Último capítulo da santíssima trindade, First Impressions Of Earth é o álbum em que os Strokes assumem com clareza o lugar no pedestal onde foram colocados.
Quando foram gravar o seu terceiro álbum, os Strokes já estavam conscientes do que tinha acontecido. Cinco anos antes, talvez sem darem conta e definitivamente sem terem essa intenção, lançaram um disco, singelo, que veio mudar as regras do jogo, criar um novo padrão e, claro, salvar o rock.
Mas isso aconteceu no meio de um turbilhão bem maior que a música, Is This It saiu pouco depois do 11 de Setembro e todo o mundo estava atordoado e desnorteado. O segundo disco saiu em 2003 e, embora já tivessem noção do estrondo que tinham causado com o disco anterior, mantiveram em Room On Fire todas as mesmas fórmulas (na música) e a mesma atitude (fora dela).
Quando lançaram o primeiro disco foram parar ao mais sagrado altar, foram eleitos por público e crítica como Messias e, sim, com toda a razão de quem elegeu e todo o mérito de quem lançou um disco tão completamente fundamental. Porém, mesmo ao segundo disco, ainda surgiram com aquela postura dos miúdos que só querem fazer bom rock’n’roll e não estão aqui para salvar ninguém.
Só que em 2005, quando passaram o ano inteiro a compor e gravar as canções para o terceiro álbum, os Strokes já olhavam para as coisas de outra forma. Primeiro, estavam mais velhos (mais perto dos 30 do que dos 20), depois a poeira já tinha assentado: já tinham nascido as centenas de bandas de quem eles foram autores morais, o movimento indie rock já estava disseminado, já toda a gente seguia os ensinamentos de Is This It.
Então assumiram o lugar no pedestal para onde foram atirados e jogaram de acordo com essa condição. E quando, em Janeiro de 2006, é editado First Impressions Of Earth, os Strokes são a maior banda do mundo. Pode não ter durado muito mas a relação qualidade-credibilidade-impacto garantiu-lhes esse estatuto global.
Mantiveram tudo o que nos fez apaixonar por eles – as melodias e harmonias, a energia rock – mas apuraram um pouco mais a técnica. Já não foi tudo captado ao primeiro take e houve maior cuidado. Por oposição ao registo propositadamente sujo quase lo-fi dos primeiros dois álbuns (que podem ser considerados irmãos gémeos, tipo Kid A+Amnesiac), First Impressions Of Earth foi depurado e tudo é mais limpo, principalmente a voz de Casablancas, que deixa de estar meio escondida atrás de efeitos de microfone e surge mais cristalina.
Teve culpa nisto o produtor, David Khane, que apesar de ter um passado punk teve cargos de administração de algumas grandes editoras. Gordon Raphael, que produziu os primeiros dois álbuns, é mais da cultura underground ao passo que Khane está habituado a um patamar mais alto (produziu, por exemplo, discos de Paul McCartney, Tony Bennet, Bangles ou Sublime).
Mas não é por ser mais polido e arrumado que tem menos energia. Pelo contrário, este álbum é bem mais pesado que os anteriores.”Juicebox”, “Heart in a Cage“, “Vision of Division”, “Ize of the World” ou “Electricityscape” são músicas que mostram que os Strokes agora já levam o rock mais a sério, com maior envergadura.
“You Only Live Once” e “Razorblade” mantém o equilíbrio com os discos anteriores. “Ask me Anything” e “Evening Sun” lembram-nos que os Strokes também conseguem encantar mesmo com baixas rotações.
First Impressions Of Earth foi o disco que concluiu a santíssima trindade, sagrada trilogia, tríade miraculosa, chame-se-lhe o que se quiser. Mas a sequência de três primeiros discos dos Strokes é intocável, indiscutível, incontornável, devia ser considerada Património mundial da Humanidade.
O que se passou depois, o rumo da banda e dos seus membros nas carreiras a solo, já pode ser mais discutível, mas estes três são todos discos nota 10. Pela época em que surgiram, pelo impacto que tiveram e pelos moldes que criaram, os Strokes garantiram assim o seu lugar no Olimpo.