Se os __________ (inserir aqui nome de banda) não existissem, parte da música que ouvimos talvez nem existiria como a conhecemos.
Existem bandas que ocupam, sem grande margem para argumentos contrários, o espaço em branco acima. Uma dessas bandas são os Swans. Ainda hoje, quando ouvimos um trabalho novo deles, dificilmente dizemos que Swans se parece com alguma coisa que tenhamos ouvido, mas certamente nos cruzamos com muitas bandas e artistas que têm um quê de Swans pelo meio. Não que os Swans tenham criado um género sozinhos, mas, como nenhuma outra banda, levaram-no a um patamar a que poucos conseguem chegar; mais do que isso, permanecerem e afirmarem-se de forma incontestável.
Em 2010, Michael Gira recriou os Swans com o avassalador My Father Will Guide Me up A Rope to the Sky (que, já agora, é um dos mais brilhantes títulos de que me consigo lembrar), e com este álbum levou a banda numa digressão de ano e meio. Mais de 10 anos depois de ter dado o projecto como terminado, esta digressão provou que os Swans tinham ganho um enorme respeito do público. Independentemente do tempo que passara desde Soundtracks for the Blind (1996) e do modo como a música e a indústria se apresentavam, o legado dos Swans era imenso, e Michael Gira uma das figuras mais influentes do género.
Entre trabalhos ao vivo e The Seer (2012), os Swans chegaram a 2014 e atiraram-nos para o colo To Be Kind, duplo, mais de 120 minutos, um exercício difícil que nos empurra para o limite do desconforto, mas que é, a espaços, apaziguador dessa sensação. Falar de To Be Kind como um trabalho regular é diminuí-lo, analisá-lo faixa a faixa seria tratá-lo injustamente. Ainda assim, saliento «Bring the Sun / Toussaint L’ouverture», onde somos arrastados aos tombos sem misericórdia, qual Heitor arrastado por Aquiles, com as devidas diferenças entre vida e morte. Tudo neste trabalho se conjuga de forma cuidada e brilhante, a presença de convidadas como Little Annie ou St. Vincent equilibra-se na perfeição com as deambulações de Gira, que, a bem da verdade, tem uma presença xamânica, hipnotizando tudo o que respira por onde passa.
Há mais além da música em To Be Kind. Estamos perante uma obra que passa a fronteira dos álbuns que ouvimos e que se consagra como mais que isso. O que os Swans conceberam foi um exercício de performance duro, em momentos violento até, uma enorme corrida de resistência, e quando pensamos que estamos a superar a prova, os Swans esticam mais a corda, mexem com a nossa cabeça, mexem com o nosso estômago, mexem com os nossos limites.
O que é importante na arte não é que seja bela, é que mexa connosco, e mexer connosco também é deixar-nos desconfortáveis e querer, estranhamente, fazer o caminho que nos é proposto nesse desconforto. E, quando o fim se aproxima (e o fim, sabemos, é igual para todos, é o silêncio), os Swans mexem mais connosco e descarregam em nós como ainda não tinham feito, com tudo a pisar o risco, algo que em palco ultrapassa os níveis do demolidor. Mais um ano, mais um disco para os Swans nos lugares de topo das nossas listas de fim de ano.