Dez anos de químicos fortes transmitidos por acordes. A Feromona que nunca foi em excesso e que nos deixou reconhecer a sua música como se ela fosse o sexo. “Acabou-se o tempo, lágrima, alimento, extingo o som de ensurdecer” foram as primeiras palavras da última noite, numa ironia que fundiu A Dor e a Glória desta banda. No Musicbox sentia-se a melancolia de um público vasto e calado, e que talvez precisasse de ver sangue, e por isso Diego Armés deu-lhes um Bisturi. Pediu desculpa pela voz rouca, dizendo “ontem constipei-me. Isto do rock’n’roll não é fácil”. É caso para dizer que é consequência do teu mau comportamento.
A febre foi crescendo na plateia, que acreditou quando Diego disse que ali estávamos para festejar e, mesmo que não fosse a bem, a verdade é que estávamos. Por isso, chamaram o primeiro convidado da noite: João Só, abandonado, em Conversas de Cama com Diego Armés, esse homem que canta a poesia que escreve e que dá a Feromona a quem não a tem. Um dueto bom de uma boa canção, com um coro que crescia à medida que sentíamos aquele refrão tempestuoso: “Diz-me só se és feliz, a dizer-me as coisas como mais ninguém diz”.
Manuel Fúria foi o segundo a ser chamado ao palco. “Sou brutalmente contra esta noite”, disse, com tanta convicção como aquela que pôs em Film Noir. Gritava-se “perdeu-se alguém”, como se os estivéssemos a perder a cada verso, numa contagem decrescente que não queríamos que acabasse. Foi aí que conhecemos o caos, na melhor forma possível. Fúria lançou-se sobre a plateia, que o transportou nos braços e o devolveu ao público.
O instrumental que nos davam era mais forte a cada música. Crescia com a ardência que atingiu o seu primeiro auge depois de Diego dizer “vamos entrar no campo da selvajaria com David Jacinto”, dos TV Rural. Encontrávamos o ponto de ebulição em Selvagem Tosco, quando já estávamos todos acomodados ao “posto de violento animal”, entre um mosh crescente e refrões cantados de forma agradavelmente violenta. Foi ainda neste ambiente que foi apresentado “um trio de luxo, um trio de ataque” que, como o Patrick Swayze, não perde o fôlego. Jónatas Pires e Filipe Sousa dos Pontos Negros, juntamente com Tiago Giullul, de Os Lacraus, criaram a anarquia a cantar 1991.
Tiago Bettencourt foi a quarta colaboração no palco do Musicbox. A sua voz calma trouxe-nos uma balada que vai deixar saudades: a Vodka, que aqueceu e apagou a dor de uma despedida. A noite continuava quente e a febre de música continuava de tal forma que uma guitarra deixou de funcionar, forçando a uma pausa que nem aí nos deixou descansar. Recomeçaram pouco depois, ensinando-nos a viver em Função do Prazer, numa balada que nos preparava para aquilo que viria a ser o pandemónio de Psicologia. Samuel Úria juntava-se à banda e ao coro que cantava esta tese irónica sobre a vida. E há tanta coisa que enlouquece, que nós próprios enlouquecíamos à medida que a noite crescia.
A última canção do encore foi especial. Para eles porque, para uma música velhinha, era a terceira vez que a tocavam; e para mim porque é um hino à vida. E mais do que isso, fazia sentido ouvir-se: “Mas porque algum dia isto vai correr bem, há sempre um dia em que o mundo é melhor, sabes que um dia a gente pode bem inventar histórias sem dor e rir das coisas sem querer”. O coro foi mais escasso do que na original, mas foi bom ouvir aquela balada de versos e acordes bonitos, com uma bateria fortíssima.
Simularam uma despedida, mas não ia acabar assim. Voltaram com a pica de um Sábado à Tarde, acompanhados de Marlon, dos Azeitonas, e, a partir daí, o caos instalou-se em todo o Musicbox e Diego alimentou-o ao abrir uma garrafa de champanhe sobre a plateia. Ainda houve tempo para uma Mánif, a puxar à manifestação com os seus riffs, e uma Mustang conhecida e poderosa. À hora a que subiram todos os convidados ao palco para cantar Noites de Budapeste (Mão Morta), já estavam todos de tronco nu e, à sua frente, uma multidão “sempre a “rock’n’rollar”, que ainda acolheu dois stage dives de Diego Armés e um outro de João Gil.
Ficou para último a Latino Woman. Sabíamos todos que estava a chegar o fim e, por isso, cantava-se o refrão tantas as vezes quanto as que se pôde. Quando se foram embora, ficámos à espera. A verdade é que tentaram voltar, mas os microfones não sobreviveram ao concerto. Diego Armês, Marco Armês, João Gil e Miguel Simões (que substituiu brilhantemente Bernardo Barata) despediram-se com dificuldade de uma casa cheia – segundo o vocalista nunca antes tão cheia – com um público que não os queria ver partir. Deixaram saudade e um legado de músicas ricas. E uma baqueta para eu guardar de recordação.
Era Domingo, dia de descanso. Descansa em paz, Feromona.
(Fotos: Duarte Pinto Coelho / mais fotos aqui)