Eu acuso: Rob Mazurek foi pouco humilde. Por muito bons que os seus Underground sejam (quer os de Chicago, quer os de São Paulo, agora em versão “todos ao molho”), Mazurek nunca poderia ter confinado o mítico Pharoah Sanders ao estatuto de mero convidado especial da sua banda, como desajeitadamente o acabou por fazer na fatídica noite de encerramento do Jazz em Agosto. Não é que, atenção, não tenhamos ficado deslumbrados com o jazz hipnótico e vanguardista que brotou daqueles seis músicos de excepção (Sanders no saxofone, Mazurek na corneta, Guilherme Granado nos teclados e samples, Mauricio Takara nas percussões e no cavaquinho, Mathew Lux no baixo eléctrico e Chad Taylor na bateria). Mas Sanders, na qualidade de lenda viva do jazz que partilhou palcos com o mestre Coltrane, merecia que a nossa atenção estivesse toda ela apontada àquele timbre único, quase tribal, que só Pharoah consegue arrancar do seu saxofone, em vez de ser distraída pelo notório excesso de tráfego musical.
Mas, ainda assim, Sanders sobreviveu. Se a sua idade e saúde débil lhe fraquejavam as pernas (ao ponto de coxear e de recorrer a um banco para descansar), a sua frescura criativa permanecia intocável, rejuvenescendo várias décadas logo que soprava a palheta do seu sax. Depois, juntava-se à pura transe colectiva, cada um dos músicos a rumar na sua própria dissonante direcção, excepto Mathew Lux, que habitualmente mantinha um riff constante de baixo, débil estrutura a partir do qual o caos se fabricava, mescla perfeita do mais avant-garde modernismo com o mais primitivo tribalismo.
Um espectáculo inesquecível. Mesmo nas circunstâncias mais adversas, Pharoah Sanders será sempre o “faraó”.
(Foto: Nuno Martins)