Há vida depois de Diabo na Cruz. Os membros dos SAL fizeram nascer uma coisa nova depois do fim desse projecto. O álbum, Passo Forte, acaba de sair e estivemos à conversa com o baterista João Pinheiro e o guitarrista Daniel Mestre.
Esta banda surge depois de se terem conhecido e passado muito tempo na estrada e em estúdio com Diabo Na Cruz. Este disco, Passo Forte, serviu para tirar o diabo do corpo?
Daniel Mestre (DM): Eu acho que não foi para tirar o diabo do corpo mas inevitavelmente acho que não vamos… até é um bocado o contrário se calhar inicialmente até para manter o diabo no corpo, porque queríamos manter aquilo que tínhamos quando estávamos juntos em Diabo [na Cruz], não podíamos continuar com Diabo, tínhamos que partir para algo novo, mas era manter aquilo que já existia. Acho que com o passar do tempo se calhar uma boa parte daquilo que estava em Diabo vai passando mas não é completamente para exorcizar o passado.
Preferiram manter as pontes de ligação, guardar o melhor do passado e partir para uma coisa nova?
João Pinheiro (JP): É isso mesmo. A um nível pessoal eu acho que isto mexeu com as pessoas na altura, o fim de uma banda tão longa que durou tanto tempo e tão marcante para todos nós e portanto… a mim, pessoalmente, foi de certa forma tirar o diabo do corpo, mas a um nível mais pessoal, porque ao nível musical nunca houve da nossa parte uma vontade de cortar para as pessoas perceberem… porque é uma banda que de facto vem daí, não vem de uma banda de reggae. Mas é como tu dizes, a ideia é partir daí para a nossa própria coisa e acho que nós, sinceramente, ainda temos coisas do passado mas o que nós estamos a fazer já é muito nosso. Nem que seja porque as canções são nossas, em Diabo as canções eram só de uma pessoa que era o Jorge Cruz, e aqui as canções são de toda a gente portanto, inevitavelmente o que vai sair daqui vai acabar por ser outra coisa.
O título do disco é logo uma declaração de intenções, Passo Forte, arrepiar caminho que isto de ficar parado não é para vocês.
JP: É completamente isso, aliás, eu até posso dizer que no meu caso, quando nós partimos para a última tournée de Diabo na Cruz eu já estava a sentir a banda como uma outra coisa diferente. Se calhar fui o único a sentir isto, não sei, a partir do momento em que nós decidimos ir para a estrada já sem o Jorge Cruz, aquilo para mim já era os SAL na minha cabeça. É uma forma de dizer, mas na minha cabeça abriu-se um capítulo novo ali, ainda que as canções ainda fossem as antigas de Diabo na Cruz, para mim aquilo já era aquilo que nós íamos fazer no futuro, era mais o futuro do que o passado.
DM: Era uma espécie de ponte, não um ponto final mas uma ponte para algo que viria a seguir.
E o nome, SAL, em maiúsculas. É acrónimo de qualquer coisa ou é o sal da vida?
DM: O nome SAL foi uma sugestão do Carlos Guerreiro [dos Gaiteiros de Lisboa], em conversa com o João Pinheiro. Nós tínhamos uma lista interminável de nomes, andávamos a tentar fazer um método de votação que fosse válido, acho que eram 180 nomes, ainda tenho a lista guardada e alguns eram muito bons mesmo. Só que não conseguíamos chegar a um consenso e houve um dia que o Sérgio [Pires, vocalista] acordou de manhã e mandou mensagem a dizer «pessoal, vai ter de ser SAL, ‘tou com feeling». E nesse dia todos achámos que fazia sentido… ou então se calhar já estávamos tão cansados que foi tipo «ok, então é SAL». Não, achámos que fazia bastante sentido e o sal é algo que tem muitas características que se enquadram naquilo que nós somos. É um elemento conservante, purgador, algo que dá sabor à vida. É muito fácil encontrar várias formas de justificar o nome para esta banda.
JP: Epá e é português também, está ligado à nossa relação com o mar, há vários caminhos para justificar, de facto, mas na verdade é só um nome, não é muito mais do que um nome. Aliás, passou-nos pela cabeça, por ser uma palavra aberta demais, genérica de mais, essa questão do acrónimo. Ainda passámos por Som Altamente Libertador, coisas desse género.
O início da banda está também meio embrulhado com o início da pandemia e confinamentos. No começo de 2020 a banda já estava a ganhar forma e ficou conservada em sal?
DM: No início de 2020 já tínhamos algumas canções e fomos para estúdio gravá-las, a ideia original era lançar um EP no início de Abril. Só que quando nós saímos do estúdio Namouche, em Março, foi mesmo o dia antes de começar o confinamento e aí ficámos naquela «quanto tempo é que isto vai durar, o que é que vai acontecer?», então deixámos essa ideia de lado. E durante esse período começaram a surgir mais canções e percebemos que se calhar fazia mais sentido fazer um álbum em vez de um EP.
