O EDP Cool Jazz entrou com o pé esquerdo, equilibrou-se e acabou triunfante, aos pulos. O retrato do que aconteceu na primeira noite do evento fez lembrar a expressão popular do oito ao oitenta.
Foi ontem, o primeiro dia a sério da décima sexta edição do EDP Cool Jazz. O Altamont lá rumou até Cascais para ver e ouvir The Roots, a principal banda da noite. Neste verão tímido e insípido, ouvir boa música naquela bonita vila e no bonito espaço do Festival, sempre foi uma forma de aquecer a alma e o corpo. A temperatura nem sempre sabe ser amiga e boa companhia, mas ontem portou-se lindamente, embora este ano, pelo que se vai vendo, estejamos entregues ao cinzentismo da meteorologia. Que nos salve a música, ao menos.
O que dizer sobre os The Roots, sobretudo para quem pouco deles ouviu falar, nunca lhes ouviu um simples minuto musical, nem lhes conhece sequer a existência? A resposta curta, para não maçar muito, é que existem desde finais dos anos oitenta, fundem soul com jazz, mas é num certo tipo de hip hop mais alternativo que melhor se enquadram. Mais ainda, para lembrar tempos recentes: são a banda “privada” dos programas de Jimmy Fallon (primeiramente no Late Night e agora no The Tonight Show), e gravaram em 2013 o ótimo Wise Up Ghost como banda de suporte do disco do mítico Elvis Costello. Cartão de apresentação não lhes falta e, a par do que referimos, contam ainda com larga e interessante discografia sempre bem recebida pela crítica especializada. Nada mau, convenhamos.
Esteve enguiçado o concerto dos HMB. Segundos após começarem a atuar, o som falhou. Dez minutos depois, nova tentativa, o mesmo insucesso. Num festival EDP, não deixa de haver uma certa dose de ironia. Resultado: ao terceiro “apagão”, a banda portuguesa bateu o pé, e foi embora. Não houve concerto. Nunca tínhamos assistido a nada assim. Enfim, problemas técnicos a ditar o desfecho.
Depois de alguma espera, a informação esperada: tudo estava resolvido. Os The Roots começaram com algum atraso, mas em força. Os homens de Filadélfia foram autoritários logo à entrada: “Get up”, ordenou Black Thought, e assim foi. Toda a gente de pé a “sentir” o ritmo. O rap com conotações mais free, mais jazzísticas, mais soul, reinou na noite de Cascais. A magia negra dos sons afro americanos tem o seu encanto, sobretudo quando rompem barreiras mais estereotipadas e avançam com um groove mais solto e mais livre. Quando são festivos, tornam-se maiores. Excelente secção de sopros, excelente e poderoso baixo, essenciais para a grande party que se fez em palco e no extenso relvado do Hipódromo Manuel Possolo, bem preenchido de gente. Muito “clap your hands, everybody”, muita interação com o público, animação em boa dose. Alguns momentos mais mornos, a avaliar pela reação de algumas franjas de público, mas nos momentos mais disco (sim, também ou houve) as ancas não resistiam.
Os The Roots, como dissemos, têm muitos anos de rodagem, muita estrada feita e são executantes de prestígio. É claro que a projeção das televisões do mundo inteiro deram-lhes o boost decisivo para a afirmação global. Ontem, na pacata e cada vez mais turística vila de Cascais, no quase extremo ocidental da Europa, ouviu-se o som do “mundo global”, cada vez mais dado a fusões, a miscigenações sonoras e rítmicas. “Soul power! Power to the people!”. A noite estava ganha!
Foi com estes gritos repetidos várias vezes por Black Thought que acabou a atuação dos The Roots, duas horas depois do começo do concerto. Do apagão inicial já ninguém tinha memória. Antes assim.
Fotografias cedidas pela organização