Temple of the Dog é o elo perdido que juntou membros dos Soundgarden do que viriam a ser os Pearl Jam. Um disco fundamental para entender a explosão do grunge, poucos meses depois.
Os Temple of the Dog foram um cometa fugaz no panorama musical e merecem ser lembrados por vários motivos. Pela sua música e pelo facto de, geográfica e temporalmente, terem existido num período absolutamente crítico para a grande vaga musical dos anos 90, o grunge.
Tudo começa, como muitas grandes histórias, com uma tragédia, a morte por overdose de Andrew Wood, vocalista dos Mother Love Bone, de Seattle. Wood dividia casa com Chris Cornell, já na altura ao leme dos Soundgarden, a banda mais bem sucedida da cidade, embora sem um impacto muito relevante fora dela. Estávamos em Março de 1990, na jovem manhã de uma nova década, e Seattle fervilhava de bandas, entre elas uns Nirvana que o mundo ainda não descobrira.
Cornell voltou de uma digressão para encontrar morto o seu grande amigo. Como explicou, já em 2016, foi naturalmente atingido por uma dor extraordinária, e a forma que encontrou de a combater foi através da música. Compôs de imediato alguns temas de homenagem a Wood, e chamou para junto de si alguns membros dos Mother Love Bone, desorientados e sem a noção do que fazer a seguir. Os mais tarde famosos Stone Gossard (guitarra ritmo) e Jeff Ament (baixo) receberam a companhia de Mike McCready (guitarra solo) e Matt Cameron, baterista da banda de Cornell, os Soundgarden.
A ideia original seria fazer um single de homenagem a Wood. Depois a ideia evoluiu para um EP, mas o material que foi surgindo era tão bom e os ensaios da nova banda estavam a rolar tão bem que foi decidido que haveria um álbum. A esmagadora maioria dos temas são da autoria de Cornell, que foi buscar algumas ideias antigas que não tinha concretizado. Chegou a ponderar-se trabalhar algumas maquetas deixadas pelo próprio Wood, mas o perigo de se pensar que estariam a explorar o legado do amigo fê-los abandonar essa via.
Na prática, como diz Cornell, a banda existiu por pouquíssimos meses, o tempo de sentar, aprimorar os temas e gravá-los. As sessões decorreram nos últimos meses de 1990, e contaram com dois jokers que viriam a dar muito que falar. O produtor Rick Parashar, que veio no ano seguinte a assinar o magnífico disco de estreia dos Pearl Jam, Ten; e o próprio Eddie Veder, que contribuiu com vozes em alguns dos temas.
Vedder estava em Seattle quase por coincidência. Havia viajado de San Diego para uma espécie de audição no projecto que viria a ser os Pearl Jam. Na verdade, conhecia Ament e Gosssard havia muito pouco tempo, mas rapidamente convenceu e assegurou o seu lugar. A sua participação, esparsa mas marcante, no disco de Temple of the Dog é uma coincidência feliz, e na verdade contribui para fazer do disco uma importante parte da história do grunge: foi a primeira vez que Vedder e os seus futuros companheiros gravaram juntos.
O disco dos Temple of the Dog, homónimo – e assim chamado a partir de uma letra de Wood para os Mother Love Bone – saiu para as lojas em Abril de 1991, e só teve impacto localmente. Vendeu menos de 100 mil cópias. Nessa data, já os Pearl Jam se haviam oficialmente formado, integrando quatro músicos das sessões de Temple of the Dog: Ament, Gossard, Vedder e McCready. Poucos meses depois editariam Ten, enquanto Cornell e Cameron haviam regressado aos seus compromissos com os Soundgarden. Ou seja, enquanto banda, os Temple of the Dog praticamente não existiram.
Em Agosto, os Pearl Jam editam Ten; os Nirvana metem na rua o seu Nevermind, no final de Setembro, e o resto é história:o grunge explodiu, e com ele toda a cena alternativa de Seattle que dominaria os anos seguintes da cena musical mundial.
De tal forma assim foi que a editora que lançou o ignorado disco de Temple of the Dog decidiu reeditá-lo em 1992, ao aperceber-se que tinha ali o único álbum de um supergrupo composto pelos Pearl Jam e pelos Soundgarden. Resultado: nessa segunda edição, o disco chegou a platina, e viria a vender mais de um milhão de cópias em todo o mundo.
Musicalmente, o disco é uma espécie de elo perdido entre o grunge mais pesado – que os Soundgarden praticavam – e o tom mais melódico que os Pearl Jam viriam a apresentar.
O grande destaque é naturalmente o enorme single “Hunger Strike”, com as vozes entrelaçadas de Cornell e Vedder, mas há muito mais. O arranque com “Say Hello 2 Heaven” é a dedicatória mais evidente ao malogrado Andrew Wood; temos “Call me a dog”, uma belíssima balada que não destoaria no reportório dos Mother Love Bone (que sempre oscilaram entre o rock pesado e alguns tiques remanescentes do “hair-rock” que havia dominado a década anterior); e a ainda a enérgica “Pushing Forward Back”, entre vários outros temas sempre com uma qualidade acima da média.
Com os Soundgarden e os Pearl Jam a levantarem voo, não foi possível dar seguimento aos Temple of the Dog. Pelos anos fora, foram acontecendo algumas reuniões esporádicas, até à pequena digressão americana de 2016, na qual foram tocadas músicas de outras lendas desaparecidas de Seattle, como o saudoso Layne Staley, o extraordinário vocalista original dos Alice in Chains. Como dizia Cornell ao Guardian, no ano passado: “tem a ver com o tempo e com as nossas idades. O tempo mata muitos artistas que nós ouvíamos quando éramos putos”. Mal saberia ele que, em 2017, seria a sua vez de abandonar definitivamente o palco desta vida.
Temple of the Dog, o disco, é o testemunho escrito em pedra do momento em que tudo começava a mudar. Uma homenagem a um amigo caído que lançou as pedras para o futuro. O encontro de um grupo de rapazes que iriam fazer parte da banda sonora das nossas vidas nos anos seguintes. Um disco com um som ligeiramente datado – admita-se – mas que continha as sementes do domínio global do grunge enquanto som e enquanto atitude.
Um disco incontornável, portanto.