A mudança é difícil. Seja quem mude – nós ou os outros -, seja voluntária ou inevitável, a mudança é difícil. 2015 tem sido um ano desafiante em todas as frentes: da ameaça terrorista de grupos extremistas como o Estado Islâmico e o Boko Haram ao falhanço da austeridade nos países europeus, mais que nunca o mundo tem nas suas mãos um futuro cada vez mais irresponsável, cada vez mais escuro. A Grécia, como ninguém, sabe-o. E não teve medo: abraçou com coragem a mudança.
O mesmo fez Ruban Nielson. Conhecido por Unknown Mortal Orchestra, o músico australiano tem vindo a fazer cair queixos por onde passa, transportando na bagagem dois portentos de neo-psicadelismo que não deixaram ninguém indiferente. Mas depois disso, o que poderia vir a seguir? Quem o visse ao vivo, diria que o caminho seria o mesmo, talvez com mais guitarras, mais solos, mais hinos épicos. Foi precisamente o caminho contrário que escolheu. A mudança, a escuridão positiva de não saber o resultado final, a forma que as coisas poderiam tomar, a quebra da rotina. Por isso em Multi-Love ouvimos mais teclados que nunca, numa pop complexa, ritmada e solta que não poderia ter sido prevista.
O disco abre com o single homónimo, dado a conhecer no início do ano. Fala-nos da relação poliamorosa que teve com a esposa Jenny e outra mulher, e todo o disco transparece a mágoa causada pelo seu final. Deixando claro que já nada seria como dantes, Nielson prossegue com “Like Acid Rain”, um tema que tem tanto de fatalista (na letra, em linhas como “You and I are doomed to burn” e “Tears are falling down”, repetida no final dos versos) como de prosperidade sonora, a soar a um futuro mais brilhante. O resto do tempo é passado a falar de amores de uma noite que foram também amores de uma vida, amores polígamos, os problemas e os fantasmas mais profundos da humanidade e do próprio, com os sintetizadores sempre de fundo e uma guitarra tímida que por vezes decide aparecer.
Há pista de dança com toda e qualquer bugiganga a servir de percussão em “’Can’t Keep Checking My Phone”, há teclas melosas a cantar um mundo ganancioso e egoísta, ao mesmo tempo que lamentam um amor desvanecido, em “Extreme Wealth and Casual Cruelty”. Há uma pop futurista e sideral, abundante em pormenores, riqueza e sentimento. Temos em “Necessary Evil” um braço que nos puxa para a sonoridade dos discos anteriores, onde a guitarra lo-fi retorna ao seu lugar basilar e a voz andrógina fala do mal necessário que é para a mulher.
Menos forte e impactante, é certo, mas o terceiro longa-duração de Unknown Mortal Orchestra é igualmente rico em conteúdo e génio. A mudança é grande e difícil, mas à medida que o álbum e a história que conta são digeridos, apercebemo-nos que Ruban Nielson nos trouxe mais um portento. Um portento de quem deixa pra trás os erros e a irresponsabilidade da juventude e toma as rédeas, perdendo as ilusões de um mundo fácil e cor-de-rosa.