
Eis um nome a reter: Reis da República. À primeira vista, são uma banda formada por seis jovens, discretos e inocentes, de indumentárias que vão do sapato de vela à camisa, passando pelo casaco de ganga e skinny jeans. Mas, à primeira audição, são eremitas sábios e selvagens, de farta barba e de cabedal pesado, prontos a trilharem um novo caminho para a música portuguesa. Apesar de tímidos, devido à pouca rodagem de palco, uma das primeiras grandes aparições dos Reis – ocorrida durante o Baile Rock Altamont de dia 30 de outubro – provou que ainda há muito para se fazer no rock português.
Pouco antes da meia-noite, os seis monarcas subiam ao palco do Sabotage para apresentarem a verdadeira identidade da sua dinastia: um reinado esquizofrénico dominado pelo mundos encantados do psicadelismo e do prog, embalado num pacote indie – imagine que os Arctic Monkeys não queriam ser os Strokes, mas sim os Pink Floyd. O EP lançado, repleto de temas verdes mas cheios de atitude, só validou a sua raça ao vivo: as transições polirrítmicas – lideradas pela bateria, pelo baixo funk e pelo reverb da guitarra – e o virtuosismo das teclas de José Sarmento que, possessas pelo espírito de Ray Manzarek, dos The Doors, se tornam na atmosfera da canção.
Mas qual é o pigmento que azula o sangue destes Reis? Segurando uma cerveja e um cigarro, lá estava a imponente e deslumbrante rainha Madalena Tamen cantando para os seus monstros e, através dos instrumentos, embalando-os. Seja à porrada, como em “Haddock”; ou com “bagaço de Jorge Palma”, como no blues “Dia Seguinte”; ou à sedução, como em “Máscaras de Carnaval”, o tema mais aplaudido e entoado. Uma coisa é certa, Tamen não sabe ser outra senão si mesma – das cantorias ao spoken word, vale tudo – e tudo é honesto e confessional. «Transformar cafés e noites no que agora chamo de paz / Fiz crescer flores e festas, os pregos do meu caixão», anunciou a vocalista em “Flores e Festas”.
Mas os Reis não esconderam as suas evidentes influências. Entre canções, novas e antigas, o alinhamento de quase 50 minutos teve jams viajantes, saltando de pentatónica em pentatónica, que tinham por base excertos de icónicas canções – “Cinema Show” dos Genesis e “Punk/Moda Funk” dos Ornatos Violeta. Sem contar com a aplaudida “Pedro e o Monstro”, que tem por base a progressão de acordes do final de “Stairway to Heaven” dos Led Zeppelin.
Após o glorioso ouro que a geração Capitão Fausto trouxe, a República não pára de se repetir e já precisava de uns Reis diferentes como estes. E estes jovens, tal como um sábio estudioso, de fartas barbas, pretendem estudar a lição até trazerem algo de novo a esta República, urbana e com demasiadas canções batidas. Os grandes palcos conheceram os Reis da República tal como Qui-Gon conheceu Anakin Skywalker, na saga Star Wars: a Força (da música, neste caso) juntou-os. A bola está agora do outro lado: será que os Reis da República trarão equilíbrio, tornando-se numa lufada de ar fresco da música nacional? «You’re my only hope».
Fotos gentilmente cedidas por Lourenço Quadros Martins