Slap bass, acordes jazzísticos. Letras indiscutíveis, imperscrutáveis, ininteligíveis – haverá aqui grande poder metafórico quando Leonard afirma do sangue ser margarina mais densa que gordura? Ou o poeta ser “louco por carne de tartaruga”? Deduz-se que, muito provavelmente, não; não obstante é esta canção uma excepção singular pela sua plasticidade e efeméride lírica: na obra ó tão literária, multi-referencial e metafórica de Cohen, “Jazz Police” é um homicídio, um cadáver fresco ignorado numa rua atarefada de Nova Iorque. Na reinvenção sónica (sintetizadores, drum machines, batidas dançantes) da sua obra-prima cosmopolita I’m Your Man (1988), onde figuram picos de verve criativa na frente poética como “Tower Of Song”, “First We Take Manhattan” ou “Take This Waltz”, “Jazz Police” é o crime dos crimes, um exercício puramente musical, toda a analogia, hipérbole, verso subversivo e parábola contidos num par de pautas musicais. Pulsante e irrequieta, é um retrato bamboleante e hiperactivo da insónia em forma de cidade. A canção configura-se como um bastardo mal-amado, antagónico por nascença, demasiado frívolo e dançante aos olhos dos ouvintes subitamente tornados puristas assim que é posto em marcha o deboche citadino e über-desenvergonhado. Haverá talvez alguma consciência por parte de Cohen desta afronta em 6 minutos, quando afirma que a tal de jazz police é financiada por um dos primeiros magnatas bilionários a sê-lo, J. Paul Getty, e os jazzers pagos pelo seu filho, bilionário-por-herença, J. Paul Getty II: ninguém gosta de ser um bastardo, ninguém gosta de ficar por baixo. Mas há algo de repulsivamente atraente em ser orgulhoso quando não há motivos de orgulho. E não é esse o mais Cohenesco dos sentimentos?
“Jazz Police” – Leonard Cohen