JP: Ou seja, acabámos por ganhar um ano, o single “Passo Forte” saiu em Abril de 2021 quando estava tudo apontado para Abril de 2020, ou um EP ou um primeiro single e acabámos por pôr tudo em suspenso por causa da pandemia, ninguém sabia o que é que ia acontecer, e portanto tivemos tempo para, durante esse ano, não só compor canções, gravá-las em Outubro e ainda deixámos de fora umas 5 ou 6 e entretanto, desde aí, já apareceram mais duas ou três… a partir do momento em que tens a máquina em andamento, o carro a andar, é muito difícil depois pará-lo, e foi isso que aconteceu. Mais do que ficar conservado – claro, o “Passo Forte” já estava gravado, ficou conservado ali mas o resto saiu praticamente tudo durante os confinamentos.
E como era o processo, uma coisa isolada ou juntavam-se para compor?
JP: Até à pandemia fizemos a “Morrer” e “Passo Forte”, que são as duas primeiras do disco, foram gravadas em Março de 2020, todo o resto do disco foi gravado depois. E as pré-produções eram assim, por exemplo o Sérgio mandava uma ideia, eu vinha para o estúdio gravava uma bateria, o Daniel aparecia aqui – meio em proibição porque não se podia sair de casa, ele mora aqui perto de mim, vinha gravar uma guitarra. Eu passei imenso tempo aqui na sala de ensaios sozinho a gravar ideias. E foi assim um bocado, depois o João Gil começou a mandar uma data de baixos – porque ele andava a tocar baixo com os ou Can’t Win, Charlie Brown – e de repente foi uma coisa assim meio à distância que foi muita proveitosa, foi muita gira, e foi uma espécie de salvação de uma cena… do abismo, de repente tínhamos montes de concertos nas agendas e foram todos desaparecendo, a partir de Março de 2020 foi ver tudo o que estava previsto para o Verão a ir ao ar. Portanto foi uma espécie de alheamento criativo que salvou aquele momento meio marado para toda a gente. Nós passámos um bocado ao lado disso, eu pelo menos passei ao lado dessa depressão colectiva, porque estava aqui a compor.
DM: Também temos a vantagem de ter acesso a alguma tecnologia e plataformas que permitem estarmos a criar em conjunto, cada um na sua casa mas em conjunto, e tivemos a sorte de encontrar uma plataforma que dava para fazer isso, então íamos sempre acrescentando pistas.
E todos os membros da banda escrevem canções?
JP: Até pode nem toda a gente escrever, mas toda a gente tem essa liberdade. E isso nós queremos que fique claro, para nós mesmos, a riqueza da banda vai surgir também das ideias que cada um for pondo aqui, portanto é óptimo que toda a gente componha.
DM: Acho que no álbum dá para perceber isso, é um álbum com influências muito diversificadas, há canções que estão em universos diferentes.
E quanto ao futuro. Este disco acaba de sair, é certo, mas como diziam há pouco, já há algumas canções novas. Têm ideia sobre os caminhos que vão querer percorrer?
JP: Não sei. Depende sempre do presente. Eu agora sinto que está a haver uma espécie de sedução, pelo menos para o Sérgio Pires, para uma coisa um bocado mais vazia, este disco é muito denso, tem muitas camadas e é um bocado difícil de entrar, acho que vai ser daqueles discos que depois de ouvir várias vezes vai-se descobrir as camadas que estão lá. Eu acho que agora está a haver uma espécie de um flirt com uma coisa mais espaçada, com mais electrónica, o Sérgio comprou um pedal de auto tune e anda a flirtar com aquilo na voz, adufes misturados com cenas electrónicas, cavaquinhos com efeitos… Neste momento tenho a sensação que o rock vai diluir-se um bocado, mas pode ser só uma percepção de agora, quando formos atirar-nos de cabeça para o segundo disco se calhar vai ser outra coisa, não sei. Mas sinto que a introdução de uma coisa mais actual, interessa-nos.
DM: Ou mesmo explorar outros instrumentos tradicionais, coisas que não tenham acontecido até agora.
Esta terça-feira, no Teatro Maria Matos, será a primeira grande apresentação do disco ao vivo. É um álbum fácil de transpor para o palco?
DM: Há umas canções mais fáceis que outras. Há um bloco de canções que conseguimos só os 5 trazer aquilo para o mundo real, mas neste concerto vamos contar com a ajuda de algumas pessoas para conseguir fazer jus àquilo que acontece no álbum.
JP: Vamos levar 3 ou 4 pessoas super importantes para nós, musicalmente e a nível pessoal também, que vão ajudar a passar algumas canções de uma forma mais próxima do disco. Decidimos fazer isso para este concerto específico mas acho que a ideia, quando levarmos isto para a estrada, é fazermos isto só nós os cinco. E acho que a energia e identidade dos SAL vão estar de qualquer maneira, seja agora seja no futuro. O que acontece agora é que vai ficar mais rico, mais bem feito, no sentido dessa aproximação ao disco, depois vão ser coisas diferentes. Até posso dizer quem são as pessoas, a Lília Esteve e a Beatriz Noronha a fazer vozes, o António Vasconcelos Dias a tocar percurssão numa data de músicas e guitarra noutras, e depois vamos ter o Carlos Guerreiro dos Gaiteiros de Lisboa, que é tipo o nosso padrinho de nome, foi ele que nos deu o nome, e ainda vai estar o Rui Alves a tocar adufe, portanto vai ser alta reunião de família, vai ser fixe.