Blood Money, o disco onde a voz, rouca e soturna, de Tom Waits, e o jazz espreitam por entre um ambiente teatral de fumo de cigarro e luz baixa.
Conheci o Tom Waits com este disco, o seu décimo quinto, em 2002, tinha eu 20 anos. É um álbum muito distante do seu “debut” Closing Time (que neste momento tenho como meu favorito) quer em anos, quer em sonoridade. Blood Money é uma coleção de canções escritas para o musical “Woyzeck”, adaptado por Robert Wilson. “Woyzeck” foi a terceira colaboração de Waits com Wilson, depois do musical “The Black Rider”, em 1990, e “Alice” em 1992. Blood Money foi lançado em paralelo com as gravações do musical “Alice”, no álbum com o mesmo nome. Apesar de serem discos gémeos, Blood Money é o irmão negro e sombrio. Não que Alice seja divergente naquela que é a sonoridade característica do músico, Blood Money é que abusa nos cenários sorumbáticos.
Não sendo essencial para a audição do disco, mas essencial para a melhor compreensão de toda a estética do disco, a peça “Woyzeck” foi originalmente escrita por Georg Buchner em 1837, e é inspirada pela história real de um soldado alemão levado à loucura por experiências médicas executdas pelo exército, e pela infidelidade da sua mulher. A história acaba com o assassinato da sua amada, lamento o spoiler. É impossível ouvir este disco e não imaginar Franz Woyzeck a perder a sua sanidade num bar mal iluminado e cheio de fumo de cigarro, enquanto Tom Waits e a sua banda arrastam a sua voz e os seus instrumentos. Talvez este cenário esteja muito sugestionado pela canção “The part you throw away” onde se ouve “In a portuguese saloon/A fly is a circling around/The room”.
Se há 20 anos “God’s away on business” foi a canção que me deixou fascinada, e cismada nas ausências divinas e quem governa durantes essas ausências (“Who are the ones that we kept in charge? / Killers, thieves, and lawyers” – será?), mais tarde foi a canção de amor “Coney Island baby” que me agarrou. Por momentos saímos do tal bar sujo e colocamos um disco na grafonola, que transforma Waits num crooner, com alma de cantor jazz e pés dançantes de valsa. Esta acaba por ser uma das canções mais luminosas do disco, quanto mais não seja pelas palavras, “When I’m with her/I’m the richest man in the town/She’s a rose/She’s a pearl/She’s the spin on my world”.
Sendo muito mais um disco conceptual do que um disco representativo da carreira de Tom Waits, Blood Money continua a ter o lugar mais importante na minha relação musical com o artista e por isso continua a ser um disco para recorrer em caso de necessidade de “colo” musical.