Um concerto como este, em dose dupla, é o melhor tónico para alguém que entrou de férias no início deste mês. Esse tempo de merecido descanso está quase sempre ligado a momentos de prazer, e é exatamente disso que se trata: prazer, que neste caso veio a dobrar, felizmente. Ao contrário do que muitas vezes acontece com a maior parte dos concertos a que assistimos, a equipa Altamont não se deslocou ontem ao C.C.B. apenas para ver e ouvir o que Devendra Banhart trouxe na sua “Mala” até Portugal. Longe disso. Também lá fomos todos para assistir a Rodrigo Amarante, eterno membro dos Los Hermanos, banda fundamental da última década da música brasileira, e que apresentará ainda este ano o seu primeiro trabalho a solo, intitulado Cavalo. Eu, como fã absoluto do músico, já sabia que ia assistir a um pequeno concerto (pouco mais de meia hora), e que ia ouvir algumas das novas canções do seu disco solo, como a já conhecida e divulgada “Maná” (embora em versão diferente da originalmente lançada no disco Dream Service, do imenso coletivo chamado The Bottletop Band), mas também “Irene” (que pelo meio e no fim faz uma citação à canção de Caetano Veloso, com o mesmo nome desta, quando Amarante canta o verso que diz “Irene ri”), e “I’m Ready”, “Evaporar” (esta última surgida do projeto Little Joy, como por certo saberão), “Nada em Vão”, “O Cometa” (canção homenagem ao poeta Ericson Pires, que nos deixou em 2012, aos 40 anos de idade, devido a complicações de uma pancreatite aguda), “Mon Nom” e “The Ribbon”. Rodrigo Amarante tem andado com estas canções em digressão há já algum tempo, e percebe-se que está bem à vontade com este seu novo repertório de temas lentos, e outros quase samba rock. A poucos minutos de terminar a sua atuação, cantou uma novíssima canção (julgo eu, visto que não a conheço), avisando que era a primeira vez que a fazia ao vivo, e que “podia dar merda”, conforme disse. Não deu.
Amarante veio com ótimos músicos a acompanhá-lo: Fabrizio Moretti (baterista dos The Strokes), Tod Dalhoff (baixo), e Josiah Steinbeck (guitarra). Na verdade, estes músicos vão trocando constantemente de instrumentos, e surgiram também para acompanhar Devendra Banhart, na segunda parte do concerto. Amarante fez um bonito show. Intimista, e muito distante do que alguns poderiam esperar (ou desejar), a léguas do som de Los Hermanos. Por falar na banda brasileira, também no Grande Auditório do C.C.B. se viu, em plena plateia, o seu parceiro e amigo Marcelo Camelo, acompanhado pela sua Mallu mais que tudo. O que fica, para além dos excelentes momentos do show, é uma grande vontade de ter em mãos o disco Cavalo, que sairá no Brasil no início de setembro e que, com um bocadinho de sorte, também o terei em mãos por essa altura. Esperemos pela rentrée, portanto.
Mas vamos a Devendra Banhart, o cabeça de cartaz do dia! Como também sabíamos, o músico americano-venezuelano-do mundo inteiro trazia, essencialmente, a “Mala” cheia, ou melhor, as canções do seu último trabalho de originais, que dá exatamente por esse nome, e cuja crítica, já agora informo, pode ser lida num outro post deste vosso Altamont. Basta procurar um pouco, e ela aparecerá, escrita por Duarte Pinto Coelho, o autor das fotos que acompanham esta reportagem escrita.
Mala foi um disco muito esperado, e não terá sido em vão a espera de vários anos. Eu gosto de Mala, principalmente por se afastar do menos conseguido (mas interessante, mesmo assim) What Will We Be, e por ser um território sonoro marcado por uma música preguiçosa (no que a expressão tem de bom, entenda-se), ideal para se ouvir à sombra, num dia de forte calor, na companhia de uma cerveja gelada e de uma mulher bonita (refiro-me à minha, para que não surjam interpretações dúbias…). Por isso foi muito bom ouvir algumas das suas canções, como “Golden Girls”, “Daniel”, “Für Hildegard Von Bingen”, “Mi Negrita”, “Taurobolium” ou “Won’t You Come Over”. Aliás, julgo mesmo que Devendra tocou todas as canções do seu último trabalho. Mais ainda: Devendra tocou “Something French”, canção que é um bónus exclusivo do LP, e que por isso passou completamente ao lado de quem apenas possui a edição em CD. Mala foi crescendo em mim de uma maneira quase desmesurada, pelo que ouvi-lo agora, neste concerto, veio na altura certa. Talvez por isso me tenha agradado tanto a prestação desse “hipster freak” (a feliz expressão é do colega Tiago Freire) que nos meteu a todos um enorme sorriso na alma. Foi mesmo bom ouvi-lo, caraças! Mesmo muito bom! O homem é único, admiravelmente diferente do que por aí se ouve, e esses predicados foram bem audíveis ontem. O seu frequente vibrato bem se fez notar em muitos dos momentos do show, dando-lhe um extra feeling cheio de charme arrebatador. Uma ou outra canção mais antiga mexeu com o público, sobretudo a esplendorosa “Sea Horse”, do não menos esplendoroso Smokey Rolls Down Thunder Canyon, que foi, sem dúvida, um dos grandes happenings performáticos de todo o concerto. Depois, quase no fim, e apenas acompanhado pela sua guitarra elétrica, cantou “The Body Breaks”, do já distante Rejoicing In The Hands (of The Golden Empress). Finda a canção, desapareceu logo em seguida, dizendo um tímido “adeus, obrigado”. Mas a coisa não ficou por ali. Toda a sala não parou de o chamar, aplaudindo, assobiando, fazendo ruído suficiente para que viessem todos ao palco para um encore curtíssimo, de apenas uma canção. Mas que canção! Nada mais, nada menos do que “Carmensita”, do já referido Smokey Rolls. Pouco havia já a fazer, infelizmente. Devendra y sus muchachos não viriam de novo ao palco.
Custa quando acaba, é bem verdade. Custa ainda mais, quando o que acaba foi muito bom. Meia dúzia de palavras trocadas, já fora da sala, entre a equipa Altamont presente, e o regresso a casa fez-se prontamente. Tinha este texto para escrever, e uma noite inteira para recordar. ¡Que Dios te bendiga y proteja siempre, hombre!
(Fotos: Duarte Pinto Coelho / mais fotos aqui)
Passei a ouvir Rodrigo Amarante por causa de Altamont.
Eu ainda estou de papo cheio, Francisco!
Faço minhas as palavras do camarada Tiago Freire, reportagem belíssima! Foi mesmo muito bom o concerto! Foi um excelente exemplo de como há certa música, certos artistas, certos concertos, que nos enchem a alma!
Thanks. Quando os concertos são bons, torna-se mais easy ;-)
Isto é que é pontualidade. Uma reportagem belíssima e em cima da hora. Belo trabalho, camarada.