Fazendo as contas, pela altura da gravação do hoje em dia célebre Blue, Joni Mitchell estava apenas perto de terminar os seus vintes, mas a dor que carrega na voz, na guitarra, e, neste caso, que se gruda às teclas do piano, já acumulava anos e anos de sofrer muito superiores aos seus breves vinte e muitos.
Mitchell é um pouco de cada nós: “River” revela-a talvez no seu mais vulnerável e fraco (“I’m so hard to handle/ I’m selfish and I’m sad”), mas o auto-retrato combina esta fragilidade de azul com uma honestidade bruta e uma esperança de mudar que ainda não se apagou. Mitchell também tem saudades do inverno: o seu passado canadiano salta para primeiro plano quando, enquanto habitante da solarenga califórnia, canta um desejo de gelo dos nortes. O natal aproxima-se e assim indicam os acordes iniciais e finais, que puxam ao ouvido uma lembrança fogaz de um “Jingle Bells” distorcido para a melancolia – Mitchell está sozinha e precisa de um inverno que emoldure o sofrimento, o desespero, o desapego. Porque no inverno estar triste confunde-se com a estação. E num país que anda a saber a Califórnia há demasiado tempo, apenas podemos considerar o apelo de Mitchell para que o inverno regresse a tempo da consoada algo com o qual conseguimos concordar.