No ano em que se comemoram as cinco décadas da chegada do homem ao satélite natural da Terra, o Altamont resolveu juntar-se a esses generalizados festejos. Uma Mão Cheia de Discos em Órbita da Lua é a nossa maneira de exaltar tão fantástico acontecimento.
Muito se escreveu já sobre o dia em que o ser humano pousou na Lua. A data de 20 de julho de 1969 ficou para a história como o tal pequeno passo para o homem, embora gigantesco para toda a humanidade. Livros, documentários, filmes, mas também álbuns de vários estilos de música foram feitos e continuam a fazer-se tendo esse tema como base, reforçando a ideia de que a célebre frase de Neil Armstrong ainda está bem presente no nosso imaginário coletivo. Dificilmente poderia ser de outro jeito, aliás. Afinal de contas, meio século é um átomo residual na história do tempo, e por isso parece que foi ontem que tudo aconteceu. Ao longo das cinco décadas passadas, foram muitos os músicos que fizeram canções sobre a presença humana na Lua, mas bem menos os que dedicaram álbuns completos a essa (ou equivalente) viagem sideral. Com este texto, o nosso propósito é apenas viajar por alguns desses caminhos sonoros, propondo uma mão cheia de discos que giram em órbita da Lua, ou ainda mais além…
Sun Ra: Space Is The Place, 1973
Todos conhecemos a excentricidade de Sun Ra, nascido com o nome Herman Poole Blount, embora mais tarde tenha adotado alguns outros e renunciado o verdadeiro. Alimentava a ideia que vinha de Saturno, e quer queiramos quer não, é de acreditar que sim, que a sua origem não era deste mundo. Revolucionou a história do jazz e deixou-nos pérolas intemporais. É o caso de Space Is the Place. Com os seus quarenta e poucos minutos de música, Space Is The Place é, obviamente, uma viagem cósmica, encantatória e nunca completamente entendível. Vinda da mente que a criou, não poderia ser de outra maneira. São apenas cinco, as faixas que integram o álbum, mas o tema inicial (“Space Is The Place”) é central, e a partir dele tudo se desenvolve. O lado gospeliano das vozes sobrepostas da sua Arkestra, as cacofonias instrumentais, as derivas pelo free jazz, tudo neste disco existe para nos transportar rumo ao encontro de outro espaço, outro mundo, outras realidades. No seu conjunto, a primeira ideia que dele se poderá ter é a de um baralho de cartas em total desalinho e desconcerto. No entanto, por detrás de todas as dissonâncias e estranhezas, há um caminho que pode ser feito com alguma segurança. Em “Images” sentimos isso, em “Discipline 33” também. Em viagens espaciais como esta, nem tudo corre com a tranquilidade desejada (“Sea of Sounds”), mas há sempre um “Rocket Number Nine” para nos fazer regressar a Terra. Um disco surpreendente!
Brian Eno: Apollo – Atmospheres & Soundtracks, 1983
A história deste álbum terá começado, mesmo sem o seu autor saber, no próprio dia em que a nave Apollo 11 alunou, ou seja, a 20 de julho de 1969. Brian Eno assistiu ao acontecimento em direto, na televisão e, de algum modo, ficou insatisfeito com o que viu. Na edição em CD de 2009 das Original Masters Series de parte da obra do músico inglês, o próprio explica o que aqui dizemos através da redação de um texto muito curto, mas bastante elucidativo. Explica a insatisfação e também o convite que lhe foi dirigido por Al Reinert para que a banda sonora do seu filme (For All Mankind, 1989) fosse feita. Apollo – Atmospheres & Soundtracks é o resultado desse esforço sonoro levado a cabo por Brian Eno, Daniel Lanois e Roger Eno. É um álbum extraordinário, capaz de criar ambientes de harmonia, de encantamento, mas também de alguma prazerosa inquietação. O tema de abertura do álbum (“Under Stars”) vai surgindo ao longo dos pouco mais de 48 minutos do disco, embora com algumas variações de ordem instrumental, como se pode facilmente perceber em “Under Stars II” e “Stars”, tema que encerra Apollo – Atmospheres & Soundtracks. Ecos e reverberações ouvem-se durante todas as 12 faixas, preenchendo silêncios e transmitindo sossego, calma, tranquilidade quase sobre-humana. Duas das composições de Apollo, “Un Ending (Ascent)” e “Deep Blue Day” tornaram-se mais conhecidas do grande público, sobretudo para as novas gerações, por serem parte integrante de filmes como 28 Days Later, Traffic e Trainspotting. As paisagens sonoras criadas por Brian Eno, Lanois e o seu irmão Roger são, de facto, fascinantes. A nova versão do disco, lançada a 19 de julho para a comemoração dos 50 anos da aterragem de Apollo 11 em solo lunar, conta com um segundo álbum em que os três músicos re-imaginam a banda sonora de For All Mankind. Vale bem a pena, acreditem.
