Down on the Upside é o final feliz de uma bonita história, qual princípe e princesa a cavalgar em direcção ao pôr-do-sol. Ou então não.
Comecemos pelo meu ódio de estimação ao termo/expressão/rótulo grunge – é absolutamente rídiculo terem colocado num mesmo saco bandas com sonoridades tão diferentes só porque eram de uma mesma cidade. É essencial ver-se o documentário Hype! para se perceber isto mesmo, a forma como o termo foi gozado pelos próprios “actores” do enredo, como foi criado por alguém exterior para mais facilmente poder vender a coisa. No final desse mesmo filme, Eddie Vedder aparece a dizer que “a tragédia seria se nada se mudasse depois disto tudo”, sendo o “disto” a bomba que explodiu para todos os lados – o suícidio de Kurt Cobain, pondo a descoberto tudo o que estava errado com a exploração de pessoas pela indústria musical. Temo dizer que hoje, olhando para trás, de facto houve mudanças. Também temo dizer que essas mudanças terão sido para pior, já que:
- MTV optou por renegar o seu nome próprio e transformou-se em mais um canal de reality shows;
- Indústria musical continua a explorar artistas, cobrando preços elevadíssimos pelos seus produtos físicos, e assim levando a que sofram as naturais consequências de opção por meios mais baratos ou mesmo grátis para se ouvir música;
- A herança do rock que já vinha do tempo dos Led Zeppelin, com várias ramificações pelo meio entre as quais as bandas de Seattle, está hoje amorfa e domesticada;
- A grande maioria dos ouvintes estão, também eles, domesticados, a ouvir o que se lhes põe na frente, com pouco exercício crítico sobre a qualidade das mesmas.
Ou seja, todos ficaram a perder. Resta-nos a música e a nostalgia desses tempos, de ir para as lojas nos dias de lançamento para comprar o CD, chegar a casa e ouvir vezes sem conta, gravar para cassette para podermos levar no walkmen, incluir aquela e a outra música numa mixtape perfeita.
Em 1996, quando é lançado Down on the Upside, já o mundo era outro. O quinto álbum dos Soundgarden carrega o peso de ser o último de uma era, o capítulo final desta bonita história de um tempo em que o rock reinou sobre o planeta Terra, desde as tundras do Alasca aos deserto da Austrália, desde o topo do Monte Fuji às correntes impossíveis do Estreito de Magalhães. Os Soundgarden acabaram por ser a única banda que nasceu na Seattle desconhecida, perdida no nordeste americano, e como Soundgarden se manteve até ao fim, para cantar “Vitória, vitória, acabou-se esta história”, em forma de “Boot Camp”, que encerra os 65 minutos deste disco, com as suas constantes curvas e contra-curvas, indo desde a pura tranquilidade de “Zero Chance” à insanidade de “Ty Cobb”, desde o minimalismo de “Applebite” à riqueza de textura e mudança de ritmo de “Blow Up the Outside World”, desde a aridez de deserto a que nos leva “Burden in My Hand” (impossível que é separar as imagens do videoclip da própria música) ao rock simples e eficaz de “Pretty Noose”. É um disco que demonstra a diversidade e evolução da banda desde os primórdios, produzido pelos próprios de forma a soar mais crus, mais próximos de si mesmos.
Apesar de continuarmos a ter por aí uns Pearl Jam e uns Mudhoney a lançar discos, o que é certo é que o ciclo se fechou no dia 21 de Maio de 1996, há 21 anos e uns dias. O mundo continuou a girar e os humanos por aqui ainda andam, mas é pena que não tenha sido possível aos Soundgarden mostrar por mais uns anos, por esse mundo fora (e especialmente por Portugal), a excelente banda que foram. Raios te partam Cornell.