Já em 2011, com o álbum Slave Ambient, os The War on Drugs tinham dado sinais de terem pela frente um futuro promissor. E o que é que o futuro fez? Recompensou o trabalho de Adam Granduciel: Lost in the Dream ultrapassa quaisquer expectativas deixadas pelo aclamado segundo álbum.
Escrito e gravado entre 2011 e 2013 e fruto de um amadurecimento que durou quase três anos, o novo registo da banda de Filadélfia é um álbum que nos enche as medidas, que mostra uma evolução (como, aliás, tendo vindo a acontecer desde o seu primeiro registo Wagonwheel Blues) na sonoridade da banda. Aquilo que primeiro parecia uma banda a fazer um rock de estrutura mais clássica floresceu numa paisagem composta de muitos elementos, contando-se entre eles o rock mais espacial dos Spacemen 3, com um toque do indie pop dos anos 80, passando pela textura do shoegaze de Kevin Shields e batidas motorik. Misturando-se nisto tudo, surge uma mais clássica americana, com influências claras de Bob Dylan ou Bruce Springsteen, numa espécie de “faço o que quero não esquecendo as minhas raízes”.
Antes mais contidas (em termos emocionais) do que agora, as letras em Lost in the Dream são bastante mais pessoais, introspectivas e profundas, cheias de perguntas deixadas sem resposta, numa divagação interior que parece infindável.
Entre guitarras borbulhantes, uma melodia um tanto-ou-quanto catchy, uma bateria pulsante e um piano que vai aparecendo para preencher o espaço deixado pelos restantes elementos, surge “Under the Pressure”, talvez a música que transmite a mais calma (e, ao mesmo tempo, cruel) aceitação de/luta contra uma condição inerente à vivência no mundo de hoje em dia: a pressão, como o próprio nome indica. Seguindo-se ao epílogo instrumental de quase três minutos da música de abertura, “Red Eyes” é como o sol numa manhã enevoada. É uma música bem-disposta e animada, à qual Granduciel corresponde com uma vocalização bem mais energética, de acordo, pois, com o dia que entretanto se pusera.
De volta ao tempo encoberto, em “Suffering” sente-se uma tristeza que, de forma mais ou menos constante, se vai prolongar pelas restantes músicas. A abertura frenética de “An Ocean in Between the Waves” parece querer contrariar este facto. No entanto, ao escutar-se com mais atenção, é perceptível a amargura de Adam em frases como “Feel the way that the wild wind blows through the room/Like a nail gun through the heart” ou “I’m in my finest hour/Can I be more than just a fool?/It always gets so hard to seem bright/Before the moon”.
“Disappearing” irrompe, de braços estendidos, com um bilhete de acesso a terras longínquas nas mãos, à espera de quem o queira apanhar. Talvez seja pela sonoridade da canção, que, um pouco como em todo o álbum, parece ser tocada dentro de uma caixa de madeira em que ecos e reverberação se perpetuam indefinidamente, e na qual as subtis texturas que os sintetizadores alimentam lhe dão um ambiente sonhador, formando um vasto cosmos lisérgico, onde a voz de Adam vagueia. No entanto, esta aparece como o elemento que nos liga à realidade e que, embora desaparecendo lentamente, nos vai lembrando das agruras da vida, contra as quais ele próprio luta.
“Eyes to the Wind” é o tal não-esquecer-as-raízes de que falava, latente num piscar de olhos evidente à música de Bruce Springsteen e Bob Dylan. Homenagens à parte, “The Haunting Idle” é um assombroso instrumental em que guitarras carregadas de delay e teclados vários se entrecruzam, formando uma música que bem podia ser a introdução de uma das viagens épicas dos Godspeed You! Black Emperor ou até dos portugueses Indignu.
Como estar preso implica, quase sempre, uma libertação, “Burning” vai ser isso mesmo: Adam a exorcizar todos os demónios e a encontrar paz interior na autocomiseração, saindo do buraco de tortura em que se encontrava.
“In Reverse” é o cúmulo de uma característica muito subtil e que está espalhada um pouco por todo o álbum: revela que as mudanças, as novas camadas que vão aparecendo ao longo das várias músicas são precisamente o que o faz tão grande quanto é; aqui apresenta-se sob a forma de uma guitarra que, sem nada o prever, aparece e liberta, da torturada alma de Adam Granduciel, todos aqueles sentimentos de tristeza e dor.
Mais do que um privilégio para quem ouve estes momentos mágicos de êxtase e catarse, eles vão ser o remédio para um homem doente, a quem falta pouco para desaparecer.