AIR: Le Voyage Dans La Lune, 2012
A vontade seria ceder à tentação e incluir Moon Safari (1998), da french band AIR, mas algumas palavras e títulos e imagens não são suficientes para que o álbum possa caber no conceito aqui requerido. No entanto, a mesma banda composta pela dupla Nicolas Godin e Jean Benoit Dunckel está presente nesta mão cheia. Le Voyage Dans La Lune é um “disco-muleta”, digamos assim, um objeto sonoro de apoio (em termos de som) ao clássico filme mudo de George Méliès realizado em 1902. Na verdade, o disco pode perfeitamente ser ouvido por si mesmo, mesmo sabendo-se que ele foi pensado e feito para servir de banda sonora à versão restaurada da obra que Méliès realizou tendo vagamente por base os romances de Júlio Verne (Da Terra à Lua e À Volta da Lua) e de H.G. Wells (Os Primeiros Homens na Lua). Com apenas 32.08 minutos de duração, Le Voyage Dans La Lune tem bastantes motivos de interesse no curto passeio que propõe. Desde o arranque lento mas assertivo de “Astronomic Club” até à derradeira “Lava”, muito há para ouvir. As misteriosas “Seven Stars” e “Moon Fever”, a virginal “Retour Sur Terre”, a dançante “Parade” ou a introspetiva “Who Am I Now?” (com os vocais entregues às doces Au Revoir Simone) são bons exemplos daquilo que referimos. Não é, no entanto, um disco do calibre de Moon Safari. Longe disso, mas não deixa de ser um curioso exercício de estilo. E estilo, como bem sabemos, nunca faltou aos AIR.
Public Service Broadcasting: The Race For Space, 2015
Ao seu segundo longa duração, os fleumáticos britânicos Public Service Broadcasting resolveram intrometer-se entre russos e norte-americanos na corrida ao Espaço. Ou, por outras e mais precisas palavras, resolveram arregaçar as mangas e dar corpo a um disco que percorre uma década de políticas e atos que corporizaram o avanço da humanidade pelo infinito sideral. Desde o célebre discurso de JFK na Universidade de Rice (1962) até à sexta e última missão tripulada protagonizada pela nave Apollo 17 (1972), muitas são as referências e muitos são os samplers que servem de base à construção de The Race For Space. É quase impossível não gostar deste disco, da mesma maneira que é quase impossível considerar este trabalho como a obra-prima que talvez todos gostássemos que fosse. Pelos temas tratados, pela estética, pela qualidade gráfica do objeto sonoro, pela qualidade dos executantes.. . No entanto, talvez faltem ótimas canções para um conceito tão charmoso e de tão grande aparato. Mas, mesmo assim, o disco oferece-nos ótimos temas. O que abre o álbum é aliciante (“Race For Space”) e deixa-nos a flutuar de expectativa. Com “Sputnik” entramos na viagem propriamente dita, e a sua batida electro tem o carisma certo, sempre em crescendo. O funk-rock de “Gagarin” também serve bem o seu propósito dançante e anima os viajantes, mas “Fire In The Cockpit” quebra um pouco a estrutura sonora do disco, embora se compreenda que perante a relevância trágica do acontecimento aqui tratado (a morte de toda a tripulação que seguia na Apollo 1), o tema teria de seguir outro caminho rítmico. “E.V.A.” volta a acender um pouco a chama (sim, o termo em itálico é propositado, tendo em conta o título da faixa anterior), mas “The Other Side” nada traz de interessante, e a baladeira “Valentina”, sendo bela e elegante, parece não caber bem no contexto onde se insere. No entanto, num derradeiro twist para levantar os ânimos, “Go!” apresenta-se como o melhor momento de The Race For Space. Vibrante, enérgica, cheia de personalidade, uma bela e surpreendente canção! Por fim, a corrida termina com a tranquila e bela paisagem sonora que é “Tomorrow”. O silêncio de cerca de um minuto e meio que nela se encontra serve como um fantástico momento de introspeção antes das suaves pinceladas sonoras finais.
Darren Hayman: 12 Astronauts, 2019
Darren Hayman sempre foi um tipo fascinado pelas viagens espaciais e isso já todos sabíamos há algum tempo, tendo inclusivamente já feito uma primeira aproximação a esse tema num dos seus álbuns anteriores. Mas, na verdade, foi apenas em 12 Astronauts que o ex-líder da banda Hefner se entregou por completo à exploração (muito pessoal e particular, diga-se) do momento que aqui (no texto) e agora (no mundo) se comemora. São 12 canções, todas elas dedicadas a cada um dos 12 astronautas que pisaram a Lua, embora em momentos e em voos diferentes. As letras dos temas, todos eles simples, mais ou menos acústicos, embora alguns com uma certa grandeza épica, são escritas na primeira pessoa. Ou seja, quem ouvimos em cada tema são os 12 astronautas, todos eles com os seus problemas, as suas fragilidades, os seus pequenos dramas (físicos ou psicológicos) surgidos depois das respetivas viagens à Lua, imaginados pela mente fértil de Darren Hayman. Neil Armstrong, só para dar um exemplo, nunca mais conseguiu tirar a moondust dos olhos (que bela metáfora!). O álbum, na sua integralidade, é um delicado mosaico de vidas que ficaram para sempre marcadas pelo que nelas houve de tão único e singular. Desde Neil Armstrong, o primeiro ser humano a pisar a Lua a 21 de julho de 1969, até Eugene Cernan, o último que também nela colocou os pés entre 11 a 14 de dezembro de 1972, 12 Astronauts percorre a dúzia de cosmonautas que a história registou como os únicos que permaneceram durante algumas horas no nosso satélite natural. Saído há muito pouco tempo, 12 Astronauts merece ser ouvido com muita atenção, uma vez que é um trabalho digno de constar no lote dos mais curiosos e cativantes discos de 2019.
Assim se conclui a viagem por cinco discos que refletem, cada um a seu modo, cada um ao seu estilo e jeito, a conquista do Espaço pelo homem que habita o nosso planeta. É, como dissemos de início, o nosso pequeno contributo para a comemoração mais ou menos generalizada da chegada do ser humano à Lua. E nós, que tantas vezes andamos com a cabeça no ar devido à música de que tanto gostamos, não quisemos deixar de vos sugerir mais um passeio sonoro, entre tantos outros possíveis. É só tirar bilhete, e arrancar por esse espaço fora. It’s a one way ticket to ride!