Eram exatamente vinte e uma horas quando Moses entrou em palco. Muitíssimo pouco público para ouvir o músico inglês. Na verdade, o nome do baterista é apenas conhecido por quem está atento ao mundo do jazz, do novo jazz europeu, e por isso não colhe frutos dignos de registo no nosso país. É uma tristeza ver uma plateia repleta de cadeiras vazias. Mas enfim, foi o que aconteceu, pelo menos durante alguma parte do concerto.
Não é muito comum (embora muito longe de ser caso virgem, tanto no jazz como noutros estilos musicais) que o baterista de um grupo seja o seu band leader, mas é exatamente esse o caso de Moses Boyd. Não ligando ao imenso vazio humano à sua frente (leia-se falta de público, como já se percebeu) o concerto foi acontecendo a bom nível, num jazz de várias orientações, em que bateria e saxofone (Quinn Oulton) são sons de destaque. A guitarra também, embora apenas a espaços, pela mão de Artie Zaitz. Como é natural, os temas de Dark Matters, o álbum de 2020 de Moses Boyd, foram os mais ouvidos. A performance do baterista impressionou. Vívida e com brilho muito próprio, por vezes percebe-se nela algum sentido de fusão com oscilações mais soltas, livres, embora com algum comedimento e sem descair para caminhos mais free. Algum afro-beat, drum and bass, mas sobretudo essa fantástica linguagem agregadora de almas e sentidos chamada jazz. Foi saboroso, de facto. E, para satisfação de todos, o público lá foi chegando, embora timidamente, disfarçando um pouco o desalento sentido ao início. Menos mal.
Com breves minutos de atraso, o concerto de Jordan Rakei começou em grande, com a soberba “Family”. Desde logo, a voz impressiona. O timbre, a entrega, cedo se percebe o impacto desse seu instrumento vocal. Alinhado, embora não de forma óbvia, com jazz, mas com muito soul e r&b nas veias artísticas, Jordan Rakei é mais um “pequeno prodígio” a sair da imensa ilha down under. Não se esgota em estilo algum, e até um cheirinho de reggae surgiu, de quando em vez. Foram vários os elogios feitos ao nosso país, ao tempo (ontem estava fresco, como é apanágio das noites no Hipódromo Manuel Possolo), mas também à cor bronzeada da nossa pele no verão. Estava mesmo entusiasmado, o múltiplo instrumentista.
Nota-se na música de Jordan Rakei uma linhagem antiga, mas também um irrequieto sopro novo nas roupagens da sua música. Falou, por exemplo, da Blue Note e dos grandes nomes que gravaram nessa mítica etiqueta, como Coltrane, Herbie Hancock ou Donald Byrd. No entanto, há uma modernidade que emerge ao mesmo tempo que a referida linha de tradição se faz notar, sobretudo porque o formato canção é o privilegiado no seu estilo de compor. No concerto, ouviram-se temas de vários dos seus álbuns, mas What We Call Life, o seu último longa duração (2021) foi o que esteve, naturalmente, mais presente. A já referida “Family” é, aliás, a que abre o disco, abrindo também o concerto de ontem. A simpatia foi tanta, que Jordan Rakei concedeu um momento para aceitar sugestões de canções por parte do público, para em seguida as tocar em palco. Por essa altura, já boa parte dançava as canções mais dançáveis, já o entusiasmo era bem maior. O músico australiano e a sua banda (cinco elementos em palco, contando com Rakei) souberam cativar o público presente.
Pouco mais de uma hora depois de ter iniciado o seu concerto, e já com um encore protagonizado a solo, Jordan Rakei terminou a penúltima noite da edição deste ano do EDP Cool Jazz. A derradeira será certamente inesquecível, mas isso é toda uma outra conversa alquímica que por aqui chegará em tempo próprio.
(fotos em breve)