Os Swans aterraram em Portugal para a primeira de três noites e submeteram a Culturgest ao seu brutalismo líquido.
Passou-se demasiado tempo desde o último concerto dos Swans em Portugal. Por causa da pandemia, o mundo ficou sem saber a que é que leaving meaning. soaria ao vivo. Agora, com The Beggar já no horizonte, o público lisboeta ficou a saber o que mudou desde a última vez que os Swans nos pulverizaram o esqueleto. Ao início, um concerto de Swans numa sala com cadeiras pode parecer inapropriado a uma experiência tão enérgica e física. Mas é preciso lembrar que uma pessoa não experiencia um concerto de Swans; uma pessoa é submetida a um concerto de Swans e, à medida que o set de duas horas foi progredindo, a ideia começou a fazer mais e mais sentido.
Norman Westberg, antigo guitarrista da banda, abriu as hostilidades com um concerto de música ambiente que serviu de bálsamo para o que viria a seguir. Munido de uma guitarra elétrica e uma mesinha com alguns pedais, Westberg envolveu a sala da Culturgest com uma enchente de drones e ressonâncias difusas, por vezes interrompidas por um lick mais bluesy. Uma espécie de americana hipnagógica, como se os KLF tivessem adaptado o blues rural dos Estados Unidos para o chill out room da rave.
Após um breve intervalo de quinze minutos, Michael Gira e companhia emergiram das sombras. Empunhando uma guitarra acústica, Gira sentou-se e, com a acidez que caracteriza a sua reputação, criticou o facto de as luzes do palco ainda estarem acesas, um problema que o acompanharia durante a primeira meia hora do concerto. “The Beggar” faixa-título do novo disco, é Swans em estado puro. Um acorde insistente serve de âncora durante a música que, com as invocações xamânicas de Gira, vai fervilhando com maior e maior intensidade até este martelar o ar com a sua mão indicando uma explosão de som por parte da banda. A substituição de uma guitarra elétrica por uma acústica não implica a menor perda de intensidade e não haverá grupo que melhor fará esse argumento do que este.
Seguiu-se “The Hanging Man”, uma das melhores músicas de leaving meaning. cuja atmosfera paranóica é ampliada pela performance de Christopher Pravdica que martelou a linha de baixo com a sofreguidão que a canção pede. De igual modo, Gira vociferava e gesticulava em agonia nos momentos em que não dirigia o resto da banda. Mas é em “Ebbing” que o brutalismo líquido dos Swans se torna evidente: o baterista Phil Puleo sai da bateria e, com apenas um guizo e o prato de choque, leva a banda por ondulações de energia pura que justificam a distribuição de tampões para os ouvidos à porta do concerto. Mais para o fim, talvez para dar descanso ao público e à própria banda, o grupo tocou “No More of This”, uma canção meditativa onde a guitarra acústica, pela única vez no concerto, foi tocada num registo quase folk enquanto Michael Gira cantava o título da música vezes sem conta
No final, ouviu-se “Cloud of Unknowing” uma presença constante nas últimas digressões. A canção enfatiza o papel importantíssimo de Kristof Hahn na banda. A sua guitarra lap steel é um autêntico gerador de atmosferas fantasmagóricas e muito do drama e majestade dos Swans passa pela maneira como o músico toma as rédeas do grupo, controlando ao lado de Gira, as erupções ou desmoronamentos de cada música.
É difícil adjetivar uma performance de Swans. Palavras como transcendente, religiosa ou brutal são lugares comuns que não fazem justiça à intensidade do concerto. Nas caras do público que lentamente foi abandonando a sala da Culturgest, o cansaço e entorpecimento eram palpáveis. Lentamente, foram-se acercando da mesa do merchandising, e a atmosfera ficou mais festiva, toda a gente segura de que se assistiu a um concerto ímpar.
Setlist:
- The Beggar
- The Hanging Man
- Ebbing
- The Memorious
- Cathedrals of Heaven
- No More of This
- Leaving Meaning/Cloud of Unknowing/Birthing
Fotografias cedidas por Vera Marmelo.