Quando em 2009, os Faith No More incendiavam o palco principal do Sudoeste, o Giro Flor Caveira juntava Samuel Úria, João Coração, Tiago Guillul e os Pontos Negros num palco secundário do festival, perante um público atento de amigos e familiares e alguns curiosos. A minha embirração com Samuel Úria e a sua postura de estrela de rock pedante nascia nesse instante. Tinha rapidamente traçado-lhe um perfil e sabia que facilmente não me deixaria fascinar pela sua música.
É pois do fim desta embirração crónica (não fosse eu ter cedido a contínuas recomendações felizes para finalmente dar ouvido ao novo álbum “O Grande Medo do Pequeno Mundo”, lançado no mês passado, eu ainda estaria revestida da minha imunidade) e do início a uma rendição profunda que quero falar. Não foi preciso muito para perceber o quanto eu estava errada.
O músico parece navegar cada vez mais seguro nas suas composições, com arranjos delicados a acompanhar a guitarra. Para elevar a qualidade do álbum, Samuel Úria tem a seu cargo um elenco de luxo, que conta com as vozes de Márcia, António Zambujo ou Gonçalo Gonçalves, o conhecido alter-ego de Gonçalo Tocha. Se em faixas como ‘O Forasteiro’ e a história honrada de ‘Armelim de Jesus’, reconhecemos o registo familiar do músico, no ‘Deserto’ (com Jorge Rivotti) somos embalados pela coreografia da sua guitarra e palavras ternas que ambos nos sussurram. Em ‘Lenço Enxuto’, o encaixe perfeito das vozes de Samuel e Manuel Cruz mostram como também perfeito pode ser o português cantado, se os acordes souberem acompanhar as letras e as letras o coração.
Por isso, da inversão do processo de antipatia para a surpresa da minha rendição profunda, resta apenas esperar que este grande medo se torne pequeno no grande mundo de Samuel Úria.