New Adventures In Hi-Fi, de 1996, é de facto um álbum aventuroso, como o título sugere, mas sem grandes alterações drásticas no som base dos R.E.M. É uma aventura, sim, mas na forma como foi concebido e executado, para além de toda a bagagem emocional que carrega, fruto do sucesso global que entretanto a banda atingira.
Para escrever sobre este disco é preciso recordar Green de 1988, o disco que levou os R.E.M. em digressão, a última até à tournée de Monster, de 1994. E para falar de Monster é preciso recuperar a surpresa comercial de Out Of Time, que depois encaminhou o grupo para Automatic For The People.
Todos estes discos estão interligados e todos são necessários para perceber o momento em que a banda se encontrava no processo de gravação de New Adventures In Hi-Fi.
Mas acaba por ser Monster o grande catalisador das emoções que encontramos em New Adventures…. Em 1994, Monster era o tão aguardado álbum rock que os R.E.M. prometeram anos antes. Mas o sucesso inesperado de Out Of Time com temas como “Losing My Religion” ou “Shiny Happy People” a cruzarem diferentes públicos, bem para lá do circuito independente, transformou o colectivo e a abordagem em estúdio. E quando os músicos quiseram atirar-se a um conjunto de canções mais rock, mais intensas e com distorção, o que lhes saiu foram os temas mais lentos e taciturnos que viriam a dar origem a Automatic For The People, uma resposta emocional ao grande sucesso comercial que os R.E.M. atingiram, depois de vários anos como banda de êxito relativo, mais próxima das franjas alternativas. Hoje é fácil olhar para trás e perceber como o grupo foi um dos nomes cruciais para a evolução do punk para o rock alternativo em território norte-americano, mas na época, tudo acontecia de forma natural, até ao enorme estalo que foi Out Of Time.
Mas esses últimos discos, pela emoção dos temas ou sua complexidade, acabaram por afastar os R.E.M. dos palcos durante vários anos. A certeza do regresso chegou quando finalmente se decidiram a gravar o esperado álbum rock. As distorções lá surgiram, mas o peso das canções foi também atingido com grande emoção e perda. Durante o processo de gravação de Monster, Michael Stipe perdeu dois amigos, River Phoenix e Kurt Cobain. A resposta às suas mortas surgiu nas canções de Monster e na digressão turbulenta que se seguiu, só para tornar a história ainda mais empolgante.
Já com o álbum Monster nas lojas e a estrear-se em primeiro lugar do top da Billboard, os R.E.M. fizeram-se à estrada em Janeiro de 1995 com concertos esgotados na Austrália e Japão e mais tarde Europa e Estados Unidos. Nas primeiras partes chegaram a contar por exemplo com os Sonic Youth e Radiohead.
Mas a digressão, foi marcada por uma série de graves problemas. A 1 de Março, durante um concerto na Suíça, o baterista Bill Berry cai em palco, após um aneurisma cerebral. É levado para o hospital e operado imediatamente. Demorou um mês a recuperar. Pouco depois, em Julho, o baixista Mike Mills também parou para ser operado aos intestinos e em Agosto foi a vez de Michael Stipe travar mais uma vez a digressão de Monster. Também foi submetido a cirurgia devido a uma hérnia. Mas apesar de todos os obstáculos que assolaram a banda, os R.E.M. conseguiram compor música nova na estrada e até gravá-la. Decidiram transportar um gravador de 8 pistas para a tournée e dessa forma captarem as músicas durante os soundchecks antes dos concertos. E é assim que nasce grande parte do álbum New Adventures in Hi-Fi, que contou apenas com 4 músicas gravadas em estúdio após o final da digressão.
Em várias entrevistas, os R.E.M. assumem que se inspiraram um pouco no processo de The Bends dos Radiohead, com quem andaram em digressão, em que as pistas base das músicas daquele disco, foram captadas em digressão.
E a ideia era não só experimentar algo de diferente, mas também tentar captar os R.E.M. mais relaxados, não tão rígidos como acontece em estúdio.
É precisamente por terem gravado grande parte do disco na estrada, que para além dos quatro R.E.M., também surgem creditados os músicos que acompanharam o grupo nos concertos, como Nathan December, Scott Maccaughey e Andy Carlson.
Após o fim da digressão de Monster, os R.E.M. entraram em estúdios, nos Bad Animals Studio e com o produtor habitual, Scott Litt, começaram a misturar uma verdadeira manta de retalhos, as fitas de 8 pistas com os temas captados em vários locais pelos Estados Unidos. Aproveitaram ainda para gravar mais quatro faixas: “How The West Was Won And Where It Got Us”, “E Bow The Letter”, com a participação de Patti Smith, “Be Mine” e “New Test Leper”.
Concluído o processo, termina um capítulo de verdadeira aventura sónica dos R.E.M., numa abordagem fora do habitual ao processo de gravação, mas que deu origem a um disco com muitas dinâmicas que adornadas pela poesia de Michael Stipe, revelam um conjunto de canções que vive da estrada, dos espaços abertos dos E.U.A., das paisagens em constante mudança, num pano de fundo do enorme teatro emocional que foi chegar até este momento no percurso do grupo.
E de certa forma, New Adventures in Hi-Fi de 1996 encerra um capítulo dos R.E.M., abrindo outro logo a seguir e que de certa forma lança as bases do princípio do fim.
New Adventures… acaba por ser o último disco a contar com o baterista Bill Berry. E numa formação que nunca sofreu alterações, este foi um golpe duro.
Em Abril de 1997 os R.E.M. começaram a gravar as primeiras demos do álbum seguinte. Mas durante as sessões, Bill Berry revelou que já não queria continuar. Após o aneurisma em plena digressão, Berry sentiu que estava na hora de terminar a carreira como músico. Mas só desistiu depois dos três companheiros de banda assegurarem que iriam continuar sem ele. E assim aconteceu a grande reinvenção dos R.E.M., quando seguiram para o álbum Up, marcado pela inclusão de vários elementos electrónicos.
No fim deste relato, olhamos para New Adventures in Hi-Fi como a grande encruzilhada dos R.E.M., o momento para onde os álbuns anteriores pareceram caminhar e donde se lançam novos rumos, novas aventuras, que apesar do sucesso comercial, já anunciam claramente a recta final do percurso do grupo.