
O concerto dos Boogarins no Musicbox, no passado sábado, foi sobretudo uma confirmação. Depois de As Plantas Que Curam, ficámos arrebatados com Manual. Não esperávamos menos que um concerto tão bom quanto os discos – e os quatro rapazes de Goiânia superaram todas as expectativas.
Quarenta minutos depois da hora marcada, os assobios e gritos chamavam o quarteto ao palco, por entre sorrisos e saudades do Musicbox. “Falsa Folha de Rosto” foi a música escolhida pra dar início à viagem. Do início ao fim, o concerto foi marcado por uma intensidade e desempenho magistrais, de astronautas que pareciam há séculos pilotar qualquer tipo de aeronave. Ziguezagueando entre dissonâncias, polifonias e ritmos, os Boogarins trouxeram um repertório conciso e apresentaram-no de forma exímia – nas quase duas horas que durou o concerto, nunca houve um momento morto, todos queriam ali ficar a noite toda.
Os talentosos e liberais jovens com “Lucifernandis” instalavam o caos nas cordas vocais de todas as almas que alegremente partilhavam a terra, o ar e o som uns com os outros. Pouco depois, a felicidade de Dinho – o cabeludo e carismático vocalista – mostrava-se plena em “Tempo”, canção onde utilizava as pausas musicais para reinar com o público. De seguida, “Erre” voltava a provar que o público português tinha as letras todas na ponta da língua, não só do primeiro disco como do último. Em constante ebulição, o caldeirão mágico via a poção que guardava ser mexida e remexida canção após canção, fosse em “6000 Dias” – um autêntico furacão que abalou todos os cantos da mente dos presentes – ou em “Avalanche” – que seria introduzida pela oferenda de um cigarro mágico à banda por um rapaz do público. Ainda que o tal cigarro não sobrevivesse para chegar ao público, os acordes, a distorção, as reverberações e delays chegavam pra nos fazer entrar num transe narcótico que só terminava perto das duas da manhã. Por esse transe fomos sentindo “Sei Lá”, “Despreocupar”, “Benzin”, “Infinu” e tantas outras, incluindo uma bossa nova de fazer trabalhar seriamente a glândula pineal.
Foi de rock e psicadelismo à séria que se fez a apresentação do trabalho mais recente dos brasileiros Boogarins em Lisboa, deixando uma sede, uma necessidade, quase um vício, de os querer ver de novo. A bateria cuidada e pulsante de Ynaiã Benthroldo – que recentemente se juntou à banda, após a saída de Hans Castro -, os solos e arpejos cuidados de Benke, o fio condutor que é o baixo de Raphael Vaz e a espirituosa presença de Dinho impressionaram e deixaram um orgulho e amor especiais – separados por um oceano, unimo-nos através da língua e da música.
Fotos: Sofia Mascate