Quem, nos idos de 2006, conheceu a música dos Horrors, jovens punks, certamente terá ficado impressionado com o rumo que a banda seguiu para o segundo disco, e consequentemente, para o terceiro. Skying é uma pequena pérola shoegaze, a puxar para um neo-psicadelismo, distante do krautrock-punk que apresentaram ao público em Strange House, o álbum de estreia. A evolução dos britânicos granjeou-lhes um maior reconhecimento da crítica internacional, e atuações em alguns dos maiores festivais de música (Paredes de Coura e Super Bock Super Rock incluídos) a nível mundial.
A banda, formada nos inícios dos anos 2000, lançou, em 2011 o álbum que lhes valeu vários prémios, entre os quais o de Melhor Álbum de 2011, nos NME Awards, na entrega dos quais tocaram o tema “Still Life” com a cantora Florence Welch, dos também britânicos Florence + the Machine.
Mas vamos por partes: o que fará destes 54 minutos de música um disco merecedor de tantas críticas positivas?
Neste álbum, os Horrors parecem querer contar uma história ao ouvinte. Escutar Skying é como cair na tempestade de “Changing The Rain”, ser arrastado para uma praia deserta em “Endless Blue” e “Still Life”, transportar-mo-nos para o limbo incompreensível de “Wild Eyed”, ser salvo por uma tal de “Monica Gems”, e morrer num oceano em chamas.
O disco, que recolhe influências pós-punk que variam entre os Chameleons, Tears for Fears e música pop dos anos 60, concentra uma prova do enorme talento que os Horrors têm para criar atmosferas particulares, servindo-se apenas dos seus instrumentos, e pedais construídos pelo guitarrista Joshua Hayward (de um dos quais, curiosamente, provém o nome do disco, Skying), que os ajuda a alcançar um som mais único, fazendo as melodias alternar entre bases seguras de riffs e linhas de órgão tão belissimamente tocadas por Tom Cowan, e distorções desfocadas do som original.
Skying abre com a saudosa “Changing the Rain”, e assim encalhamos nós nesta tempestade de sintetizadores que se misturam numa atmosfera impressionista, que se desenrola até chegarmos à segunda faixa: “You Said”. Nesta, a voz de Faris Badwan ecoa, prolongando-se vagarosamente sobre um instrumental que faria corar uns Chameleons em início de carreira. No crescendo inicial de “I Can See Through You”, com uma simples mas potente linha de baixo e guitarras indistintas, encontramos umas reminiscências dos Horrors de “Who Can Say”, de Primary Colours. Em “Endless Blue”, temos uma introdução mole e preguiçosa, que parece não querer desarredar pé de onde se encontra, mas logo explode numa sonoridade impecável, onde, mais uma vez, a voz de Faris se estende e perdura como um fantasma, pela duração do tema. “Dive In” aparece-nos com instrumentais que se esticam até ao limite do impossível, num drama chuvoso, onde o vocalista se lamenta metaforicamente. O single de apresentação do álbum, “Still Life”, aparece num neo-psicadelismo, que lânguidamente repousa sobre a conjugação dos instrumentos da banda, completa com o vocalista que suavemente promete “When you wake up, you will find me”. Chegamos a “Wild Eyed”, uma minimalista repetição de sintetizadores, na qual Faris Badwan murmura, a voz impregnada de reverbs, conferindo assim um tom ligeiramente nostálgico ao tema em questão. “Moving Further Away” chega, sorrateira, e no seu loop infindável (ou melhor, de oito minutos), onde ouvimos os fantasmas dos Orchestral Manoeuvres in the Dark e dos Can, os quais pairam sobre os Horrors desde o início da carreira destes. Neste hipnótico tema, temos a banda em perfeita sintonia, com os habituais reverbs arenosos na guitarra e sintetizadores estelares, que facilmente nos transportariam para outra dimensão. Para nos tirar do torpor final de “Moving Further Away”, chega, rápida, “Monica Gems”, com guitarras a guerrilhar com teclados, e os “ooh” e “aah” de Faris, constituindo-se, assim, um tema que acena ligeiramente a Suede, com coros que nos dizem, como que condescendentes, que estamos apenas a perder o tempo com Monica Gems. Será irónico? Quero pensar que sim, pois esta música não será, de modo algum, uma perda de tempo. E no fim, temos o nevoeiro de “Oceans Burning”, a música que fecha Skying. Este suave tema, no qual o vocalista nos lentamente diz “It’s a joy, to know you’re waiting here”, como quem confessa todo o seu amor, repousa em camadas de som, elegantemente fracturadas, que, mais uma vez, prolongadas com reverbs indescritíveis, irrompe, fulminante, numa batalha proporcionada pelos sintetizadores e guitarras, sempre em combate.
Skying é um óptimo disco. Bebendo as suas influências, os Horrors conseguem distorcê-las e tornar-se maiores do que já eram, mostrando as suas capacidades de alcançar mais longe do que o inicial. Para 2014 já prometeram um disco novo, e com base nas novas músicas, a banda parece estar a evoluir, mantendo o seu carácter neo-psicadélico com um pé no shoegaze. No entretanto, podemos apenas contentar-nos com este disco, e cismar com o horizonte de possibilidades abertas com ele.