Será essa tal de Tower of Song, que Leonard Cohen diz habitar, uma Torre da Babilónia em reverso, erigida terra abaixo? Ninguém partilha a mesma língua no mundo-verso do cantautor: o desentendimento, a ausência de semelhança, a assimetria e a incompreensão são as suas marcas de água. As interacções são plurais mas distantes, tudo o que brilha é fogo-fátuo, Deus é dissimulado, tão ou mais perdido que nós. Então o que significaria para o bardo ser acamado em lençóis de cetim, numa ambiência de R&B noctívago, suspirante, à luz das velas, de calafrios e de ronronares femininos repleto? O sexo sempre foi labiríntico e melodramático para Cohen, tanto das Pandoras como das surpresas a caixa que abriria em par. Não faz excepção à regra o inteiramente co-produzido e co-escrito pela colaboradora Sharon Robinson Recent Songs (2001), em especial “A Thousand Kisses Deep”. O sexo surge aqui como uma falhada arma contra o abismo, a frívola e infrutífera fuga tentada antes da “infalível derrota” comum a todos nós (leia-se: a consciencialização do total descontrolo sobre as nossas próprias vidas). Confinado aos limites do seu próprio escape, entende na sua incessante procura de mais, não saciada, o inevitável confronto com a crueza da realidade destinada e aceita, por fim, conformar-se e ser destruído, inundado por milhares de beijos. E assim, no mais romântico dos versos, na mais sedosa das texturas, um cantor cai, ascendendo na torre da canção. Será o inferno apenas um espelho?
“A Thousand Kisses Deep” – Leonard Cohen
