Em Drunk, Thundercat compacta a fragilidade humana em 23 canções. Na companhia de amigos, como Kendrick Lamar e Pharrel Williams, o virtuoso baixista mostra como a neo-soul soa amarga quando não fala de amor.
Associar discos e géneros a estados de espírito é uma pratica comum. A soul music soa a quê? Na voz de Marvin Gaye, e na generalidade dos colegas da Motown, a sexo suado. Na groove de Earth Wind and Fire, a alegria soalheira e dançante. No baixo de Stephen Bruner (a.k.a Thundercat), melancolia do peso das vicissitudes da vida.
Soul ácido, que está mais próximo de Roy Ayers que de Pharaoh Sanders, e repetitivo, que comprime improvisações de alta intensidade (“Uh Uh”) sobre melodias slow tempo. Tudo isto em canções com menos de dois minutos e meio.
Thundercat criou a sua fórmula ácida ainda antes da sua carreira a solo, enquanto baixista de Erykah Badu em New Amerykah Part One (4th World War) e de Flying Lotus em Cosmogramma. Mais tarde, ao entrar para a Brainfeeder (editora de Flying Lotus), o baixista criou amizades com o rapper Kendrick Lamar e o saxofonista Kamasi Washington, que o empurraram para o lado mais jazzy e progressivo da neo-soul, onde a complexidade solista do jazz poderiam conviver numa canção de Barry White.
Ao terceiro disco, Thundercat insiste em não mudar de registo – mas expõe tiques que ganhou em 2015, o seu grande ano musical. Além de ter sido um dos génios por detrás do disco do ano (To Pimp a Butterfly de Kendrick Lamar), Bruner tocou em The Epic, de Kamasi Washington. Nesse ano, gravou apenas um EP, The Beyond/Where The Giants Roam, que aglomera canções escritas em anos anteriores.
Liricamente, tornou-se menos filósofo e mais urbano, talvez por culpa de Lamar, que participa em “Walk on By”. Ao contrário do que fora feito nos dois primeiros discos, que abordavam a morte do músico e amigo Austin Peralta, Thundercat canta sobre a vida, maquinal mas labiríntica. “Comb your beard, brush your teeth … beat your meat, go to sleep”, canta em “Captain Stupido”.
Enquanto contador de histórias, Thundercat continua o seu fascínio pelo macabro e o estranho. Um dos exemplos está em “Tokyo”, quanto usa a sua adoração pelo Dragon Ball Z como justificação para os excessos vividos numa viagem à capital japonesa, onde “tentou engravidar uma mulher” por “ser psicótico”. “I went to the dentist and he gave me a toy / It was Dragon Ball Z, a wrist-slap bracelet / Goku fucking ruined me”, canta.
Drunk, sem ter refrões ou canções marcantes, é mais maduro que os antecessores, nem que seja pelo facto de Thundercat ter aprendido a contar histórias. É um disco pós-fama, pós-Kamasi e pós-Kendrick, que explora a decadência da vida. Contudo, é um disco de um baixista que continua a conseguir pôr o seu instrumento ao serviço da canção, melosa e cheio de alma, sem dispensar da complexidade desconstrutiva do jazz. Tal como Thundercat nos tem habituado desde 2011.