
Foi perante um Armazém F esgotado que Ruban Nielson e companheiros – conhecidos como Unknown Mortal Orchestra – se apresentaram na noite passada, em Lisboa. No primeiro concerto em nome próprio, em território português, ao fim de dois anos, a banda neo-zelandesa/americana voltou a dar cartas e a exceder as expectativas de todos os fãs.
O concerto seria introduzido pelos Youthless, que entre uns Death From Above 1979 sem garra e uns Dragonforce bipolares lutavam para animar o público lisboeta, que preferiu passar esses trinta minutos em frente ao telefone – possivelmente devido à chegada dos tristes ventos franceses. Mas, deixando de lado as tragédias e o ódio, foi de amor que se fizeram as horas seguintes.
Nielson, Jake Portrait, Riley Geare e Quincy Mcrary eram levados a palco por uma torrente de palmas e gritos que não descansou enquanto os pés não levantavam. Seria a espalhafatosa “Like Acid Rain” a dar o mote para esse levantamento, essa dança, logo após um breve improviso em que a guitarra de Ruban nos soava a uma sítara reverberando armazém fora. Público conquistado, chegava a morninha de “From the Sun”. Os aplausos e assobios, saudosos de II, fizeram de Nielson um homem feliz, que irrompeu pelas partículas do ar com um inacreditável solo de guitarra, que ora era mais jazzy, ora nos soava a Jimi Hendrix, ora nos soava a um qualquer guitarrista de outra galáxia.
“Hey guys! Are you ok?”, perguntava à plateia. A resposta era óbvia e o vocalista parecia não entender o que fazia para ser tão amado, respondendo com o altamente ritmado e carismático tema “How Can U Luv Me”, do disco de estreia. Logo a seguir vinha “Ur Life One Night”, do recente Multi-Love, em que Nielson parecia declarar-se ao público com os versos “She could be the love of your life / Just for one night” carregados de desejo. Sempre rindo e sorrindo, sendo o nosso ffunny ffrend por uma noite, o neo-zelandês serpenteava pelo seu repertório como se descesse um rio a alta velocidade e nos fosse mostrando as maravilhas que ia presenciando. Sobre elas nos falava num pequeno balão de banda desenhada – ou, nas suas palavras, um “Thought Ballune”. Lá ia escrevendo – ou pensando – tudo aquilo que lhe vinha à cabeça. “The World is Crowded”, desabafava. Ou então partilhava connosco as reflexões acerca do seu passado amoroso – não fosse grande parte da sua obra sobre isso – em “So Good at Being in Trouble”. Seria nessa mágica balada que o público se tornava o cantor, com o microfone virado pra si. Seria nessa mágica balada que começariam as cavalitas, os crowdsurfs. Seria aí que Ruban Nielson se sentava no chão, como num alpendre, a deixar o público fazer daquele momento o que bem entendesse e apenas oferecendo-lhes as notas musicais para isso.
Os dedos irrequietos de Ruban, cujo som produzido cambaleava entre o de um Django Reinhardt em ácidos e o de um tocador de kora do Mali, devidamente electrificado, não se acalmaram com “(Swim and Sleep) Like a Shark”, que mais uma vez levantou ondas de saltos que chegavam ao além. E claro que Nielson não descansou e pelo entusiasmo se deixou levar, com “Stage or Screen” a dar-lhe o mote para subir ao andar de cima do Armazém F, pra fazer a festa. Os teclados que se tornavam num piano de cabaret ou saloon terminavam a música, com um solo belíssimo que mais uma vez – já depois do solo de bateria que teve lugar no início do concerto – provou que Unknown Mortal Orchestra ao vivo é muito mais do que Ruban Nielson em disco. Tal solo daria entrada a “Ffunny Ffrends”, cuja euforia era aproveitada pela banda pra introduzir a última canção – “Multi-Love”. Um público louco levou o quarteto ao êxtase, não descansando enquanto este não regressasse dos bastidores.
E os versos de “Necessary Evil” fizeram sentido a abrir o encore, terminando definitivamente o concerto com “Can’t Keep Checking My Phone” – instalando no armazém uma verdadeira pista de dança que, junto ao rio, fluía de lisergia e delírio.
Fotos gentilmente cedidas por Alexandre Antunes/Everythingisnew