Tocha Pestana são uma das mais frescas encarnações do que é música portuguesa. E isto vale muito.
Na passado dia 29 de Maio de 2017, há exactamente um mês, deu-se um debate histórico na televisão portuguesa – a RTP, ainda em jeito de celebrações por ter conquistado a Europa (bem, para ser preciso foi um pouco mais, já que a Austrália também participou) de uma forma inédita através da vitória no Eurovisão da Canção, lembrou-se de trazer para a ribalta (que é como quem diz para o seu horário nobre) um tema que nos toca profundamente – a “música portuguesa”. Como sempre, foram convidados vários especialistas na matéria, de forma a ir-se ao fundo da questão. Como sempre, não se conseguiu nem começar a levantar uma pontinha do véu. Superficialidade total para inglês ver, zero substância, fellatios a torto e a direito aos manos Sobral (que, fique claro não tem culpa do que lhes aconteceu, quer dizer, se calhar um bocadinho, vá), e no fim um vazio. Não vazio total, há que admitir, houve um convidado de seu nome Ricardo Ribeiro que foi o único a contrariar a tendência fellatiana e lançou a verdadeira questão que ninguém pegou – o que é isso de “música portuguesa” que estamos para aqui a falar? É que somos um país pequeno, mas de uma diversidade riquíssima no que à música que se cá produz diz respeito. Na mouche, digo eu, caro Ricardo. Porque raio queremos enfiar num mesmo saco produtos completamente diferentes, só por serem de um mesmo país, em vez de celebrar a diversidade?
Celebremos então a diversidade da música que é feita em Portugal através de um produto chamado Tocha Pestana, a meu ver a melhor conjugação num só foco do que é a música portuguesa. A sua dedicação à causa levou-os a realmente experimentar in loco o que é a música no nosso cantinho, tendo passado um ano em concertos nos mais diversos locais; desde a festa da aldeia, à concentração motard; desde clubes urbanos como Musicbox e Plano B, a festivais independentes (Milhões Festa) e outros dedicados a bandas portuguesas (Cem Soldos). Gonçalo Tocha e Didio Pestana são indiscutivelmente pessoas curiosas, que quando querem conhecer algo atiram-se de cabeça e vão até ao limite para incorporarem em si as vivências obtidas. Também o demonstraram nas incursões feitas no cinema com “Balaou”, “A Mãe e o Mar” e sobretudo com a experiência de imersão total que nos tornou a todos um pouco corvinos, “É na Terra, não é na Lua”.
Mas voltemos à música. TopFlop é o segundo álbum da banda que se propõe a “unir circuitos separados, entre o popular e a elite.” Fá-lo através da recuperação de uma fórmula de outra grande banda portuguesa, os Repórter Estrábico, conjugando guitarra e sintetizador, sendo o ritmo a força motora da canção, umas vezes com uma batida mais electrónica, outras mais rock. Importa recordar que os Repórter Estrábico passaram uma década a ser praticamente desconhecidos do público, sobrevivendo como um fenómeno de culto, com seguidores fiéis e dedicados. Passaram anos e praticamente nada mudou, em 2017 também não basta fazer música pertinente para se ser escutado. E não é com vitórias em festivais Eurovisão que vamos lá, é preciso haver vontade dos meios em divulgar a excelente música que se faz em Portugal, com programas a isso dedicados, com educação nas escolas, mostrando toda a maravilhosa diversidade que acima falei, e que, reforço agora, vai desde o cante alentejano, à música pimba, ao rock, ao metal, ao fado. Há espaço para todos. Felizmente vai haver sempre um público que percebe para lá do que se lhes põe à frente.
“Eu Sou Visão” é pop perfeita, “Furacão” parece que leva tudo à frente, “Baile Minimal” ironiza os after-hours techno (“A noite não dá troco/sabe a pouco”). Tudo envolto com referências de bailes populares e às noitadas nas cidades e nas discotecas de terra, à excessiva utilização de estrangeirismos na nossa forma de falar, em purpurina e brilhantes, sempre com a ironia que tão bem caracteriza a alma portuguesa (e não só a saudade, a eterna saudade dos fados). É ouvir e saudar a existência de projectos que são sérios e merecem atenção.